Lucas Alves Gramiscelli
Sentado numa barca se encontrava o Divino-Mestre ensinando à multidão que, às margens do lago, escutava a serena e encantadora tonalidade da voz de Deus. Ali ensinava Ele por meio de muitas parábolas, entre elas a do semeador. “Disse Ele: Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e a comeram. Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes. Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram. Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um” (Mt 13, 4-8). O que simboliza essa semente? A Palavra de Deus (cf. Mt 13, 19), seja ela contida na Sagrada Escritura ou na Sagrada Tradição.
Entretanto, será que Deus deixaria sua Palavra Eterna e Imutável, à mercê do Maligno – como alude essa parábola – ou abandoná-la-ia num solo pedregoso ou entre os espinhos (cf. Mt 13,19-22), ficando assim exposta às inúmeras intempéries que os séculos produzem?
Foi justamente para preservar dos inúmeros males que sobreviria sobre ela, que preparou uma terra boa e fértil que, acolhendo a sã semente, rendesse frutos “cem por um, sessenta por um, trinta por um” (Mt 13,23). Esse solo fecundo se chama Magistério da Igreja, que ouvindo e compreendendo, ensina aos demais a doutrina infalível. A sua altíssima missão é: proteger o seu Povo dos desvios e dos relaxamentos, e garantir-lhe a possibilidade objetiva de professar sem erro a fé autêntica[1]. O Magistério é um instrumento que nos garante estar de acordo com a doutrina dos Apóstolos, ensinada a eles pelo próprio Divino Mestre. Portanto, a obrigação do Magistério está em cuidar para que o Povo de Deus permaneça na verdade. Assim, “para executar este serviço, Cristo dotou os pastores do carisma de infalibilidade em matéria de fé e de costumes”[2].
Se não fosse o Magistério…
Sem o Magistério o grande e belo edifício da doutrina verdadeira ficaria sujeito à infiltração da heterodoxia[3] e assim, poderia misturar-se com o erro, um antro de confusão, de caos e de horror. A própria Igreja, fonte da luz e da união fraterna, seria um abismo de desordem e desunião. E, como consequência, deixaria de caminhar rumo ao cumprimento do desejo de Deus: que todos sejam um só coração e uma só alma (cf. 1Pd 3,8).
Imaginemos, por exemplo, uma grande cidade onde vivam milhões de pessoas. Podemos dizer que quase todos os habitantes possuem um relógio. Portanto, nessa cidade existem milhões de relógios. São inúmeros, mas não adiantariam de nada se não houvesse um relógio posto por Deus, chamado sol, pelo qual os homens pudessem saber a hora precisa. Os relógios particulares entram em desacordo, um adianta, outro atrasa. Por causa da soberba humana, a pessoa não quererá reconhecer que seu relógio está errado, e que o outro está certo. Desse modo aconteceria que, por falta do relógio infalível, segundo o qual todos os outros devem se regular, ninguém teria a hora correta. Esta imagem ilustra algo da mente humana: cada homem pensa à sua maneira. Argumentam, discutem, e acabam não se convencendo inteiramente. Ou há alguém capaz de determinar com acerto: “isto é tal coisa!”, ou ninguém acaba conhecendo a verdade.
Quando na Idade Média, a ciência havia progredido o bastante para que se pudessem fabricar relógios mecânicos, estes começaram a ser colocados nas torres dos templos católicos. Por isso, dizia-se com muita poesia que a Igreja indicava a hora certa do pensamento humano. Para Ela, todos se voltam acertando seus “relógios” individuais, quer dizer, suas mentes. Em matérias tão essenciais para nós, como Fé e moral, era necessário que houvesse alguém com a missão de ensinar e que não caísse em erro ao interpretar a Revelação. Esse é o “relógio” que regula a humanidade: o Magistério da Santa Igreja Católica Apostólica Romana[4]. Se o mundo o abandona, vai deixando-se invadir pelo desatino e por toda sorte de extravios. Por isso, é preciso que acreditemos firmemente naquelas definições que o Magistério da Igreja declara como sendo reveladas por Deus e como ensinamentos de Nosso Senhor[5].
“Quot caput tot setentia”
O Papa Leão XIII em poucas palavras comenta a necessidade de existir esse princípio ordenador de tudo: “se a doutrina celestial de Jesus Cristo, embora em grande parte esteja consignada em livros inspirados por Deus, tivesse sido entregue aos pensamentos dos homens não poderia por si mesma unir os espíritos”[6].
Este ensinamento do Papa, nos faz lembrar aquele velho provérbio tão comum aos nossos ouvidos: “Quot caput tot setentia” (cada cabeça uma sentença). Esse adágio nos dá a oportunidade para explicar o motivo pelo qual ao longo dos tempos foram surgindo várias seitas com o intuito de dar uma sentença certa – ou melhor, de acordo com seus interesses – às diversas passagens da Sagrada Escritura que poderiam parecer um pouco obscuras ou difíceis de serem interpretadas. Cada uma dessas ideias inusitadas e inauditas hauridas da livre interpretação pode ser comparada a uma cabeça com sentenças distintas das demais. Porém, acontece que Nosso Senhor é a única Cabeça de um único Corpo, e foi a este único Corpo que Ele entregou o múnus de ensinar.
Igreja, coluna e sustentáculo da verdade (Cf. 1Tm 3,15)
Por essa razão, o mais augusto e valioso dos tesouros, o patrimônio sagrado da fé, também chamado de “depositum fidei”, contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiada pelos apóstolos à totalidade da Igreja[7]. “Mas para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os Bispos, entregando-lhes o seu próprio encargo de Magistério”[8]. A Igreja, portanto, tem a assistência do Espírito Santo, para guardar santamente, perscrutar mais profundamente, anunciar e expor com fidelidade toda a verdade revelada[9]. O Magistério é o eco da voz do Divino Mestre que continuamente fala aos homens e que se faz ouvir através da Igreja. E por isso, Nosso Senhor a fundou e a conservou: para transmitir-lhe a continuação da mesma missão que Ele recebeu de Deus Pai[10].
Foi aos Doze Apóstolos que o Divino Mestre disse: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28, 19,20). E ainda: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10,16).
Entretanto, não era somente às nações da época dos Apóstolos, que Nosso Senhor se referia ao dar o mandato de pregar o Evangelho. Pois Ele: “quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”(1Tm 2,4). Essa Sua vontade salvífica não admite nenhuma exceção e nem mesmo limitação por parte do tempo, e por isso prometeu: “estarei convosco até os fins dos tempos” (Mt 28,20).
Acerca disso, escreve São Jerônimo: “Quem promete estar com seus discípulos até a consumação dos séculos, mostra com isso que seus discípulos viverão sempre, e que Ele mesmo não cessará de estar com os crentes” [11]. Mas, acrescenta a Encíclica Satis Cognitum: “como haveria de suceder isto unicamente com os apóstolos, cuja condição de homens lhes sujeitavam à lei suprema da morte? A Providência divina havia, pois, determinado que o Magistério instituído por Jesus Cristo não ficaria restringido aos limites da vida dos apóstolos, mas que duraria sempre”[12].
Caminho mais seguro
Deus depositou em nossos corações um anseio e uma sede pela verdade, que embora já começa a saciar-se aqui na Terra, só obterá sua plena satisfação na Visão Beatífica, onde veremos face a face Aquele que é a própria Verdade (Cf. Jo 14,6). Entretanto, aqui neste vale de lágrimas nem sempre a encontramos, e devido ao pecado original facilmente caímos no erro. Assim, a fim de que sem grandes dificuldades pudéssemos alcançá-la, Deus nos enviou Seu Filho para dar testemunho dela (Cf. Jo 18, 37) e depois fundou “a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15), para que Ela, exercendo sua autoridade em nome de Nosso Senhor, nos apresentasse a interpretação autêntica da palavra de Deus escrita ou transmitida[13].
O Magistério é, portanto, o caminho mais seguro para – juntamente com a Sagrada Escritura e a Tradição – subirmos aos tesouros inestimáveis de Deus, do qual somos filhos e herdeiros.
[1] Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 890.
[2] Idem.
[3] Heterodoxo: aquilo que não é ortodoxo, isto é, que não está de acordo com a doutrina verdadeira.
[4] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. n. 19. Out. 1999. Os três pilares da piedade “pliniana”. p. 23.
[5] Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 891.
[6] Leão XIII, Carta Encíclica Satis Cognitum, n. 12. ASS 28 (1895-96) p. 711 ss.
[7] Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 84.
[8] Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Dei Verbum, n. 7. In AAS 58 (1966) p. 820.
[9] Cf. CIC, Cân. 747 § 1.
[10] Cf. Leão XIII, Carta Encíclica Satis Cognitum, n. 7.
[11] São Jerônimo, In Matth. IV, 28, 20. Cf. Leão XIII, Carta Encíclica Satis Cognitum, n. 15. ASS 28 (1895-96) 711 ss.
[12] Leão XIII, Carta Encíclica Satis Cognitum, n. 15. ASS 28 (1895-96) 711 ss.
[13] Cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Dei Verbum, n. 10. In AAS 58 (1966) p. 822.
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