São hóstias de farinha crua e água, sem qualquer tipo de conservante. Entretanto, estão intactas e perfeitas há 275 anos!
Guillermo Asurmendi
Era 14 de agosto de 1730, véspera da festa da Assunção de Nossa Senhora, entre 17 e 18h. O ardente sol de verão abrasava ainda os campos recém-ceifados. Na cidade, as casas, ruas e igrejas estavam desertas, todos os fiéis se encontravam na Catedral, cantando louvores à Virgem, ao som do órgão.
Nem todos… Aproveitando as circunstâncias favoráveis, alguns ladrões assaltaram a Basílica de São Francisco, a igreja mais afastada do centro da cidade, arrombaram a porta do sacrário e levaram o cibório de prata cheio de Hóstias consagradas.
Chegando ao altar para celebrar Missa no dia seguinte, o sacerdote percebeu que o sacrário estava aberto e havia desaparecido o cibório com todas as Hóstias. Tratava-se de um roubo, sem dúvida alguma!
A notícia se espalhou como um rastilho de pólvora. O triste acontecimento parecia uma afronta à festa da Assunção e comprometia a corrida do Pálio, a realizar-se naquele dia.
Descobertas por um providencial acaso
Três dias depois, na Igreja de Santa Maria, da vizinha cidade de Provenzano, o clérigo Paulo Schiavi assistia à Santa Missa ajoelhado diante de um cofre de esmolas. Ao inclinar a cabeça na hora da Consagração, viu ou intuiu algo branco através da fenda por onde passam as moedas. Não teve dúvida em relacionar imediatamente o fato com o roubo das Hóstias em Siena.
Avisado da descoberta, o Pe. Girolano Bozzegoli cobriu o cofre com um tecido vermelho e acendeu duas velas, uma de cada lado. Em pouco tempo, a igreja ficou repleta de fiéis. Além do Arcebispo e outras autoridades, estavam presentes as pessoas que haviam confeccionado as hóstias e o sacristão da Basílica de São Francisco, onde tinha acontecido o sacrílego roubo.
Designou-se imediatamente uma comissão para abrir o cofre e fazer a verificação do seu conteúdo. Nele se encontraram as Hóstias roubadas “no meio de moedas, de pó e de muitíssimas teias de aranha”, conforme narra o cronista.
Durante duas horas as Hóstias foram cotejadas com outras, trazidas da Basílica de São Francisco, e se verificou não haver dúvida alguma de que todas tinham sido confeccionadas no mesmo molde.
Por último, elas foram contadas, e o número correspondia ao que havia declarado o sacristão da Basílica: 35l.
Ante esses dados, a Comissão concluiu que evidentemente aquelas eram as Hóstias roubadas em Siena.
Nunca antes se viu festa tão grande
Enquanto se preparava uma grande procissão triunfal para reconduzi-las à Basílica de São Francisco, foram elas colocadas no altar-mor da igreja de Provenzano, onde os fiéis se rivalizavam em atos de fervor e reparação.
Na manhã de 18 de agosto cantou-se solene Missa. Durante o Glória e na Elevação as tropas dispararam salvas de morteiro “com grande estrépito de trombetas e tambores”.
À tarde, na mesma hora em que se deu o roubo, entrou na igreja o Arcebispo, trajando os paramentos da festa de Corpus Christi, seguido do clero e de numerosos fiéis. O Prelado ajoelhou-se em frente ao altar-mor e rompeu em prantos diante das Hóstias encontradas.
Em seguida formou-se a procissão: os Franciscanos Menores Conventuais, os Capuchinhos, os Observantes, as demais congregações do clero regular, o clero secular, os sacerdotes da catedral, os párocos da cidade e no final o pálio. Os alabardeiros “não conseguiam conter o fervor dos fiéis”. A procissão desfilava entre uma floresta de estandartes e bandeiras.
Sob o pálio, o Arcebispo portava as sagradas Hóstias, seguido pelos mais destacados representantes do clero, cavaleiros, fidalgos, membros do Senado, artistas e artesãos. Os sinos repicaram em todas as igrejas; a cidade encheu-se de um som melodioso e festivo, ao qual se somaram disparos de morteiros, arcabuzes e mosquetes, além do clangor das trombetas.
Na Praça de São Francisco, a procissão dividiu-se em duas alas para deixar passar o pálio. Em seguida “toda a Basílica se encheu de velas acesas, de tal maneira que parecia estar em chamas, e a multidão era semelhante a uma sarça ardente”.
As Hóstias sagradas permaneceram expostas durante muitos dias. De todos os arredores acorriam os fiéis a adorá-las. Nunca antes se havia visto uma festa tão grande em Siena, a não ser quando regressou milagrosamente a cabeça de Santa Catarina, em 1384.
“Um fenômeno que contradiz as leis da conservação da matéria orgânica”
Nos primeiros meses não se falou, evidentemente, de milagre. Até então, o acontecimento se resumia no seguinte: um roubo havia causado grande consternação; após três dias, as Hóstias foram encontradas na igreja de uma cidade vizinha, como que por mero acaso; essa descoberta deu ocasião a grandes manifestações de amor à Sagrada Eucaristia. Isto nada tem de milagroso.
Mas, passaram-se os anos e as décadas, e aquelas Hóstias feitas de água e farinha não se desfaziam, nem mesmo davam o menor sinal de deterioração.
Milagre! — clamavam, exultantes, os homens de fé. Restava, porém, a dúvida dos céticos, à qual era preciso dar resposta irrefutável.
Assim, em abril de 1780, realizou-se o primeiro reconhecimento dos peritos. A este se sucederam outros onze, o último em junho de 1952. O mais importante deles foi o grande estudo físico-microscópico efetuado em junho de 1914.
A comissão estava presidida, do lado eclesiástico, pelo então Arcebispo de Siena, Dom Próspero Scaccia; e do lado científico pelo Dr. Siro Grimaldi, professor de Química Bromatológica na Universidade de Siena.
Essa investigação constatou que as Hóstias santas se encontravam em perfeito estado de consistência, com brilho, brancas, odorantes e intactas. Todos os membros da comissão manifestaram seu acordo com a declaração do Prof. Grimaldi segundo o qual “as sagradas Hóstias de Siena são um clássico exemplo da perfeita conservação de hóstias de pão ázimo, consagradas em Siena no ano 1730, e constituem um fenômeno singular, de patente atualidade, que contradiz as leis naturais da conservação da matéria orgânica. É um fato único, consagrado nos anais da Ciência”.
As sagradas Hóstias encontram-se até hoje na Basílica de São Francisco, em Siena, sob a guarda de Frei Paulo Primavera, a quem devemos todos os elementos para a história narrada nestas páginas. Atualmente são apenas 223; as outras foram subministradas em Comunhão, a pedido dos devotos, sendo que algumas se perderam por causa das fragmentações e provas levadas a cabo nos diversos reconhecimentos científicos.
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