SaogregorioNo fim do século VI, Roma desabava no caos e com ela agonizava toda uma civilização. Os rumos da história mudavam drasticamente quando um monge beneditino foi escolhido Papa. Era Gregório I, a quem a História qualificou de “o Magno”.

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Pe. Pedro Rafael Morazzani Arráiz, EP

Vigário Geral de Virgo Flos Carmeli

Reitor do Seminário São Tomás de Aquino

Como as furiosas e ritmadas ondas de um mar borrascoso irrompem com violência sobre as areias da praia, sucessivas hordas de invasores assolaram, durante mais de 150 anos, a península italiana.

Em 410, os visigodos do rei Alarico I, após devastar vilas e campos, chegaram até Roma, cujas muralhas tinham 800 anos sem avistar um exército estrangeiro. E a esplendorosa e já decadente cidade das sete colinas foi saqueada durante três dias.

Em vão o Papa Leão Magno tentou deter os vândalos que sulcavam impunemente, em rápidas naves, o Mar Mediterrâneo. O santo Pontífice obteve de seu rei, Genserico, apenas que a população fosse poupada. Mas durante duas trágicas semanas do ano 455, Roma foi minuciosamente pilhada por esses terríveis bárbaros.

Em 472, o suevo Ricimero, apoiado pelos burgúndios, sitiou a capital do império, onde tentou resistir um dos últimos soberanos latinos: Antémio, mera sombra de autoridade num mundo cada vez mais convulsionado. No dia 11 de julho, a velha ­urbe foi, pelas tropas do caudilho suevo, saqueada mais uma vez.

Como conseqüência de intrigas políticas, Rômulo Augústulo, um jovem de 13 anos, foi proclamado soberano de um império que já não mais existia. Menos de um ano durou essa triste comédia: em 476, Odoacro, à cabeça de várias tribos de germanos, ocupou aquelas terras onde tremia e chorava de medo o último dos imperadores de Roma…

Uma nova horda de invasores submergiu a península no ano de 489: os ostrogodos. Quiçá 200 mil homens, calculam os historiadores. Em ­poucos anos, eliminaram os ocupantes da véspera, tornaram-se os donos da Itália e seu rei Teodorico entrou triunfalmente na cidade dos antigos césares.

Após a morte deste grande chefe, em 526, a península italiana transformou-se durante mais de duas décadas num imenso campo de batalha onde godos e bizantinos entrechocavam-se ferozmente, disputando palmo a palmo aquela terra ensangüentada. Várias vezes a Cidade Eterna foi sitiada e conquistada. Seus grandiosos monumentos e palácios desmoronavam-se e a população, outrora mais de um milhão de habitantes, somava agora menos de 100 mil seres desafortunados, na maioria oriunda de outras regiões desoladas pela guerra.

Finalmente, Belisário e Narses, geniais comandantes do exército ­bizantino, cujo imperador Justiniano reinava na distante e despreocupada Constantinopla, exterminaram o povo dos ostrogodos.

Um capítulo trágico parecia concluído e o futuro despontava sereno no horizonte dos romanos sobreviventes.

A catástrofe

Mas o pior estava ainda por acontecer. O sonho da restauração de um passado grandioso evaporou-se no incêndio de uma nova convulsão social.

Como uma avalanche incontenível, em 568, desembocaram no norte da Itália 100 mil guerreiros seguidos por mais de 500 mil anciãos, mulheres e crianças: os lombardos. Esse povo bárbaro, de religião ariana, logo revelou ser um dos mais cruéis e sanguinários invasores que até então haviam penetrado na Europa ocidental. “À sua chegada, a Itália conservava ainda a forma romana nas suas cidades. Mas quando passavam os lombardos com os seus exércitos, desapareciam até os últimos vestígios da organização romana do município”.1 Testemunhas desses acontecimentos narram que “as igrejas eram saqueadas, os sacerdotes assassinados, as cidades destruídas e mortos os seus habitantes”.2 Seu método de conquista consistia na violência e no terror, e para firmarem-se de modo definitivo naquelas terras, eliminavam metodicamente as elites latinas e o resto de aristocracia ainda subsistentes.

Todo o norte da Itália foi conquistado e para Roma acorriam os sobreviventes, fugindo dos ­horrores que acompanhavam a ocupação lombarda.

A luz da esperança

Outono de 589. Chuvas torrenciais abateram-se sobre a Itália. Os campos ficaram alagados, perderam-se as colheitas e quase todos os rios transbordaram, destruindo pontes e inundando muitas vilas e cidades.

Em Roma, o manso Tibre tornou-se uma torrente impetuosa. Saindo de seu leito e atingindo um nível ­jamais visto, as águas devastaram a cidade e submergiram no lodo seus bairros menos elevados. O inverno e o novo ano chegaram, e a ­chuva não cessava de cair. A catástrofe atingiu então proporções apocalípticas: à destruição e à fome acrescentou-se uma epidemia de peste bubônica que se alastrou rapidamente, dizimando a população. Roma agonizava, e muitos se perguntavam se não haveria chegado já o fim do mundo. No auge do ­drama, atingido pela peste em seu palácio de Latrão, faleceu o ­Papa Pelágio II.

Sentindo-se desamparados no meio da borrasca, os olhos de ­todos voltaram-se para a única Luz do mundo: às igrejas acorriam dia e noite os sobreviventes, implorando um raio da luz divina para dissipar as angústias e incertezas que obscureciam o horizonte.

Com efeito, ensina-nos o Papa Bento XVI: “A vida é como uma viagem no mar da História, com freqüência enevoado e tempestuoso, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota […]. Certamente, Jesus Cristo é a luz por ­antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da História. Mas para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz, recebida da luz dEle”. 3

Assim, os romanos do final do século VI perceberam, admirados, que a luz divina já brilhava para eles num límpido espelho. Então o clero, o senado e todo o povo aclamaram a uma só voz: “Gregório Papa!”

Era Gregório a “luz da esperança”4 que refulgia naquele ocaso de uma civilização.

Primeiros anos

Vox populi, vox Dei. Gregório foi, sem dúvida, o varão providencial ­escolhido por Deus para governar a Igreja naqueles tempos difíceis e decisivos.

Viera à luz no ano de 540, numa nobre e antiga família romana, profundamente católica e com longa história de fidelidade à Cátedra de São Pedro.

Eram seus pais o senador Gordiano, que no fim da vida entraria no estado eclesiástico, e Sílvia, dama conhecida por sua piedade e generosidade, que terminaria seus dias retirada do mundo e consagrada ao Senhor. Ambos, e duas tias de Gregório, Tarsila e Emiliana, são venerados como santos.

A mansão familiar erguia-se num dos lados do monte Célio, lugar privilegiado no centro da Roma antiga. Do alto de suas janelas, que dominavam a Via Triumphalis, podia Gregório avistar à direita o majestoso Arco de Constantino, que se erguia diante do Anfiteatro Flávio (o Coliseu) e, à esquerda, o já muito deteriorado Circo Máximo. À frente, do outro lado da avenida, elevava-se, abandonada, a imensa ­mole do conjunto dos palácios do Palatino, semi-destruídos pelos tremores de terra, os incêndios e os saqueios dos bárbaros. A visão desse triste e monumental cenário não pôde ter deixado de despertar na alma romana de Gregório a esperança de uma futura restauração da grandeza perdida.

Entretanto, ao longo de sua infância e juventude, assistiu a acontecimentos que marcariam profundamente sua vida em sentido contrário.

Presenciou, certamente, na noite de 17 de dezembro de 546, a terrível entrada dos ostrogodos em Roma, seguida da deportação de seus habitantes durante 40 dias, período em que a cidade deserta ficou à mercê dos invasores. E quiçá contemplou, desolado, as muralhas da urbe arrasadas por ordem de Totila, o rei dos bárbaros.

Nesse contraste entre a piedade do ambiente doméstico, solidamente arraigado nas tradições romanas, e a instabilidade de um mundo novo que surgia na violência, transcorreram os primeiros anos da existência de Gregório.

Longa preparação

Após o aniquilamento dos ostrogodos pelo exército do imperador Justiniano, durante vários anos reinou na Itália uma relativa paz que permitiu a Gregório, seguindo a tradição familiar, cursar a carreira jurídica.

Sua aguda inteligência e incomum capacidade organizativa destacaram-no rapidamente nos meios cultos da época, e sua reputação aumentava com o passar dos anos. Entretanto, como dois robustos galhos de uma mesma árvore, cresciam no seu espírito o desejo de empreender grandes obras para ordenar aquela civilização cambaleante e o anelo de abandonar o mundo para consagrar-se unicamente à contemplação das realidades sobrenaturais.

Quando contava pouco mais de 30 anos, foi nomeado prefeito de ­Roma, um dos mais altos cargos do governo da cidade. Desempenhou essa função com superior habilidade, enfrentando dificuldades de toda ordem, criadas pelo drama da invasão dos lombardos. Contudo, em meio das mais absorventes ocupações, ressoava sempre na sua alma o chamado a uma vida contemplativa: “Por longo tempo diferi a graça da conversão, ou seja, da profissão religiosa, e, ainda após ter sentido a inspiração de um desejo celeste, eu acreditava ser melhor conservar o hábito secular. Neste período manifestava-se em mim no amor à eternidade, aquilo que eu devia procurar, mas as ocupações assumidas acorrentavam-me”5  — confessava ele, anos depois, numa carta dirigida a São Leandro de Sevilha.

Em 575, concluiu-se o tempo prescrito e Gregório, aliviado, deixou o mais prestigioso cargo da cidade. Três anos transcorridos procurando solucionar casos e situações irremediáveis, convenceram-no da inutilidade de qualquer esforço humano para salvar aquela civilização: sim, a grandeza temporal da urbe dos césares havia naufragado. Esperar, só em Deus…

A graça operou então a definitiva conversão daquela alma feita para voar nos horizontes infinitos da Fé.

Gregório, monge

Junto com as esperanças terrenas, Gregório deixou para sempre a púrpura do patriciado e revestiu-se das insígnias de uma nobreza mais ­alta: o hábito monacal. Mas, ao invés de abandonar a conturbada Roma e partir para algum claustro distante, transformou o palácio senatorial do Monte Célio em mosteiro beneditino, sob a invocação de Santo André.

Entregando o governo da casa a um experimentado abade chamado Valêncio, começou como humilde ­súdito sua vida religiosa. Foram os anos mais felizes de sua existência.

Nesse período, pôde Gregório saciar os seus anelos de isolamento, e abundantes graças místicas de contemplação lhe foram concedidas. Com indizíveis saudades, escreveu décadas depois: “Quando vivia no mosteiro, podia ter, de modo quase contínuo, a mente fixa na oração”.6

A luz sobre o candeeiro

Entretanto, “não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para ser posta sobre o candeeiro” (Mt 5, 15). A Sabedoria divina ia lentamente preparando esse varão incomum, por vias não imaginadas por ele, para ser uma verdadeira luz do mundo a brilhar no firmamento da Igreja e da Civilização Cristã.

Após quatro anos de paz monacal foi, por ordem do Papa Bento I, ordenado diácono regional, ou seja, encarregado da administração de uma das regiões eclesiásticas que nessa época dividiam a cidade de Roma. E pouco depois o novo Papa, Pelágio II, que reconhecia em Gregório uma longa experiência em assuntos seculares e uma provada virtude, o enviou como apocrisiário (núncio) à capital do Império do Oriente, Constantinopla. “Como sucede às vezes a uma nave, atada ao cais de modo descuidado, ser arrastada pelas ondas para fora do porto quando sobrevém uma tormenta, assim encontrei-me subitamente no oceano dos assuntos do século” 7, escrevia ele, narrando sua nova situação.

Seis anos de intenso labor na ­corte imperial proporcionaram a Gregório um útil contato com a cultura e a grandeza bizantinas, mas também com a sinuosa e ambígua política de seus soberanos. As tendências heterodoxas de monofisismo e nestorianismo, que ainda crepitavam ali, foram combatidas com destemor pelo apocrisiário, o qual sabia aliar aos argumentos teológicos uma fina habilidade diplomática.

Sempre acompanhado por alguns monges de Santo André do Monte Célio, Gregório manteve no belo palácio à beira do Bósforo, onde residiam os apocrisiários do Papa, a vida sacral de um religioso, filho de São Bento. Apesar das múltiplas ocupações, todos ali rezavam, cantavam e estudavam as Escrituras, na inteira observância da disciplina monástica.

Por volta do ano 585, pôde Gregório retornar a Roma. Seu maior desejo era retirar-se definitivamente do mundo e enclausurar-se em seu amado mosteiro de Santo André. Porém, os deveres do apostolado e a voz da obediência o chamaram mais uma vez para outros caminhos.

Uma antiga tradição refere que certo dia, caminhando pelas ruas da cidade, ele deparou-se com um grupo de jovens escravos anglos, provindos da longínqua Britânia. Contristado, ao ver gente tão cheia de qualidades submersa nas trevas do paganismo, exclamou: “Não são anglos, mas anjos!” Providencial encontro que o moveria a fazer todo o possível para levar a luz do Evangelho a esse povo e, mais tarde, a promover a conversão de todos os novos e temidos habitantes de Europa: os bárbaros.

Pediu licença ao Papa para dirigir-se ao país dos anglos, com o ­objetivo de trazê-los ao seio da Igreja. Mas, atendendo às súplicas do povo romano, que não queria ver-se privado de um varão cuja santidade já era notória, Pelágio II o reteve na Cidade Eterna e, ademais, o chamou a si, para servir-se dele como experimentado conselheiro.

A mais alta das cruzes

Após o falecimento de Pelágio II, foi Gregório o escolhido, por unânime aclamação, para ocupar o trono de São Pedro. Considerando-se, porém, indigno, e espantado diante da incomensurável responsabilidade, fugiu de Roma e ocultou-se nas montanhas e florestas vizinhas. Lá foi achado pelo povo e, então, submeteu-se humildemente diante dos inequívocos sinais da vontade divina. A seu amigo João, Bispo de Ravena, que o censurou por não aceitar imediatamente a eleição, escreveria depois, assumindo a repreensão: “Com benigno e humilde afeto, desaprovas, irmão caríssimo, o fato de haver eu fugido, escondendo-me, do peso do governo pastoral!”.8

Foi solenemente sagrado na Basílica de São Pedro, no dia 3 de setembro de 590. Contudo, tendo sempre diante de si a própria insuficiência e indignidade, manifestava sinceramente sua consternação: “Sinto-me de tal modo esmagado pela dor, que apenas posso falar. Tudo o que contemplo causa-me tristeza, e aquilo que para os outros é motivo de consolação, a mim parece-me aflitivo”. 9

Mas se a humildade o fazia tremer, a Fé na invencibilidade da Cátedra de Pedro incutia-lhe uma sobrenatural fortaleza: “Estou disposto a morrer antes de ser causa de ruína para a Igreja de Pedro. Acostumei-me a sofrer com paciência, mas, uma vez decidido, lanço-me com ânimo resoluto em direção a todos os perigos”.10

O ponto de vista profético

Gregório I subia ao supremo pontificado, numa cidade ­desmantelada, símbolo de uma civilização em agonia, e numa Igreja convulsionada pelas invasões, por cismas e relaxamentos. Entretanto, a inspirada clarividência que o caracterizaria até o fim, manifestou-se desde o primeiro momento de seu governo. Diante de uma sociedade devastada por crises aparentemente insolúveis, ele apresentou o ideal da vida cristã em toda a sua radical integridade. O imenso vazio deixado pelo desaparecimento do ius civitatis romano só poderia ser preenchido pelo donum caritatis cristão.11 O objetivo principal do Papa-monge seria, pois, elevar continuamente os espíritos à consideração das realidades sobrenaturais, para então viver os acontecimentos temporais sob uma perspectiva eterna. ­Esse programa, ele o deixou bem delineado na sua primeira homilia ao povo romano, no segundo domingo do ­Advento de 590.12

Assim procedendo, São Gregório fechava para sempre a última porta que unia a Europa com o mundo antigo, nascido do paganismo, e plantava a semente de uma nova civilização que cresceria sob a luz do Evangelho, regada pelo preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pastor das almas

Durante os primeiros anos de seu pontificado, a península italiana atravessava uma das piores fases do conflito lombardo. Assim descreveu São Gregório aqueles dias calamitosos: “Por todos os lados vemos luto e escutamos gemidos. As vilas foram destruídas, os castelos demolidos, os campos tornaram-se desertos, a terra está desolada e já não há quem a cultive; poucos habitantes ainda ocupam as cidades. Estamos contemplando a que extremo foi reduzida Roma, a mesma que outrora parecia ser a senhora do mundo! Muitas vezes quebrantada por dores imensas, pela desolação de seus cidadãos, pelos ataques de seus inimigos e as ruínas freqüentes… Nela desapareceu todo o esplendor das glórias terrenas. Desprezemos com toda a ­alma este mundo quase extinto, e imitemos a conduta dos santos”.13

Abandonada quase totalmente pelos bizantinos, a antiga urbe foi ­duas vezes sitiada pelos ferozes lombardos. Mas em ambas, graças à fortaleza e habilidade do novo Papa, o cerco foi levantado e eles se retiraram.

Empenhado não na destruição, mas na conversão dos invasores, São Gregório assinou uma trégua com eles e procurou por todos os meios atraí-los à verdadeira Fé. Depois de não poucas tentativas, foi possível — graças ao fervor e à influência da princesa Teodolinda, filha do rei católico da Baviera e esposa do caudilho dos lombardos — batizar o filho do casal e preparar assim a futura conversão de todo o povo.

A sede de almas do Sumo Pontífice fez reflorescer para a Igreja todo o ocidente da Europa.

Na Espanha, apoiou eficazmente São Leandro na difícil evangelização dos visigodos arianos. Quando, por fim, o monarca dessa nação abraçou a religião verdadeira, escreveu São Gregório, cheio de júbilo: “Não posso exprimir com palavras a alegria que sinto porque o glorioso rei Recaredo, nosso filho, aderiu à Fé católica com sincera devoção”.14

A Gália mereceu especial atenção do santo Papa. Travou ele boas relações com os soberanos francos, renovou o clero decadente e simoníaco, ordenou a convocação de sínodos e procurou com energia pôr fim às cruéis práticas pagãs que ainda perduravam.

Onde pôde São Gregório manifestar todo seu ardor missionário, foi na conversão da Grã Bretanha. Outrora província do Império, esta ilha tinha sido evangelizada já nos primórdios do Cristianismo. Porém, invadida e dominada pelas tribos dos bárbaros anglos e saxões, a luz da Fé quase se havia apagado. O Pontífice não poupou esforços na conversão desse povo: estabeleceu uma casa de formação em Roma para os jovens anglo-saxões, conseguiu que um dos seus reis ­contraísse núpcias com uma princesa católica da França e, sobretudo, para lá enviou um grande número de missionários. Destacou-se entre eles Agostinho, que mais tarde seria Arcebispo de Cantuária e que, segundo narram as crônicas, batizou mais de 10 mil neófitos no dia de Pentecostes de 597. Sem dúvida, a conversão deste povo constitui o episódio culminante da obra evangelizadora de São Gregório.

Uma luz inextinguível

No ano de 604, Gregório, na paz dos justos, entregava a alma ao Pastor dos pastores.

Apesar de várias moléstias que lhe causavam sofrimentos terríveis, permaneceu firme e vigilante até o fim. A sentinela de Israel partia, mas a luz por ele acendida, “brilhará diante dos homens” (Mt 5, 16) até a consumação dos séculos.

Tudo nesse varão providencial fora grande, graças à sua humilde docilidade diante dos desígnios do Espírito Divino que governa a Esposa de Cristo. Quando todo um mundo parecia desabar no caos, soube São Gregório confiar cegamente no triunfo da Santa Igreja e, pelo dom de sabedoria que o Espírito Santo lhe concedera, discernir novos rumos e metas para o povo de Deus. Pode-se afirmar, sem a menor dúvida, que pelo vastíssimo horizonte descortinado por seu olhar contemplativo passaram todos os problemas do tempo, e não houve obra que ele deixasse de empreender para alargar o Reino de Cristo.

A vida desse Papa admirável constitui um marco fundamental na História da Igreja. Publicou a “Regra Pastoral”, um verdadeiro manual de santidade para os pastores do rebanho do Senhor; reformou a Liturgia, criando o estilo de canto que hoje leva seu nome; e fez do conjunto do seu Pontificado o ponto de partida de uma nova civilização, inteiramente cristã.

No entanto, seu único e ardente desejo era servir incondicionalmente, como simples escravo, a Jesus Cristo, o Rei Eterno. Por isso, enquanto do alto da Cátedra de Pedro regia os destinos do mundo, não quis receber outro título senão o de servus servorum Dei — servo dos servos de Deus. E a Santa Igreja, com maternal gratidão, uniu a grandeza ao nome do escravo: para todo sempre será ele chamado São Gregório, o Magno.

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1 Obras de San Gregorio Magno, BAC: Madrid, 1958.  p. 6.

2 J. B. Weiss, Historia Universal, v. IV. Barcelona, 1928.  p. 478.

3 Spes salvi, 49.

4 Idem, ibidem.

5 Obras de San Gregorio Magno, BAC: Madrid, 1958. p. 7.

6 Idem. p. 365.

7 Idem. p. 11.

8 Idem. p 107.

9 J. Chantrel, Histoire des Papes. v. V.  Dillet libraire: Paris, 1863.  p. 127.

10 Historia de la Iglesia. v. I. BAC: Madrid, 2001. p. 635.

11 Obras de San Gregorio Magno. BAC: Madrid, 1958. p. 16.

12Cf. Op. Cit. pp. 537-541.

13 Op. Cit. pp. 468-470.

14 Op. Cit. p. 24.