Marcos Eduardo Melo dos Santos

Era uma vez, o vinho… Na escuridão empoeirada de uma adega, uma garrafa de bom vinho não proporciona ao homem somente sabor e alegria. Como afirmava Paul Claudel “Existe mais de mil anos de história em uma velha garrafa”[1].O lugar e a época na qual, pela primeira vez, se bebeu do precioso líquido ainda é uma incógnita para enólogos e historiadores. Os especialistas se contentam em afirmar  que é  “a mais antiga bebida conhecida, depois da água”.[2]

A adega de Tutankamon

Dados arqueológicos fazem crer que a origem da bebida produzida pela fermentação do sumo da uva se deu junto aos paradisíacos montes do Cáucaso nos atuais territórios da Geórgia ou Armênia, sete mil anos antes do nascimento de Cristo[3]. Também os chineses reivindicam o posto de primeiro povo vinicultor.

Todas as grandes civilizações antigas do mediterrâneo ou do Oriente próximo apresentam sinais de cultivo de vinhas. Conta Heródoto que todas as decisões importantes do Estado Persa eram tomadas por um conselho em duas sessões, uma com vinho e outra em jejum[4]. O autor não determina qual delas era a mais produtiva… Mas foram os egípcios que se tornaram célebres pela produção e consumo de vinhos no mundo antigo. Foram descobertas entre os tesouros reais da primeira dinastia (3.000 anos a. C.) jarras de vinho ainda lacradas.

Fascinante é a História da “Adega de Tutankamon” (Décima oitava dinastia) descoberta pelo arqueólogo inglês Howard Carter em 1922[5]. Entre os tesouros do túmulo do jovem faraó, foram encontradas 36 jarras herdadas de seu Pai Amenhotep III.Os rótulos dos vinhos mais preciosos do Egito apresentam tantas informações quanto as garrafas da atualidade. Vinte seis destes letreiros oferecem entre outras indicações a de “vinho doce” ou “vinho de boa qualidade”, cujo sabor, digno da corte dos faraós, não pode ser comprovado, pois os milênios o fizeram evaporar ou pessoas de bom gosto o terão  apreciado…

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Vinho e cultura clássica

A fama dos vinhos egípcios se difundiu por toda a região do Mediterrâneo, especialmente entre os gregos e os romanos.

A fabricação de vinho no Velho Continente parece ter-se dado primeiramente na península balcânica, mas foi durante o domínio do Império Romano que se obteve enorme progresso qualitativo e quantitativo. Vitoriosos herdeiros dos antigos povos do oriente próximo e apreciadores da arte da vinificação, os romanos obtiveram conhecimentos de outras variedades de uvas e técnicas de viticultura. Ainda hoje encontramos monumentais adegas imperiais nas mais longínquas partes da Europa.

Foi nesta época que uma maravilhosa invenção mudou os paradigmas da vinificação. Os gauleses criaram os barris para a armazenagem e transporte do vinho. A descoberta substituiu as ânforas romanas, nas quais o vinho não resistia por muito tempo sem estragar, e permitiu o envelhecimento do vinho apurando o seu sabor.

Vinho sempre foi sinônimo de cultura. A civilização greco-romana produziu uma verdadeira literatura sobre a bebida. Entre os autores gregos, Teofrasto, Homero, Esopo, Xenofonte, Aristófanes, e entre os latinos, Plínio, Galeno, Virgílio, Ausônio e Horácio descreveram com luxo de detalhes a prática da vinificação ou louvaram as qualidades da bebida. Platão por exemplo dizia que “o vinho é o mais belo presente que Deus deu ao homem”. Plinio, o Velho,  enunciou o famoso ditado “No vinho, a verdade”, e Cícero comparava a bebida com o caráter humano: “os vinhos são como os homens: com o tempo, os maus azedam e os bons apuram”. O espírito humano parecia querer explicitar toda a complexidade de matizes e reações que o fruto fermentado da videira pode produzir.

Vinho e religião

As opiniões religiosas sobre o vinho são extremas. Em algumas crenças é louvado e recomendado, noutras, terminantemente proibido.

Na mitologia antiga, o deus grego Dionísio (Baco para os romanos) teria criado o vinho, a bebida dos deuses. No entanto, o vinho nas civilizações pagãs esteve relacionado à bebedeira e às orgias nada edificantes…

Para os mulçumanos “cada bago do fruto da vinha contem um demônio”[6]. Com a expansão do islã deixou-se de produzir os célebres vinhos do Egito e do Oriente Médio. Mas devemos reconhecer que houve orientais que souberam apreciar o sabor e as qualidades do vinho como Avicena e Al-Biruni.

O vinho judaico

Os judeus apreciavam sobremaneira o fruto fermentado da videira. O vinho da Palestina era famoso na Antiguidade, mas o que alcançou maior celebridade foi o que os hebreus pensavam sobre o vinho. Somente as culturas judaica e cristã souberam dar à humanidade o equilibrado juízo sobre o vinho.

Na Bíblia, o primeiro homem a plantar uma vinha e tomar do seu fruto fermentado foi Noé (Gn 9,21), que, aliás,  não ficou livre dos efeitos do líquido precioso…

Os autores sagrados, sábios ou profetas, em diversas passagens criticaram os efeitos maléficos do abuso do álcool: “Arrogante é o vinho, tumultuosa a bebida; quem nelas se perde, não chegará a ser sábio” (Pv 20,1). O profeta Amós associou o vinho à indiferença para com os pecados (Am 6,6) e São Paulo o julgava como “causa de libertinagem” (Ef 5,18)”. Diante do vinho não há meio termo, ou se odeia, ou se ama. Mas não falta afeição dos autores sagrados ao fruto da vinha.

Os sábios de Israel o recomendavam “ao de alma amargurada” (Pv 31,6), pois “o vinho e a música alegram o coração” (Eclo 40,20). Os judeus associavam o fruto fermentado da videira à alegria de viver: “Como a vida é o vinho para o homem, se o bebes com medida. Que é a vida para quem lhe falta o vinho, que foi criado para alegria dos homens? Regozijo do coração e felicidade da alma é o vinho bebido a tempo e com medida” (Eclo 31,27-28).

No cântico dos cânticos foi comparado ao prazer conjugal e nos profetas à prosperidade terrena e à dileção do Senhor (Is 24,11; Am 9,13-14; Dn1,8; Is 55,1; Os 14,18). Comentando a Escritura, São Tomás de Aquino ressaltava que “saecularis sapientia frequenter in scriptura per aquam significatur, sapientia vero divina per vinum”.[7]

“Agradável e de um gosto delicioso” (2Mc 15,39) o vinho era para o hebreu o presente ideal. Jesé através de seu filho Davi presenteou vinhos ao Rei Saul (1 Sm 16, 19-20). Da mesma forma agiu Abigail com Davi (1 Sm 25,18), Judite com Holofernes (Jd 10,5), Neemias com Rei Artaxexes (Nm 2,1).

Não somente para os grandes da terra o vinho era a oferenda por excelência. Ana, mãe que havia sido estéril, ofereceu a Deus seu menino Samuel com um odre de vinho (1 Sm 1,13; 1Sm 10,13c) e Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, apresentou a Deus pão e… vinho (Gn 14,18).

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Jesus-Vinho

Coube ao Novo Testamento a “canonização” do vinho. Foi usado pelo Divino Mestre na parábola do Samaritano como remédio (Lc10,34) e como imagem da Lei de Cristo, “vinho novo” que só pode ser bem armazenado por “odres novos” (Mc 2,22). São Paulo por sua vez recomendou a seu discípulo São Timóteo a não beber somente água: “toma um pouco de vinho por causa de teu estômago e de tuas frequentes indisposições” (1 Tm 5,23).

Aos rogos da Santíssima Virgem durante as Bodas de Caná, a água foi transformada por Cristo no talvez mais saboroso vinho da História, elaborado milagrosamente pelo divino vinicultor (Jo 2). E para romper os paradigmas do milagre, o vinho foi transubstanciado em Corpo, Sangue, Alma e Divindade na última ceia e em todas as Missas até os últimos  dias. O fruto da vinha poderia ser destinado para algo mais sagrado?

A Tradição Cristã não podia senão tratar com carinho o fruto da videira. São Tomás de Aquino bem condensa a opinião dos Padres da Igreja ao discorrer sobre as excelências do vinho, a fim de demonstrá-lo como sendo matéria ideal para a Eucaristia. Após esclarecer que “beber vinho não é ilícito”[8], passa a afirmar que “o vinho é a primeira entre as bebidas”[9]. O próprio Senhor quis comparar-se com a videira: “eu sou a vide verdadeira’ (Jo 15,1-5), para demonstrar que o “vinho de vide é a própria matéria deste sacramento”, pois “vinho da vide é mais conveniente ao efeito deste sacramento, que é a alegria espiritual, porque está escrito que o vinho alegra o coração do homem”.[10]

O vinho da civilização cristã

A Igreja católica sempre promoveu o cultivo do vinho, o qual era necessário para a celebração da Santa Missa. Diante das invasões dos bárbaros, que destruíram o decadente Império Romano, “somente a Igreja pôde assegurar uma continuidade e a sobrevivência da viticultura”[11].

Durante a Idade Média, quase todas as igrejas e abadias na França e na Alemanha possuíam seu próprio vinhedo. Os bons frades “não se contentaram em fazer vinho, eles o melhoraram”[12], mas sempre reconheciam que Vinum bonum Dei donum, “o vinho bom é um presente de Deus”.

Durante a Alta Idade Média, o vinho do mosteiro cisterciense de Eberbach, na região do Rheingau, na Alemanha tornou-se célebre. Esse mosteiro, construído em 1136 por 12 monges discípulos de São Bernardo de Claraval, passou para a História como o maior estabelecimento vinícola do mundo e hoje abriga um excelente vinhedo estatal. Santa Hidelgarda de Bingen (†1179) conciliava sua intensa vida mística e religiosa com a vinicultura.

Foi nesta época que foi editado o primeiro livro sobre o vinho: Liber de Vinis. Escrito por Arnaldus de Villanova, médico e professor da Universidade de Montpellier. A obra contem uma visão médica do vinho. Recomenda aromatizá-lo com arlequim o qual teria “qualidades maravilhosas” tais como: “restabelecer o apetite e as energias, exaltar a alma, embelezar a face, promover o crescimento dos cabelos, limpar os dentes e manter a pessoa jovem”.[13]

Para todos os gostos

Classificar os diversos tipos de vinho seria uma tarefa árdua, quase impossível. Genericamente podem ser classificados como tintos, brancos, verdes, rosés, espumantes e fortificados. Todavia, cada um destes tipos de vinho é subdivido em espécies de cepas, em diversos estilos[14]. Cada vinha, cada safra, cada tonel têm sua história. Legenda ou realidade, a origem de cada garrafa é cativante e sempre reflete algo das tradições da sociedade que a criou.

Em Portugal, por exemplo, há um tipo de vinho específico, o vinho verde, que pode ser tinto ou branco, mas é considerado como uma categoria à parte. O talvez mais português dos vinhos é produzido na região norte do país, o berço cultural da nação lusa. O solo pobre da região não é capaz de produzir vinhos tintos com a mesma qualidade das demais regiões da península ibérica, por isso as uvas são colhidas antes da maturação da fruta. Daí vem sua coloração esverdeada e sua característica e apreciável acidez.

Os tintos são os vinhos mais tradicionais e mais produzidos em todo o mundo. São obtidos através das uvas tintas ou das tintureiras (aquelas em que a polpa possui pigmentos). Já os vinhos brancos podem ser obtidos através de uvas brancas ou das tintas desde que as cascas destas não entrem em contato com o mosto. Os rosés (rosados) podem ser feitos de duas maneiras: misturando-se o vinho tinto com o branco ou diminuindo o tempo de maceração (contato do mosto com as cascas). O tempo de envelhecimento também altera a coloração dos vinhos[15].

Os vinhos podem ainda ser classificados segundo o teor de açúcar. Em geral, pode-se dizer que quando possuem o grau mínimo de açúcar  são denominados como brut. Quanto mais açúcar apresentarem, passam a ser chamados de seco, meio doce, suave ou doce.

No porão dos navios

Quem hoje vê, na prateleira de nossos supermercados, vinhos importados das regiões mais longínquas do mundo, não pode imaginar com que sacrifícios o vinho era transportado durante os séculos anteriores à invenção do navio a vapor ou dos aviões.

Os vinhos eram conduzidos muitas vezes no lombo dos animais em tonéis. Com a movimentação e a mudança de temperatura estragavam. O meio mais seguro era transportá-lo nos precários porões dos navios. No entanto, ainda sim perdiam seu sabor original.

Passou-se então a interromper a fermentação do mosto através da adição de aguardente. De acordo com o momento em que isto é feito, a uva torna-se mais ou menos doce. Foi assim que nasceram os mais famosos vinhos fortificados como o Xerez (Espanha), o Marsala da Sicília (Itália) e o Vinho do Porto e da Madeira (Portugal).

Este último, devido às correntes marítimas que determinavam a rota das naus lusas, só adquiria seu sabor ao passar pelos calores tropicais, pois não era possível vir da ilha localizada no Atlântico a Portugal sem passar pelo Caribe. Ainda hoje os produtores do Madeira o submetem a elevadas temperaturas a fim de obter seu sabor peculiar.

Durante o tempo das navegações, outra invenção permitiu o adequado envelhecimento do vinho: as rolhas de cortiça. O vinho, até então bebido jovem, passou a ser mais longevo e seu sabor pôde ser mais apurado pela ação do tempo. Foi também nesta época que chegaram as espécies de uvas viníferas européias (vitis vinifera) às colônias da América, África e Oceania. Sempre estimulado pela Igreja, as vinhas eram plantadas nos novos continentes juntamente com a fé e a civilização cristã.

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Para as vitórias e para as derrotas

O vinho nunca recusa uma festa. Em certas celebrações sua presença é indispensável. Entre os vinhos, uma variedade tornou-se símbolo da alegria, da pompa e da vitória: o champanhe.

A região da França da qual o Champanhe herdou o seu nome não era propícia à produção de vinhos de qualidade. Mas foi ali, apesar do excesso de umidade e frio, que nasceu a talvez mais célebre categoria de vinhos.

O espumante é o fruto maduro de uma vindima tardia. Seu mosto é sujeito a uma segunda fermentação alcoólica, em geral já na garrafa (Champenoise), ou em tanques isobarométricos (Charmat). A fermentação em recipiente fechado incorpora dióxido de carbono ao líquido, dando origem às características borbulhas do champanhe (Pérlage).

Seu sabor doce, único e distinto, e sua aparência alegre, triunfante e solene, fizeram a Napoleão Bonaparte dizer que “o champanhe, nas vitórias é merecido, mas nas derrotas é necessário”.

A História do vinho, convidado indispensável em qualquer comemoração, é uma verdadeira lição de superação sobre as adversidades da vida. Nas mais célebres regiões vinícolas do mundo não nasceria nada além das videiras[16]. O clima seco, o solo pedregoso, o calor do sol e o rigor do inverno precisam castigar a cepa para que esta produza bons frutos. A uva necessita de ser esmagada e seu sumo fermentado, relegado ao esquecimento sombrio e tristonho de uma adega para apurar o sabor. O sofrimento é o denominador comum da história de cada garrafa.

A tragédia da Filoxera

É o sofrimento que apura o espírito e são as tragédias que nobilitam as civilizações. Não seria diferente com o vinho, uma “bebida viva”[17].

No final do século XIX (1860), as vinhas da Europa foram devastadas por um inseto chamado Filoxera surgido no sul da França. Com exceção da Argentina e do Chile, isolados por acidentes naturais da ação do inseto, a peste destruiu as videiras viníferas do mundo inteiro, bem como de eventuais replantações. “Não houve um pé de vinha que escapasse”[18]. A tragédia provocou uma crise global na produção e no comércio dos vinhos, que durou quase meio século.

As únicas espécies de videiras que não pereceram foram as norte-americanas, mas estas nunca puderam produzir um bom vinho. Suas uvas não produzem bons vinhos e por isso eram usadas somente para o consumo do fruto fresco.

Neste momento  crucial, em que História dos vinhos parecia ter chegado ao fim, mais um fator passou a ser indispensável na complexa arte da vinificação: a enxertia. Uma vez que as espécies da América do Norte mostraram-se resistentes à praga, passou-se a enxertar em sua fortes raízes as delicadas vitis vinifera da Europa, salvando assim a arte da vinificação. Com exceção da Argentina e do Chile, países imunes à Filoxera, todas as vinhas do mundo são plantadas com enxertos norte americanos. Mais um sofrimento e mais uma superação na longa História dos vinhos…

A arte da vinificação

Além da variedade da uva, do momento da colheita e as espécies de leveduras há também outros fatores importantes para o sabor final do vinho. A orientação das encostas, a altitude, o tipo de solo, o clima e as condições sazonais sob as quais as uvas crescem exercem enorme influência sobre o sabor final. Estes elementos que influem na vindima formam o conceito de terroir, ou seja, a soma das características do solo e do “microclima” da região. Por isso afirmava Pierre Pflimlin que “o vinho é a expressão misteriosa da terra que o produziu”.

O número de combinações possíveis faz com que exista grande variedade entre os produtos vinícolas, a qual é ainda aumentada pelos processos de fermentação, acabamento e envelhecimento em barris de carvalho (dizem que os franceses são melhores que os norte-americanos), a mistura de vinhos, a fim de obter os custosos mas excelentes vinhos varietais, sem contar as inumeráveis técnicas surgidas no final do século XX[19].

Há vinicultores entretanto que defendem a tese de que todas as tecnologias inventadas nos últimos anos prejudicam o sabor do vinho. Usando na vinificação apenas  adubos orgânicos e de tração animal estes agricultores batizaram sua técnica de “biodinâmica”. Tem obtido resultados reconhecidos por enólogos do mundo inteiro. De fato, como afirmava Collete, “A vinha e o vinho são dos grandes mistérios. Somente no mundo vegetal, a vinha nos torna inteligível o que é o gosto da terra”.[20]

Síntese e quinta-essência

Esta variedade de matizes e efeitos que o vinho pode produzir e que talvez não se descobriu em outro fruto, nos mostra a riqueza desta criatura divina. Quanto sabor, quanta cultura e quanto pensamento pode conter uma taça de vinho. Dizia Bossuet que “o vinho tem o poder de encher a alma de toda a verdade, de todo o saber e filosofia”; e Louis Pasteur, amante e grande estudioso do vinho, afirmava que “Há mais filosofia numa garrafa de vinho que em todos os livros”[21].

O vinho contém em si duas das mais sublimes qualidades que uma criatura pode possuir . A primeira seria um tal requinte de sabor que parece sobrepujar em excelência os quatro elementos do universo (terra, água, ar e fogo). Certos vinhos parecem encerrar  a quinta-essência do sabor. De outro lado, o vinho reúne tantos matizes de sabores, cores e efeitos, tantos detalhes da História, tantos reflexos da cultura, tantas tradições imemoriais que parece ser uma síntese da civilização ocidental e cristã. Como afirmou Paul Claudel, “Un grand vin n’est pas l’ouvrage d’un seul homme, il est le résultat d’une constante et raffinée tradition. Il y a plus de mille années d’histoire dans un vieux flacon”.

Jesus Cristo Senhor Nosso ao criar o Universo inseriu em seu plano salvífico o vinho como matéria para a transubstanciação. Quis Ele demonstrar que o fruto consagrado da videira pode produzir na alma de seu receptor (terroir único) um efeito específico, uma maravilha de santidade sem igual. Cada santo, cada alma justificada é um fruto maravilhoso das graças produzidas pelo Vinho Consagrado, síntese e quinta-essência da santidade.

Como o conjunto destes indivíduos santificados pelas graças produzidas pelo Vinho Consagrado formam uma sociedade, cujo nome não pode ser outro senão Cristã, pode-se concluir que a civilização ocidental, em cada país, em cada tradição e em cada garrafa de vinho é um fruto do “Vinho adorável”. O vinho é fruto da cultura cristã mas foi de “Jesus-Vinho”, a videira verdadeira, que nasceu nossa civilização do vinho.

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[1] Histoire du vin de Bourgogne. P. 7

[2] Sérgio de Paulo Santos. Os vinhos. São Paulo: Queiroz, 1982.

[3]Larousse do Vinho. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2007. p. 17.

[4] “Sometimes, however, they are sober at their first deliberation, but in this case  they always reconsider the matter under the influence of wine.”Heródoto. I, 133.

[5] PHILIPS, Rod. Uma Breve História do Vinho. 3 ed. Record, 2005. p. 47-48. (Esta parte do livro está visível no Google books).

[6] Alcorão. Muitos livros sobre o vinho citam esta frase, mas não foi encontrado no próprio texto do alcorão.

[7] São Tomás de Aquino. In librum Boethii, de trinitais, Pars 1, q. 2, a. 3, ob. 5.

[8] bibere vinum, secundum se loquendo, non est illicitum. São Tomás de Aquino. Summa Theologiae. 2-2, q. 149, a. 3.

[9] Cf. São Tomás de Aquino. Ad romanos, 14,22-24, n.  63.

[10] ego sum vitisvera’ (Jo 15,1-5), para demonstrar que o“vinum de vite est propria materia huius sacramenti”, pois “vinum vitis magis competit ad effectum huius sacramenti, qui est spiritualis laetitia, quia scriptum est quod vinum laetificat cor hominis. São Tomás de Aquino. Summa Theologiae. 3, q. 74, a.5.

[11]Larousse do Vinho. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2007. p. 17.

[12]Larousse do Vinho. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2007. p. 17.

[13] Arnaldus de Vilanova. Liber de Vinis. In: Hugh Johnson, Vintage: The Story of Wine. Simon and Schuster 1989, p. 126.

[14] Larousse do Vinho. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2007. p. 21.

[15]Larousse do Vinho. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2007.

[16] Sérgio de Paulo Santos. Os vinhos. São Paulo: Queiroz, 1982.

[17] Os enólogos chamam o vinho de vivo para dizer que ele possui uma vida, ou seja um ciclo ou processo de envelhecimento após o engarrafamento. Neste momento o vinho deve ser bem tratado senão “morre”. O tempo de envelhecimento depende do tipo de vinho. Uns são mais longevos que outros.

[18] Larousse do Vinho. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2007. p. 17.

[19] Tecnologias como a micro-oxigenação, filtração de taninos, a centrifugação, a micro e ultra-filtração, a osmose inversa, a evaporação, tratamentos térmicos, electrodiálise, a coluna de cone rotativo, entre outras.

[20] La vigne et le vin sont de grands mystères. Seule dans le monde végétal, la vigne nous rend intelligible ce qu’est la saveur de la terre. Collete, Prisons et Paradis.

[21] Il y a plus de philosophie dans une bouteille de vin que dans tous les livres.