Como sabemos toda a Obra da Criação espelha ao seu Criador: Deus. Assim, temos, por exemplo, o homem: criado à imagem e semelhança Dele (Gn. 26-27). Ora dentro do gênero humano, sabemos que a criatura mais perfeita é Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é a plenitude da Revelação, cuja uma das fontes são as Sagradas Escrituras: a Santa Bíblia. Logo também é Ele o centro da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento.

             O Antigo Testamento contempla a figura do Messias como sendo “O esperado das Nações”, e o Novo como sendo o Modelo a ser seguido, mas os dois têm-No como seu centro. Entretanto, se nos Evangelhos é a própria vida e doutrina do Messias que nos é narrada, nos livros do Antigo Testamento há vários indícios sobre o Messias. Há não só o anuncio dos Profetas: as profecias, mas há também, e de modo superabundante, as prefiguras: analogias do Esperado das Nações, do Salvador; e é justamente sobre este último ponto que trataremos: as prefiguras.

             Inúmeras são elas nos livros do Antigo Testamento, para escolher apenas uma dentre tantas teríamos um verdadeiro embarras des choix, embaraço da escolha. Optamos por uma bastante eloquente: “a Serpente de Bronze do cajado de Moisés” (Num. 21, 4-9).

            Um dos aspectos que mais nos chocam lendo sobre o êxodo do Povo Hebreu é a dureza de coração destes aos quais Deus havia escolhido, entre outros, como a Nação Santa para que Ele se revelasse. Constante eram as revoltas do povo, e com o intuito de fazê-los voltar à razão Deus lhes enviava provas, nas quais Ele lhes mostrava divinamente a sua onipotência.

            Assim nos deparamos com o povo que tendo partido do monte Hor, ia em direção ao Mar Vermelho, rodeando a terra de Edom. Nesta etapa Israel indócil murmurou contra o Senhor Deus e contra Moisés: “Por que, diziam eles, nos tirastes do Egito, para morrermos no deserto onde não há pão nem água? Estamos enfastiados deste miserável alimento” (Num. 21, 5). Então: “o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que morderam e mataram muitos. O povo veio a Moisés e disse-lhe: ‘pecamos, murmurando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor que afaste de nós estas serpentes.’ Moisés intercedeu pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: ‘Faze para ti uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for mordido, olhando para ela, será salvo.’ Moisés fez, pois, uma serpente de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era mordido por uma serpente olhava para a serpente de bronze, conservava a vida” (Num. 21, 6-9).

            Um primeiro ponto digno de nota é o percurso seguido pelo povo. De fato, se voltarmos um pouco atrás na história constataremos que os israelitas acabavam de explorar a Terra Prometida. Vimos que ao cabo da exploração, devido ao pérfido relato dos exploradores eles se revoltaram contra Deus e Moisés. Como castigo Deus diz que esta geração não entraria na Terra Prometida, mas sim seus filhos, e que cada dia de exploração, 40, corresponderia a um ano de marcha no deserto (Num. 14, 26-35). Assim, o povo desce novamente em direção ao deserto, pedindo passagem ao rei de Edom, que lhes recusa, obrigando-os a fazer um desvio: “rodeando a terra de Edom”. É por causa deste desvio que Israel entra por este caminho onde a paisagem é especialmente agressiva aos viajantes, e onde eles são atacados pelas serpentes, por causa da revolta, como nos mostra FILLION:

“Eles tiveram de descer algumas léguas até o norte de “Edongazer”, no lugar onde o “ouadi El-Ithm” abre uma passagem pelas montanhas; eles subiram em seguida em direção ao norte beirando a Arábia deserta. A sede, o cansaço da marcha sobre a areia movediça e cascalho do deserto da Arábia, o calor estorricante que se sente nesta garganta terrível, fechada de um lado pelos rochedos de calcário de “Et-Tih”, de outro pelo maciço granítico dos montes idumeus, excitaram logo o descontentamento do povo […]. Eles ousam falar nestes termos desdenhosos (cibo levíssimo; hebreu: q‘lôqel, comum vil) do maná celeste. (tradução minha).”[1]

             Já nesta situação constatamos a semelhança com a cruz de Nosso Senhor. Pois de fato os judeus, por causa da revolta, não entraram na terra prometida, e ainda tiveram de fazer um grande desvio que os levou a esta paragem agreste. Aí eles se revoltaram novamente e Deus lhes enviou as serpentes. Tendo o povo se arrependido Deus ordena a Moisés que coloque uma Serpente de bronze sobre seu bastão. Vemos aí uma semelhança com a humanidade que pecando, na pessoa de Adão, com o pecado original = revolta pelos relatos dos exploradores; foi expulsa do Paraíso = Terra Prometida, indo parar neste vale de lágrimas; nesta terra de exílio = deserto, paragem árida e agressiva. Mesmo assim o homem se revolta novamente com os pecados atuais = a segunda revolta no deserto da Arábia. E Deus o livra da escravidão ao pecado, que é de si um tormento para o homem = picadas das serpentes. Mas Deus cumpre sua promessa e nos envia um Salvador que culmina sua Obra Redentora no alto da Cruz, salvando do pecado os que O aceitam e olham para Ele pendente na Cruz = Deus que manda Moisés colocar uma serpente de bronze no seu cajado, curando todos quanto para ela olhem.

             O fato de que a Serpente de Bronze do cajado de Moisés é uma prefigura de Cristo na Cruz é indiscutível, uma vez que ele nos é atestado pelo próprio Messias em sua conversa noturna com Nicodemos: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna” (Jo. 3, 14-15).

            Sobre esta prefigura nos explica MAISTRE:

“Jesus Cristo mesmo nos explicou esta figura. Ele nos ensinou que ela significava sua futura elevação na cruz: Todos aqueles que estão feridos de morte pelo pecado que entrou no mundo como uma serpente, seja pelo pecado original, seja pelo pecado atual, serão curados e regenerados para a vida pela fé no Filho de Deus elevado na Cruz (tradução minha).”[2]

             Como dissemos no início, o Antigo Testamento nos traduz a espera do Messias pelos Hebreus, e dele tiramos várias fontes que se referem a Nosso Senhor, o Ungido, o Esperado. Por isso podemos ver no livro da Sabedoria uma referência de Jesus, uma correlação com a prefigura em questão: o salvador de todos, que do alto da Cruz operou a cura de nossos pecados: “Efetivamente quando o cruel furor dos animais os atingiu também, e quando pereceram com a mordedura de sinuosas serpentes, vossa cólera não durou até o fim. Foram por pouco tempo atormentados, para sua correção: eles possuíram um sinal de salvação que lhes lembrava o preceito de vossa lei. E quem se voltava para ele era salvo, não em vista do objeto que olhava, mas por vós, Senhor, que sois o Salvador de todos” (16, 5-7).

            Explica-nos MAISTRE os vários detalhes, paralelos, entre Nosso Senhor na Cruz e a Serpente elevada no cajado de Moisés:

“As picadas feitas pelas serpentes ardentes eram os castigos que Deus havia enviado contra os Hebreus em punição de seus crimes. Uma morte cruel era o castigo do pecado.

A sujeição aos demônios que são as verdadeiras serpentes ardentes, a pena do fogo eterno e da morte eterna, deveria ser a recompensa do pecado dos homens. Os pecados são também, eles mesmos, as serpentes que envenenam os homens e os fazem morrer pelas feridas ardentes.

A Serpente de bronze se parecia com as serpentes más, com exceção do veneno que ela não tinha.

Jesus Cristo tomou o exterior de uma carne semelhante àquela que é criminosa, mas sem tomar o veneno. Ele tinha uma carne semelhante à carne do pecado, mas ele era sem pecado. (Heb. 4, 14) e Ele era Vítima pelo pecado.

A serpente, erigida por Moisés, como um sinal, é elevada ao ar à vista de todo o povo, a fim de que os Hebreus a vejam, se lembrem de seus pecados e das feridas causadas pelos seus pecados, que eles recorram desde logo à misericórdia de Deus e que eles sejam assim curados.

Jesus Cristo, que, também Ele, era um sinal (Luc. 2, 14), um estandarte para os povos (Is. 11, 10), foi também elevado ao ar e suspenso sobre o madeiro; de todas as partes podemos vê-lo sobre este madeiro elevado, que Ele escolheu para se mostrar à toda a terra. Os olhos dos fiéis, feridos pelo pecado, se voltam para Ele como para o autor e consumador de sua fé; vendo que estão curados. Crendo nele eles são salvos. Confiando-se no mérito de sua morte, eles são libertos da morte eterna (tradução minha).” [3]

            Deste modo vemos como a serpente ardente é prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas é de se notar que não é uma simples serpente que é a prefigura do Messias, pois a serpente de si é figura do pecado, do mal. Ele quis que uma serpente posta no cimo de um cajado fosse sua prefigura; nisto vemos uma alusão claríssima de Cristo crucificado, que do alto de sua Cruz operou a salvação do mundo, resgatando do estado de maldição a todos aqueles que, feridos pelo pecado, olhassem para ele, com confiança, tendo a certeza de sua remissão.

             A título de curiosidade histórica não resistimos em colocar no fim deste trabalho o fim que teve a Serpente de Moisés. De fato, contam-nos COLUNGA e CORDERO:

“Os israelitas, no tempo de Ezequias, prestavam culto a uma serpente de bronze chamada Nehustã (de nehóset, bronze), e a consideravam como sendo a utilizada por Moisés para curar os israelitas. O piedoso rei fê-la despedaçar para evitar os abusos idolátricos (tradução minha).”[4]

             Este fato da destruição da serpente de Moisés nos é também relatado no segundo livro dos Reis (2 Reis 18, 1, 3-4):

No terceiro ano do reinado de Oséias, filho de Ela, rei de Israel, Ezequias, filho de Acaz, rei de Judá, começou a reinar. Fez o que é bom aos olhos do Senhor, como Davi, seu pai. Destruiu os lugares altos, quebrou as estelas e cortou os ídolos de pau, Asserás. Despedaçou a serpente de bronze que Moisés tinha feito, porque os israelitas tinham até então queimado incenso diante dela. (Chamavam-na Nehustã).”

Por Diác. Michel Six

Bibliografia

Bíblia Sagrada. 142ª ed. São Paulo: Ave Maria, 2001.

-COLUNGA, Albreto, O.P.; CORDERO, Maximiliano Gracia, O.P. Biblia Comentada. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.

-FILLION, L.-Cl. Sainte Bible commenté d’après la Vulgate et les textes originaux a l’usage des Séminaires et du Clergé. Vol. I. 9ª ed. Paris: Librairie Letouzey et Ané, 1928.

-MAISTRE, Abbé. Grande Christologie, Le Livre des Figures Prophétiques. Paris: F. Wattelier et Cie, Libraires, 1873.


[1] Ils durent descendre jusqu’à quelques lieues au nord d’Eziongaber, à l’endroit où l’ouadi El-Ithm ouvre un passage à travers les montagnes ; ils remontèrent ensuite vers le nord en longeant l’Arabie déserte. La soif, la fatigue de la marche sur le sable mouvant et sur le gravier de l’Arabah, la chaleur brûlante qu’on ressent dans cette gorge affreuse, fermée d’un côté par les rochers calcaires d’Et-Tih, de l’autre par le massif granitique des monts iduméens, excitèrent bientôt le mécontentement du peuple […]. Ils osent parler en ces termes dédaigneux (cibo levissimo ; hébr. : q‘lôqel, comum, vil) de la manne céleste.

6-7ª. Punition et repentir. La presqu’île sinaïtique, et tout partuculièrement dans l’Arabah abonde en reptiles très venimeux, d’espèces multiples. (1928, p. 500-501).

[2]  Jésus-Christ lui-même nous a expliqué cette figure. Il nous a enseigné qu’elle marquait sa future élévation en croix : Tous ceux qui sont blessés à mort par le péché qui est entré dans le monde comme un serpent, soit par le péché originel, soit par le péché actuel, seront guéris et régénérés à la vie par la foi au fils de Dieu élevé sur la croix (1873, p. 199).

[3] Les morsures faites par les serpents brûlants étaient le fléau que Dieu avait envoyé contre les Hébreux en punition de leurs crimes. Une mort cruelle était le châtiment du péché.

L’assujetissement aux démons qui sont de vrais serpents enflammés, la peine du feu éternel et de la mort éternelle, devaient être la réconpense du péché des hommes. Les péchés sont aussi eux-mêmes des serpents qui empoisonnent les hommes et les font mourrir par des blessures brûlantes.

Le Serpent d’airain ressemblait aux serpents malfaisants, à l’exception de leur venin qu’il n’avait pas.

Jésus-Christ a pris l’extérieur d’une chair semblable à celle qui est criminelle, mais sans en prendre le venin. Il avait une chair semblable à la chair du péché, mais il était sans péché, (Hebr. IV, 15) et il était victime pour le péché.

Le Serpent, érigé par Moïse, comme un signe, est élevé en l’air à la vue de tout le peuple, afin que les Hébreux le voient, se souviennent de leurs péchés et des plaies causées par leurs péchés, qu’ils recourent dès-lors à la miséricorde de Dieu et qu’ils soient ainsi guéris.

Jésus-Christ, qui, lui aussi, était un signe (S. Luc, II, 14), un étendard pour les peuples (Is. XI, 10), a été de même élevé en l’air et suspendu sur le bois ; de toutes parts on peut le voit sur ce bois élevé, qu’il a choisi pour se montrer à toute la terre. Les yeux des fidèles, blessés par le péché, se tournent vers lui comme vers l’auteur et le consommateur de loi foi ; en le voyant ils sont guéris. En croyant en lui ils sont sauvés. En se confiant dans le mérite de sa mort, ils sont délivrés de la mort éternelle (1873, p. 200-201).

[4] Los israelitas, en tiempo de Ezequías, daban culto a uma serpiente de bronce llamada Nejustan (de nejóset, bronce), y la consideraban como la utilizada por Moisés para curar los israelitas. El piadoso Rey la hizo despedazar para evitar los abusos idolátricos (1960, p. 848).