Thiago de Oliveira Geraldo
Professor de Introdução à Sagrada Escritura (ITTA)
É uma bela manhã de primavera, o astro rei paulatinamente vai ostentando seu poder sobre a natureza. Basta que o fulgor de seus raios comecem a penetrar a vastidão dos campos, dos bosques e das montanhas, para afugentar as trevas. Próximo a um jardim bem irrigado encontra-se um frágil, mas lindo botão de rosa. O orvalho que se formou em seu cume durante a noite, parece agora sorrir com o descortinar dos primeiros albores do dia.
O nosso pequeno botão de rosa está apenas começando o seu transcurso, muito lhe falta para expandir toda sua beleza e seu perfume. Antigamente trombetas anunciavam a entrada de um rei ou ordenava a um exército que marchasse implacavelmente contra seu adversário; a “nossa pequena rosa” recebe como sinal de Deus a ordem de desabrochar, apenas haurindo o acalentado e luminoso raio de sol, que lhe indica ser o momento de iniciar sua “melodia” de movimentos, acompanhando a sinfonia da natureza que forma uma grande orquestra sob a regência do astro luminoso.
Lentamente suas pétalas expandem-se formando uma insigne coroa, digna de figurar em ornados jardins, em artísticos arranjos de flores ou até nas mãos da mais alta realeza.
Ao imaginar uma rosa, podemos pensar em várias cores, mas é a de cor vermelha que mais especialmente exprime o símbolo do amor. Um filho querendo presentear sua mãe, mas não possuindo senão uma linda rosa e que lha entregasse, certamente teria feito um ato de amor do qual sua extremosa mãe jamais se esqueceria. Pode-se conceber com que alegria a mãe arrumaria esta flor num pequeno vaso e de como a contemplaria ao longo dia. Esta atitude perduraria até o instante em que as pétalas da rosa “percebendo” que o curso de sua vida estava para terminar, dignamente iriam murchando em sinal de sua plenitude. Mesmo aí, nossa rosa não perderia seu valor, pois sendo o símbolo do amor de um filho, suas pétalas acabariam por permanecer entre as folhas de algum livro de orações, onde sempre que esta mãe fosse invocar o auxílio dos santos, ali encontraria algo do próprio filho.
Milhares são as variedades de rosas em suas mesclas híbridas. Mais ainda devem ser os símbolos criados com a poesia que salta de sua figura. A mesma flor cultivada na ilha de Samos, no Mediterrâneo, a mil anos antes da vinda do Salvador e oferecida em honra a deusa Afrodite1, significando um amor pouco espiritual, agora representa o símbolo do amor à virgindade e à perfeição por meio d’Aquela que é denominada como Rosa Mística, Nossa Senhora.
Muito mais belo que o desabrochar de uma rosa é o desenvolvimento de uma alma. O conjunto das almas ultrapassando o jardim das flores, em variedade e dignidade, torna-se aprazível de contemplação. No entanto, admirar o conjunto das almas envolve uma compreensão mais profunda da vida, pois nem tudo é sorriso, nem sempre o céu é anil, nem mesmo a vontade humana é sempre atendida em suas melhores aspirações. O desabrochar de uma alma tanto mais formoso é quanto mais for capaz de enfrentar e vencer os sofrimentos que se antepõem na vida.
Esplêndido exemplo de entrega a Deus e aceitação de todo e qualquer sacrifício, encontra-se na santa de Lisieux. Santa Teresinha por ocasião de sua entrada para o Carmelo (em 1888), compara-se a uma pequena flor: “Transplantada para a montanha do Carmelo, a florinha iria desabrochar à sombra da Cruz. As lágrimas, o Sangue de Jesus tornaram-se seu orvalho, e seu Sol era a sua adorável Face, velada de pranto…”2. Esta não era a prece de uma noviça sem instrução sobre as provações de adviriam no futuro, pois como ela mesma confessa: “Quanto a ilusões, o Bom Deus concedeu-me a graça de não ter NENHUMA, quando entrei para o Carmelo. Encontrei a Vida religiosa tal qual a imaginara. Nenhum sacrifício me espantou. No entanto vós o sabeis, meus primeiros passos toparam mais em espinhos do que em rosas!… Sim, o sofrimento estendeu-me os braços, e lancei-me neles com amor…”3.
Uma alma assim é mais aprazível de se admirar do que uma rosa. Este sofrimento aceito por Santa Teresinha, em última análise é sinal de amor. O verdadeiro amor é aquele capaz de dar a própria vida pelo Amado; não se refere aqui ao amor romântico que centra o interesse em si mesmo, mas a algo superior. Esta Santa entregou-se apaixonadamente a Deus e por isso, foi transplantada não só para a montanha do Carmelo, mas à glória dos altares.
E como fazer para vislumbrar, ou melhor, fazer parte deste jardim? Perguntemos à Santa Teresinha, pois admirando as flores da terra quando jovem, compreendeu o que significa o jardim celeste: “Fiquei entendendo que se todas as florzinhas quisessem ser rosas, perderia a natureza sua gala primaveril, já não ficariam os vergeis esmaltados de florinhas… Outro tanto acontece no mundo das almas, que é o jardim de Jesus. Quis Ele criar os grandes Santos que podem comparar-se aos lírios, e às rosas; mas criou-os também mais pequenos, e estes devem contentar-se em serem boninas ou violetas, cujo destino é deleitar os olhos do Bom Deus, quando as humilha debaixo de seus pés. Consiste a perfeição em fazer sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos…”4.
1 Cf. Arnaldo Poesia. A rosa, rainha das flores. Niterói, Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1991.
2 Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos autobiográficos; trad. das Religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. São Paulo: Paulus, 1986. p. 170.
3 Ibidem, p. 167.
4 Ibidem, pp. 26-27.
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