João Pedro Neto Rodrigues Miranda
Tudo o que a Sagrada Escritura descreve a respeito de Nossa Senhora é como uma pérola preciosa escondida em águas profundas, nas quais os fiéis não hesitam em mergulhar para encontrar um tesouro de valor inapreciável.
Assim como um belo panorama não pode ser contemplado durante a noite, enquanto não desponta o astro rei, do mesmo modo a História da Salvação não pode ser entendida sem o Sol de Justiça, que nos visitou nascendo das alturas (Lc 1,78-79). Porém, junto com o Redentor, unida a Ele de modo íntimo e indissociável, está sua Santíssima Mãe, a Virgem Maria. Ela é a aurora da qual despontou o Salvador, e ocupa no plano de Deus para a Redenção o mesmo lugar com Nosso Senhor Jesus Cristo.[1]
Essa é a razão pela qual no Protoevangelho, quando após o pecado original, o Senhor anunciou o futuro Salvador, quis destacar o papel de sua Mãe: “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). Essa Mulher é a mesma da qual São Paulo diz: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho nascido de mulher” (Gl 4,4).
A Santíssima Virgem no Antigo Testamento
À luz do Novo Testamento, a Igreja interpretou algumas passagens do Antigo Testamento cujo significado permanecera oculto. Isaías, por exemplo, havia anunciado: “Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7,14). Essa profecia só pôde ser entendida quando o Espírito Santo desceu sobre Maria e, pelo poder do Altíssimo, Ela concebeu o Filho de Deus (Lc 1,35).
Em outras ocasiões, os Santos e a piedade católica, apoiados na Tradição e no Magistério Eclesiástico descobriram na Escritura um sentido espiritual aplicado à Mãe de Deus, encontraram em alguns episódios sagrados uma analogia com a Virgem, e viram ainda em algumas mulheres santas uma pré-figura de Nossa Senhora. A título de exemplo, o velo de Gedeão (Jz 6,36-40) e o versículo “tota pulchra es, et macula non est in te” (Ct 4,7) são considerados uma referencia à Imaculada Conceição. Raquel, Judite, Ester e muitas outras são imagens da Santíssima Virgem.
A Santíssima Virgem no Novo Testamento
Em todos os Evangelhos a Mãe de Jesus se faz presente. No entanto, o que mais destaca, e não se contém em colocar a Virgem Santa Maria como protagonista, em algumas passagens, é o evangelista S. Lucas. Desde os primeiros capítulos de sua narração até ao fim, Nossa Senhora fala, medita, interpela, preocupa-se, caminha rapidamente, etc. Enfim, é uma figura altíssima e ativa.
Apenas em quatro ocasiões encontramos descritas as palavras da Santíssima Virgem:
1 – No sublime diálogo com São Gabriel, quando Ela, pronunciando uma palavra, concebeu o Verbo de Deus (Lc 1,35). Nessa ocasião, a Santíssima Maria ensinou-nos que a única resposta aos desígnios de Deus é o “Sim”.
2 – Em sua visita a Santa Isabel, na qual, ao ouvir a voz de Maria, São João Batista estremeceu de alegria no ventre da mãe, e Santa Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Nossa Senhora é proclamada “bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,42) e feliz porque acreditou (Lc 1,45), e logo engrandece o Senhor porque olhou para sua humildade e fez nela maravilhas, por isso todas as gerações hão de chamá-la bem-aventurada (Lc 1,48-49). Desse modo, tornou-se modelo ao mesmo tempo de humildade e grandeza.
3 – Nas bodas de Caná pede ao Filho que realize um milagre em favor dos noivos, pois eles não têm mais vinho. Aqui a Virgem Maria aparece como onipotente intercessora e caminho até seu Divino Filho: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5)
4 – No reencontro do Menino Jesus no Templo, onde após três dias de angustiosa procura com São José, a Virgem Maria perguntou ao Filho o porquê daquela atitude. O Evangelista diz que eles não compreenderam a palavra que Jesus lhes disse (Lc 2,41-50). Nesse episódio, Maria Santíssima é consoladora dos Cristãos nas perplexidades, Ela é conforto dos que buscam Jesus e, no entanto, passam pela beatitudo incompreensibilitatis.
Maria: Virgem e Mãe
São Lucas é o único que narra a infância do Divino Menino Jesus. Não se detém apenas no Salvador, mas naquela da qual Ele veio a este mundo para nos salvar. São Gabriel é enviado a uma Virgem desposada com S. José e, ao mesmo tempo, contentíssimo e reverente perante a sua majestosa Rainha e Senhora, declara: “Ave cheia de graça! O Senhor está contigo” (Lc 1, 28). Este elogio ressoará como unicamente aplicável a Maria Santíssima nos céus do Novo Testamento.
Em sua digníssima humildade não lhe parecia justa tal saudação e, por isso, desejou saber a razão de tão grande declaração. “Não temas Maria”, logo a tranquilizou o Anjo. E, continuando, anunciou o maior acontecimento de toda a História: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1, 30-33).
No entanto, como se dará este sublime mistério uma vez que não conhecia Ela homem algum? “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o que nascer de ti será chamado Santo, Filho de Deus” (Lc 1, 35). A Virgem amou tanto a virgindade, que por amor a ela, chegou a alegá-la ao celeste Arcanjo que Lhe anunciava a honra inefável da maternidade divina. Assim, a sua virgindade tornou-se “o perfume sacral que tem inspirado todas as almas castas ao longo dos séculos e inspirará até ao fim dos tempos”[2].
Não poderia ser de outro modo, Ela será Mãe de Deus e conservará a virgindade para sempre! “Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados” (Mt 1, 18-21).
O mesmo evangelista ressalta a virgindade de Maria quando diz que os magos “entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram” (Mt 2, 11). O fato de omitir a presença de São José acentua a maternidade virginal de Nossa Senhora.
Quanto a São José, ele foi “o varão digno de guardar o segredo de Deus”.[3] Até o dia em que a Virgem sem ter relações com ele deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus (Mt 1, 25). Por isso, quando a Sagrada Família devia fugir para o Egito, o Anjo disse a José: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito. Ele levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel” (Mt 2,13-14).
Santa Maria, Bem-Aventurada
Em certa ocasião, a Virgem Maria é louvada por uma mulher que do meio da multidão exclama ao Mestre: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram”. Jesus respondeu: “Mais felizes são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 27-28). Outra vez, enquanto Nosso Senhor estava rodeado pelos que o ouviam, sua Mãe e seus irmãos foram ter com Ele. Então o Senhor disse: “Estes são minha mãe e meus irmãos: os que fazem a vontade de Deus (Lc 8,19-21; Mc 3, 31-35).
Antes de ser uma censura, essa expressão do Salvador é um elogio à sua Mãe, pois Ela em tudo guardou a Palavra de Deus. De fato, já na Anunciação, a Virgem disse: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Ela é também glorificada por Santa Isabel: “Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1, 45). E por fim, Santa Maria “conservava tudo em seu coração” (Lc 2, 19.51).
Mergulhados neste magnífico oceano de graças criado por Deus que é Maria Santíssima, outra coisa não nos pode ocorrer senão seguir seu exemplo. Além do incomensurável dom de ser Mãe de Deus, é Ela para todos os homens modelo de santidade por cumprir a vontade divina.
[1] “Deus, desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e pré-ordenou para seu Filho uma Mãe, na qual Ele se encarnaria, e da qual, depois, na feliz plenitude dos tempos, nasceria; e, de preferência a qualquer outra criatura, fê-La alvo de tanto amor, a ponto de se comprazer nEla com singularíssima benevolência. (…) a Ela Deus Padre dispusera dar seu Filho Unigênito — gerado do seu seio, igual a si mesmo e amado como a si mesmo — de modo tal que Ele fosse, por natureza, Filho único e comum de Deus Padre e da Virgem (…)”. PIO IX. Bula Ineffabilis Deus, 2-3.
[2] Corrêa de Oliveira, Plinio. São Paulo, [s.d.]. Palestra. (Arquivo ITTA-IFAT).
[3] Corrêa de Oliveira, Plinio. São Paulo, [s.d.]. Palestra. (Arquivo ITTA-IFAT).
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