Nosso Senhor Jesus Cristo que curava, exorcizava ou ressuscitava quando via, diante de si, corações receptivos ao divino dom da Fé. Com toda glória que manifestou no Thabor, com toda a sublimidade da sua agonia no Gólgota, Ele vem hoje até nós e se faz realmente presente, oculto sob as espécies eucarísticas.

Pungente situação

Reportemo-nos às estepes de Jerusalém há mais de dois mil anos. Coloquemo-nos no lugar de um desses privilegiados homens que tiveram a oportunidade de ouvir algo acerca de Nosso Senhor Jesus Cristo: Mestre prodigioso em milagres, andava pelas estradas da Galiléia e da Judéia, curando leprosos, ressuscitando mortos, ensinando uma doutrina impregnada de paz e de amor ao próximo. Se um de nós fosse à sua procura, entrasse na cidade de Jerusalém, precisamente naquela histórica Quinta-Feira Santa à noitinha… Procurasse um albergue e fosse dormir na esperança de, no dia seguinte, encontrar pessoalmente esse Jesus, falar com Ele, fitar o seu olhar e, mais que tudo, ser olhado por Ele!

Inesperadamente, fosse acordado de madrugada com tumultos, correrias, agitações e, saindo à rua, visse esse Divino Homem ensanguentado, carregando uma imensa cruz, injuriado pelos soldados, pelos algozes, pelo populacho… Assistisse à sua Crucifixão, à sua Morte e, desolado, voltasse para a hospedagem pensando n’Ele, lembrando-se d’Ele, e horrorizado com tudo o que acabava de presenciar…  Tempo depois, quando já estivesse longe da Cidade Santa, ouvisse correr um rumor reconfortante: “Olhe, aquele Jesus de Nazaré ressuscitou! E, quarenta dias depois, subiu prodigiosamente aos Céus!”. Qual poderia ser a nossa atitude diante de uma situação dessas?

Não fomos abandonados

Um ilustre líder católico brasileiro respondia que se tivesse assistido a Morte de Nosso Senhor e depois soubesse da sua Ressurreição e Ascensão, ainda que não conhecesse a existência da Sagrada Eucaristia, começaria a procurar Jesus Cristo pela Terra, pois não conseguiria se convencer de que tão augusta presença tivesse deixado o convívio dos homens… Um Deus feito carne nunca mais poderia nos abandonar. Por isso, tudo clamava, tudo bradava, tudo suplicava para que esse convívio adorável não cessasse, ou seja, que Ele permanecesse de algum modo no mundo.

Em todos os sacrários da Terra, nos quais a hóstia consagra se encontra, tanto em magníficas catedrais quanto em minúsculas igrejinhas, a todo momento, Nosso Senhor Jesus Cristo está realmente presente, oculto sob a espécies eucarísticas, tal como nas ruas de Jerusalém, Nazaré, Cafarnaum, Belém. Esse mesmo Senhor que curava, exorcizava ou ressuscitava, quando via, diante de si, corações receptivos ao divino dom da Fé que vinha concedendo.

Realmente, o que seria de nós se o Filho de Deus não tivesse permanecido realmente presente, sob sagradas espécies? Se ouvíssemos relatar apenas uma recordação histórica: “Há mais de dois mil anos, houve uma época bem aventurada, na qual Deus habitou entre os homens, em corpo e alma verdadeiros, mas depois de ter sido morto e ressuscitar, subiu aos Céus e até hoje nunca mais retornou? Quando o fará? Não o sabemos…”. Entretanto, tendo Ele permanecido conosco “todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20), a Igreja, “pela transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue do Senhor, goza dessa presença com uma intensidade sem par”.[1]

Os motivos do Redentor

Quando estamos diante d’Ele ou recebemos a Comunhão, beneficiamo-nos de maneira inefável da sua sacrossanta presença. Mas, só isso não bastou ao infinito amor de Cristo. Ele não se conformou em apenas perpetuar o seu convívio conosco, pois, na celebração da Santa Missa, Nosso Senhor quer nos conceder as mesmas graças que poderíamos ter recebido se tivéssemos estado pessoalmente no Calvário, junto à Cruz. Se na hóstia, “Jesus Cristo se oferece à nossa adoração e como nutrição à nossa alma, durante a Missa, Ele se entrega a nós como nossa vítima”.[2] Assim, três são os principais motivos pelas quais Nosso Divino Redentor quis instituir o Santíssimo Sacramento do altar: para perpetuar a sua Presença Real entre nós; 2º para habitar nosso interior por meio da Comunhão; 3º para renovar incruentamente o seu Santo Sacrifício do Calvário.

Desde aquela sublime primeira Eucaristia, celebrada na Quinta-Feira Santa, até a última que tenha terminado, em algum lugar longínquo da Terra, há poucos segundos, ao operar-se o sublime milagre da Transubstanciação, pelo qual Cristo se faz realmente presente, outro mistério extraordinário se patenteia: “Sempre que no altar se celebra o sacrifício da Cruz, na qualCristo, nossa Páscoa, foi imolado’ (1 Cor 5, 7), realiza-se também a obra da nossa Redenção”.[3] Sim, renovam-se realmente, embora sem derramamento de sangue, a Paixão e a Morte de Nosso Senhor. Mesmo na Última Ceia, a própria “Instituição da Eucaristia antecipou, sacramentalmente, os acontecimentos que teriam lugar pouco depois”.[4]

As próprias palavras da Consagração o atestam. Com efeito, o celebrante “não diz somente: ‘Este é o cálice do meu Sangue’, mas ainda acrescenta: ‘derramado por vós e por muitos, para remissão dos pecados’. Ora, tendo sido infalivelmente cumpridas as primeiras palavras, também devem sê-lo as últimas”.[5] Assim, nesse extraordinário milagre eucarístico, por certo, quotidiano, opera-se uma efusão espiritual do preciosíssimo Sangue, sobre as almas dos fiéis, e “essa aspersão espiritual é infinitamente mais eficaz do que a material”.[6]

Que resposta daremos ao amor divino?

Os carrascos que torturaram nosso Divino Redentor seguramente viram os seus corpos tintos pelo adorável Sangue e, contudo, parece não terem se beneficiado dele. Apenas o soldado que lhe atravessou o lado, segundo uma antiga tradição, foi curado do defeito de um dos seus olhos, quando o precioso líquido tocou-lhe a pálpebra e, graças a esse milagre, passou a seguir aquele Crucificado que, mesmo quando era ferido, retribuía o bem.

Sem dúvida, o poder ter sido irrigado pelo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, teria sido um privilégio extraordinário, se essa altíssima dádiva fosse acolhida com verdadeira Fé. Mas, talvez ela pudesse apenas ficar na superfície dos nossos corpos, sem causar algum efeito interior. No Santo Sacrifício da Missa, porém, “a aspersão espiritual desse Sangue adorável, purifica, santifica e adorna as nossas almas”,[7] alcança-nos profundo arrependimento para confessar as faltas  cometidas, aumenta a Graça Santificante de quem já a possui e cumula de méritos e de forças o cristão fiel, a fim de enfrentar todos os obstáculos que visam afastá-lo do caminho da sua eterna salvação. Quanto amor devemos, pois, “Àquele que nos ama e  que nos lavou de nossos pecados no seu Sangue (Ap 1, 5)!

Por Sebastián Correa Velásquez


[1] João Paulo II. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia. n. 1.

[2] Cochem, Martin von. Explicação da Santa Missa. 2 ed. Bahia: São Francisco, 1914, p. 66. (Os trechos citados deste autor foram  adaptados da gramática do português antiga para a atual).

[3] Conc. Vaticano II. Constituição dogmática Lumen gentium. n. 3.

[4] João Paulo II. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 3.

[5] Cochem, Martin von. Op. Cit., p. 138.

[6] Id. ibid., p. 143.

[7] Loc. Cit.