Michel Six (3º ano Teologia)
São João foi, segundo consta na Tradição, o último a escrever seu Evangelho. De fato, fora somente pelo ano 90 que ele relatou os feitos da vida do Senhor. Dentre os diversos motivos que o levaram a escrevê-los foi que, já naquela época, começaram ímpias fomentações. Deste modo, em seu sexto capítulo, trata ele especificamente sobre a Santíssima Eucaristia, precavendo contra os futuros desvios por parte de hereges. É de se notar que São João é o único dos Evangelistas a não relatar a instituição da Santíssima Eucaristia, vemos, entretanto, em sua narração um profundo zelo em explicar a doutrina acerca transubstanciação. Com efeito, nos explica GRAIL e ROGUET: “É um fato: João não narrou a instituição da eucaristia […]. Mais afastado das necessidades da catequese, o IVº evangelho está mais preocupado com síntese doutrinal.[1]”
É de fé que Eucaristia foi verdadeiramente instituída por Nosso Senhor. No capítulo VI de São João vemos o Salvador nos prometendo seu próprio Corpo e Sangue, como alimento e bebida espiritual. No Sacramento da Eucaristia há um autêntico sacrifício, que anuncia a morte de Cristo e renova, incruentamente, a imolação do Calvário, cujo valor expiatório apaga os crimes dos homens; trata-se de um Sacramento que contém realmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo.
É curioso o fato de que muitos que tomam tantas passagens das Escrituras no sentido literal, ao “pé da letra”, não vêem nas próprias palavras de Nosso Senhor, neste capítulo, o sentido literal e óbvio, por Ele proferido. Ao contrário, relégam-nas a um estilo figurativo, simbólico ou até alegórico.
Contudo basta analisar um pouco mais a fundo este capítulo que percebemos claramente as intenções do Mestre, sua referência clara e direta a seu próprio Corpo e Sangue. Vejamos, no próprio texto, o sentido evidente das palavras:
“Eu sou o pão da vida. Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que desceu do céu, para que aquele que dele comer não morra Eu sou o pão vivo, que desceu do céu. Quem comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que eu darei é a minha carne para a salvação do mundo. Disputavam, pois, entre si os judeus, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua carne? Jesus disse-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. O que come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida. O que come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele. Assim como me enviou o Pai que vive, assim e eu vivo pelo Pai, assim o que me comer a mim, esse mesmo também viverá por mim.” (Jo 6, 48-58).
É impressionante verificar como, por assim dizer, Ele reitera várias vezes a afirmação de que é realmente a carne e o sangue Dele. Não é possível discernir mera metáfora nestas asseverações.
Metáfora, de fato, não pode ser, pois Nosso Senhor não procura atenuar suas declarações, mesmo sabendo que está “escandalizando” os outros. No versículo 52 os judeus confirmam que entenderam literalmente os sentidos das palavras: “Disputavam, pois, entre si os judeus, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua carne?” Contudo, o divino Mestre não os corrige pelo que entenderam, mas ainda afirma algo mais ousado: “Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (53). E ainda, as outras metáforas que encontramos nas Escrituras sobre carne e sangue não se prestam a comprar com esta passagem, não há outra interpretação a ser dada, senão a que ensinou Jesus Cristo.
Outro ponto a se considerar é o “escândalo” causado nos circunstantes. Mesmo diante da apostasia destes, Nosso Senhor não se retrai, é mais ousado, e ainda prova a fé dos que permanecem, mostrando que este é realmente um ponto crucial, quando se trata sobre a Eucaristia: “Desde então muitos dos seus discípulos tornaram atrás, e já não andavam com ele. Por isso Jesus disse aos doze: Quereis vós também retirar-vos?” (6, 67-68). Ele não procura se desculpar nem atenua suas afirmações. É patente que se não fossem afirmações literais Ele teria persuadido os discípulos a ficarem, entretanto isto não se deu, o Divino Mestre vira muitos dos que o seguiam nesta ocasião apostatarem e nem assim Ele se retratou. Aos que permanecem é exigido uma fé profunda, como nos explica HUGON:
“A última parte do capítulo acaba por confirmar a interpretação literal. A multidão murmura, numerosos discípulos se retiram, pois eles acharam muito dura esta linguagem. O Mestre, cuja bondade, entretanto, é inesgotável, não tenta segurá-los, explicando-lhes que suas parábolas têm somente um sentido metafórico e não possuem nada que os possa espantar; ao contrário, ele insiste e conclui que a fé é necessária a qualquer um que queira compreendê-lo.”[2]
Desta maneira vimos, sucintamente, como realmente, em seu sexto capítulo, São João quis mostrar como a Eucaristia é realmente o Corpo e o Sangue do Divino Salvador, e que não é possível dar outra interpretação às palavras de Cristo. Isto é o mistério de nossa fé, por mais que não compreendamos, nas palavras do Divino Mestre, devemos depositar pela confiança e certeza.
Bibliografia
-Bíblia Sagrada. 43ª ed. São Paulo : Edições Paulinas, 1987.
-HUGON, Édouard. La Sainte Eucharistie. 4ªed. Paris : Pierre Téqui, 1922.
-VV. AA., Initiation Théologique. Vol. IV. Paris: Éditions du Cerf, 1956.
[1] Il est un fait : Jean n’a pas rapporté l’intitution de l’eucharistie […]. Plus éloigné des nécessités de la catéchèse, le Ivème évangile est plus préocupé de synthèse doctrinale. (Cf. GRAIL, A.; ROGUET; A.-M., O.P., In Initiation Théologique. Vol. IV. Paris : Éditions du Cerf, 1956. P. 506-507).
[2] La dernière partie du chapitre achève de confirmer l’interpretation littérale. La foule murmure, de nombreux disciples se retirent, parce qu’ils ont trouvé trop dur ce langage. La Maître, dont la bonté cependant est inépuisable, n’essaie pas de les retenir en leur expliquant que ses paroles n’ont qu’une portée métaphorique et n’offrent rien qui doive les étonner ; au contraire, il insiste et il conclut que la foi est nécessaire à quiconque veut le comprendre. (Cf. HUGON, 1922, p. 54-55).
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