Marcos Eduardo Melo dos Santos – 2º ano de Teologia

São PauloConquista! Esta evocativa palavra faz emergir em nosso espírito a saga de grandes personagens. Autênticos homens de ação, conquistadores de terras e povos que bem merecem um honroso lugar na galeria da História. Contudo, existe uma epopeia mais sublime, a conquista das almas. Somente no Juízo final poder-se-á medir inteiramente os méritos de um missionário. Pois, atrair as almas para o Rei dos Reis e sua esposa Mística, a Santa Igreja Católica é conquistar almas para o Céu. O conquistador Dentre essa inumerável coorte de missionários na História da Igreja, o maior deles, sob vários aspectos, foi São Paulo Apóstolo. Sua gesta apostólica é incrível. Como santo e ministro de Deus, de uma santidade sem mancha, comprovada por milagres. Como escritor, nunca alguém foi tão lido, discutido, elogiado e criticado por causa de apenas 14 cartas. Como teólogo, terá alguém sido mais profundo? Como homem de ação, uma biografia riquíssima. Quantos trabalhos, fadigas, vigílias, prisões, açoites, viagens, e naufrágios? Quantas vezes viu a morte de perto? Exposto a perigos nos rios, mares, cidades e desertos. Ameaçado por assaltantes, pagãos e falsos irmãos. Ele mesmo narra que através de uma janela, por uma cesta, foi descido pelo muro a fim de escapar da prisão. (Cf. 2Cor 11,22-33). Nascido em Tarso por volta do ano 8 d.C., Saulo, o perseguidor dos cristãos, judeu de sangue, romano de cidadania, fariseu de religião, se converte na estrada de Damasco. Diz o escritor apócrifo dos Atos de Paulo (Apud ROPS, 1952, p. 21), que esse jovem de quase 30 anos era “de estatura média, baixo e rechonchudo, com pernas tortas, a cabeça calva, as sobrancelhas espessas e muito juntas, o nariz arqueado”. Mais alma do que corpo, sua fisionomia nunca foi elogiada pela beleza dos traços, mas isso em nada empobrece sua personalidade. O antigo aluno de Gamaliel era de uma inteligência e força de vontade excepcionais. O olhar o revelava. Memória excelente, a serviço de uma cultura judaica e greco-romana incomum. Falava excelentemente o grego, o latim e o hebraico. Perfeita dicção, caráter sólido, determinado nas decisões, quase obstinado; sério, era homem capaz de servir um alto ideal até as ultimas consequências. Este Ministro de Cristo foi preparado no melhor dos seminários. Conviveu durante dois anos com o Salvador em corpo glorioso. Durante suas viagens era constantemente movido por visões e inspirações do Espírito Santo, assim como, por um admirável senso prático. Lógico, audacioso e empreendedor, mereceu o título de “O Apóstolo”, pois fez mais que todos os outros juntos.

Em Atenas Durante a segunda viagem apostólica (50-53 d. C.), impelido pelo Espírito Santo, adentrou-se no continente europeu (At 16,9). Na Macedônia, as cidades de Filipos, Beréia e Tessalônica, não sem dificuldades acolheram-no com fervor. A perseguição o fez dirigir-se para a Acaia e a primeira cidade que desbravou foi Atenas, a capital da filosofia. Cidade de apenas 30.000 almas, mas que gozava de incontestável prestígio na antiguidade. O Apóstolo “estava interiormente indignado por ver a cidade repleta de ídolos”. (At. 17,16). Seguindo o costume, dirigiu-se à Sinagoga. Todos os dias discutia com os judeus e pagãos “que adoravam a Deus”. Certa vez conversou com alguns filósofos epicúreos e estóicos. Alguns, despeitosos ante o singular judeu, julgavam-no “charlatão” (v. 18), mas, outros, vendo seu valor e convicção, levaram-no ao Aerópago e perguntaram-lhe: “Podemos saber que nova doutrina é essa que ensinas? É muito estranho o que nos trazes aos ouvidos. Queremos saber o que pretendes dizer com tais coisas”. (v. 19-20). Paulo pronunciou o discurso que São Lucas relegou à História. Podemos imaginá-lo de pé, no centro do Areópago, com voz forte e clara proclamando: Atenienses, vejo que sois extraordinariamente religiosos em tudo. Ao passar pela cidade e contemplar os objetos de vosso culto, achei até um altar em que está escrito: “Para o deus desconhecido”. Pois bem, aquele que venerais sem conhecer, é esse que vos anuncio. O Deus que fez o mundo e todas as coisas que nele existem. Sendo o Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos de homens, nem por mãos humanas é servido, como se necessitasse de alguma coisa, ele que dá a todos a vida, o alento e todas as coisas. De um só fez nascer todo o gênero humano, para povoar toda a face da terra. Estabeleceu para os povos os tempos e os limites de sua habitação, tudo para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo mesmo às apalpadelas. Pois não está longe de nenhum de nós. É nele que vivemos, nos movemos e existimos, como alguns de vossos poetas disseram: ‘Porque somos também de sua raça’. Sendo, pois, da raça de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro ou à prata ou à pedra, obra da arte e do engenho humanos. Não levando em conta os tempos da ignorância, ele convida agora a todos em toda parte a se converterem, porque fixou um dia em que julgará o mundo com justiça, por meio de um homem que ele constituiu, dando a todos por garantia o fato de tê-lo ressuscitado dos mortos”. (Cf. At 17, 21-34). Quando ouviram o Apóstolo tratar da ressurreição dos mortos, alguns zombaram e outros disseram: “A este respeito te ouviremos noutra ocasião”. Todavia, como narra a Legenda, após curar um cego a pedido de um ilustre areopagita como prova da veracidade de sua doutrina, vários se converteram, conquistando algumas almas “do mundo acadêmico ateniense”, as quais dariam frutos extraordinários, como aquele que será São Dionísio, o Areopagita, primeiro bispo de Atenas.

Em Corinto A corrupção epicúrea e o orgulho cético dos estoicos tornavam Atenas terra árida à semente do Evangelho. Por isso, logo partiu São Paulo para a capital econômica e política da Acaia: Corinto, uma das mais importantes cidades do Império Romano. A indústria, o comércio e os dois portos – Lenqueas ao ocidente e Cencreas ao oriente – eram os trunfos econômicos da suntuosa cidade. O que fazia jus ao provérbio da antiguidade, relativo às pessoas com alto poder aquisitivo, “nem todos podem ir a Corinto”. Fundada no século IX a. C., era a cidade mais rica e artística do Helesponto; por sua posição geográfica era a chave e a porta do Acaia. Nas guerras do Peloponeso, Corinto era o pêndulo que marcava a hora da vitória para as cidades-estado. A culta Atenas e a belicosa Esparta dominaram a Grécia quando conquistaram Corinto. (ESPASA CALPE, 1936). Sua laboriosa população de 500.000 almas era constituída, sobretudo, de libertos e patrícios, assim como, de uma relevante colônia judaica. Como narra o Atos dos Apóstolos, em Corinto, São Paulo encontrou um judeu chamado Áquila, originário do Ponto, que acabara de chegar da Itália com Priscila, sua mulher. Paulo uniu-se a eles; e, como era do mesmo ofício, fabricante de tendas, permaneceu em sua casa onde trabalhavam juntos. Aos sábados discutia na sinagoga persuadindo judeus e gregos. Entre trabalhos, pregações e a celebração da Ceia, São Paulo ainda pôde escrever duas cartas aos tessalonicenses. (±51 d.C.). Quando seus auxiliares, Silas e Timóteo chegaram da Macedônia, Paulo se dedicou inteiramente à pregação da palavra, defendendo diante dos judeus que Jesus era o Cristo. Entretanto, a oposição dos judeus fez o Apóstolo sacudir as vestes e dizer-lhes : “Sobre vós pesa a responsabilidade do que acontecer. Eu sou inocente. A partir de agora dirijo-me aos pagãos”. Daí em diante nunca mais voltou às sinagogas. Mudou-se para a casa de um pagão de nome Tício Justo. Entretanto, alguns judeus seguiram o Apóstolo, como Crispo, chefe da sinagoga, o qual acreditou no Senhor com todos os de sua casa. Muitos coríntios que ouviam Paulo também acreditaram e foram batizados (At 18, 2- 8). Assim formou-se a comunidade cristã de Corinto, constituída de ricos convertidos e alguns judeus, contudo a imensa maioria era de origem modesta e pagã. Anos depois, o Apóstolo recorrerá aos ricos coríntios na coleta pela carente comunidade de Jerusalém. Apesar da conquista destas almas, o apostolado em Corinto não era fácil devido à imoralidade típica do clima mediterrâneo corroborada pela riqueza material. São Paulo muito lutou contra a corrupção de costumes como se deduz através das cartas que enviará anos depois aos coríntios. Nem sempre as admoestações do Apóstolo foram acolhidas com fervor, por todos, em Corinto. São Paulo pretendia inclusive sair da cidade, pois pressentia que a borrasca da perseguição se armava no horizonte. Como a bonança que precede a tempestade, certa noite, São Paulo teve uma visão. O Senhor lhe disse: “‘Não tenhas medo, segue falando e não cales, pois eu estou contigo. E ninguém te fará mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade’. O Apóstolo dos Gentios demorou-se lá mais um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus”. (At 18, 8). Finalmente, a tormenta da perseguição desabou sobre o Apóstolo. Alguns judeus acusaram-no a Galião, procônsul da Acaia, dizendo: “Este homem persuade os ouvintes a prestar culto a Deus de modo contrário à Lei”. Mas, Galião, não atendeu as acusações, pois sendo “questões de doutrina”, não quis julgar o caso. Então, os judeus espancaram Sóstenes, chefe da sinagoga sem que o procônsul fizesse caso. Assim, O Apóstolo ficou ileso conforme a promessa do Senhor, permaneceu na Acaia por ainda algum tempo, mas finalmente despediu-se dos irmãos e navegou para a Síria com os santos Priscila e Áquila. Antes, porém, raspou a cabeça em Cencréia, por causa de um voto que tinha feito. (At 18,9-18). Quanto à razão do voto, é mais um mistério da História…

A duradoura e grandiosa conquista São Paulo evangelizou as regiões mais importantes do Império dos Césares: a populosa Ásia, a ardente Ibéria, a culta Grécia e a Itália, centro administrativo e militar. Contudo, sob certo aspecto, a Grécia, pátria dos filósofos, possuía primazia, porque era o polo do requinte e da cultura no Império Romano. Lá se ditava a moda, do pensar ao vestir-se. Até a Roma vencedora adaptava-se à língua e à cultura dos vencidos. Tão grande era a influência grega sobre todo o Império Romano, que quando uma ideia tomava a Acaia, conquistava o mundo. (MEILLET, 1947). Estava São Paulo consciente do papel da Acaia no mundo de então? Pelo seu feitio de espírito, invejável cultura e amplitude de horizontes, certamente, sim. Se hoje o politeísmo está quase extinto não o devemos ao Apóstolo dos Gentios e à inumerável coorte de santos que seguiram seu exemplo e sua doutrina? Sob as ruínas do paganismo, São Paulo edificou o cristianismo grego, que durante quase mil anos legou à Igreja profundas explicitações teológicas, tratados espirituais e uma grandiosa arte. Sobretudo gerou santos, que brilham como estrelas no firmamento da Igreja. A conquista da Acaia era o lance decisivo para a conquista do Império Romano. Sendo uma região admirada pelos latinos, São Paulo revestia o cristianismo do prestígio grego e preparava a entrada do Evangelho na capital do Império. Sem preparar um plano de conquista com mapas, cálculos e logística impecável a la general militar, a conquista paulina foi maior e mais duradoura que muitos conquistadores da antiguidade. Hoje, quase dois mil anos depois, os descendentes dos latinos somam 85% dos fiéis cristãos no mundo. Se uma enorme multidão goza do Reino Celestial e mais de dois bilhões de almas se ufanam de professar o cristianismo, devemo-lo ao Apóstolo dos gentios. Um dos principais propugnadores de uma das maiores e mais duradouras conquistas da História da Igreja: a conversão do Império Romano. Grandiosa epopeia a qual se iniciou com a conquista da Acaia.

BIBLIOGRAFIA BÍBLÍA de Navarra. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra – EUNSA, 2008. CESÁREA, Eusébio de; AZNAR, Luiz. Historia Eclesiástica. Bueno Aires: Editorial Nova, 1950. ESPASA CALPE. Enciclopedia Universal ilustrada: Europeo-Americana – Suplemento Anual, 1935. Madrid; Barcelona: Espasa-Calpe, S.A., 1936. LLORCA, Historia de la Iglesia, Edad Antigua. Madrid: BAC, 2005. MEILLET, A. Esquisse d´une Histoire de la Langue Latine. 5ª [cinquème édition]. Paris: Hachette, 1948. ROPS, Daniel. São Paulo, o conquistador de Cristo. Porto: Tavares Martins, 1952. ______. La Igresia de los Apóstoles y de los Mártires. Trad. Luis Horno Liria. Madrid: Palabra, 1992. VORAGINE, Jacques. La Légende Dorée. Trad. Jean Baptiste Rose. T. I e II, Paris : Garnier-Flammarion, 1967.