Recorrer aos anjos está ficando cada vez mais na moda. Mas o que sabe a grande maioria das pessoas a respeito dessas criaturas espirituais e imortais?
Após uma época de ceticismo e materialismo triunfante, durante a maior parte dos séculos XIX e XX, o Ocidente voltou a demonstrar uma definida apetência pelo mundo dos espíritos. Se até duas ou três décadas atrás, falar de anjos era considerado por muita gente como sinal de imaturidade ou de falta de cultura, hoje em dia tornou-se moda.
Abundam os filmes e livros retratando seres extraordinários, poderosos, dotados de qualidades sobrenaturais, seres super-humanos ante os quais o comum dos mortais é impotente. Não será isso um sintoma de interesse pelo mundo angélico? Ao lado da fantasia e do mito, obras esotéricas de grande divulgação apresentam uma visão distorcida desses seres espirituais, e a ignorância religiosa só fez aumentar os equívocos nesta matéria.
Se quisermos saber a realidade sobre os anjos, onde achar a verdade no meio de tanta desinformação?
As Sagradas Escrituras
Muito antes das definições teológicas dos últimos séculos, o ensinamento sobre os anjos encontra-se fundamentado na autoridade das Sagradas Escrituras e dos Padres da Igreja.
Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, numerosas passagens nos mostram os anjos em ação, na tarefa de proteger e guiar os homens, e servindo de mensageiros de Deus. O versículo 11 do Salmo 90 menciona claramente os Anjos da Guarda: “Deus confiou a seus anjos que te guardem em todos os teus caminhos”.
Se nalgumas ocasiões os anjos da mais alta hierarquia celeste são os encarregados de missões na terra — casos de São Gabriel e São Rafael — em muitas outras trata-se por certo de uma atuação do anjo guardião da pessoa concernida, mesmo se a Bíblia não o mencione especificamente. Tem-se essa impressão na leitura do profeta Daniel, salvo de ser devorado no cárcere por feras famintas, pois ele declara ao rei Dario: “Meu Deus enviou o seu anjo, que fechou a boca dos leões, os quais não me fizeram mal algum” (Dn 6, 22). Do mesmo modo, nos Atos dos Apóstolos, quando vemos São Pedro ser libertado da prisão por um anjo (cf. At 12, 1-11).
Nosso Senhor faz uma referência muito clara aos Anjos da Guarda, quando diz: “Vede, não desprezeis um só desses pequeninos; pois vos declaro que os seus anjos nos Céus vêem incessantemente a face de meu Pai, que está nos Céus” (Mt 18,10).
São Paulo, na Epístola aos Hebreus, ensina que todos os anjos são espíritos a serviço de Deus, o qual lhes confia missões em favor dos herdeiros da salvação eterna (cf. Hb 1,14).
Os Padres da Igreja
Na esteira das Sagradas Escrituras, a maioria dos Padres da Igreja trata dos anjos enquanto nossos guardiães. São Basílio Magno, na obra Adversus Eunomium, declara: “Cada fiel tem a seu lado um anjo como protetor e pastor, para o conduzir à vida”.
No século II, Hermas, na obra “O Pastor”, diz que todo homem possui seu Anjo da Guarda, o qual o inspira e o aconselha a praticar a justiça e a fugir do mal. No século III, a crença nos Anjos da Guarda de tal maneira estava arraigada no espírito cristão, que Orígenes lhe dedica várias passagens. E sobre a mesma matéria encontramos belos textos de São Basílio, Santo Hilário de Poitiers, São Gregório Nazianzeno, São Gregório de Nissa, São Cirilo de Alexandria, São Jerônimo, os quais nos ensinam: o Anjo da Guarda preside às orações dos fiéis, oferecendo-as a Deus por meio de Cristo; como nosso guia, ele solicita a Deus que nos guarde dos perigos e nos conduza à bem-aventurança; ele é como um escudo que nos envolve e protege; ele é um preceptor que nos ensina a cultuar e a adorar; nossa dignidade é maior por termos, desde o nascimento, um anjo protetor.
Desdobramentos posteriores
No século XII, Honório de Autun promoveu a doutrina de que cada alma, no momento em que é unida ao corpo, é confiada a um anjo cuja missão é induzi-la ao bem e dar conta de suas ações a Deus. Santo Alberto Magno e São Tomás de Aquino, no século XIII, ensinaram, com São Pedro Damião, que o Anjo da Guarda não abandona nem sequer a alma pecadora, mas procura levá-la ao arrependimento e reconciliação com Deus.
Em 1608, o Papa Paulo V instituiu a festa dos Santos Anjos da Guarda. Posteriormente, em 1670, coube ao Papa Clemente X fixar sua comemoração de modo definitivo no dia 2 de outubro, tornando-a obrigatória para toda a Igreja.
O Catecismo da Igreja Católica trata da missão do Anjo da Guarda em relação a nós, dizendo: “Desde o início até a morte, a vida humana é cercada por sua proteção e por sua intercessão” (nº 336). E o Papa João Paulo II, na Audiência Geral de 6 de agosto de 1986, acentua que “a Igreja confessa sua fé nos Anjos Custódios, venerando-os na Liturgia com uma festa especial, e recomendando o recurso à sua proteção com uma oração freqüente, como na invocação ao ‘Santo Anjo do Senhor’.”
Orações ao Anjo da Guarda
A mais popular oração ao Anjo da Guarda foi composta pelo Papa Pio VI, em 1796:
Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, guarda, governa e ilumina. Amém.
Existem muitas outras preces, inspiradoras de sentimentos de piedade para com essa criatura espiritual, tão íntima de nossa vida no dia-a-dia. Uma delas, de autoria de Santo Anselmo, Arcebispo de Cantuária, é especialmente bela:
Ó Espírito angélico, a cujos próvidos cuidados entregou‑me Deus Nosso Senhor, rogo‑vos que sempre queirais guardar‑me, proteger-me, assistir-me e defender-me de todo assalto do demônio, quer eu esteja acordado, quer dormindo. Sim, assisti‑me noite e dia, a toda hora e a todo momento! Permanecei sempre a meu lado, onde quer que eu me ache. Afastai para longe de mim todas as tentações de satanás.
E, do misericordiosíssimo Juiz e Senhor Nosso, que vos constituiu meu guarda e a vós me confiou, obtende‑me por vossa intercessão a graça, que de todo desmerecem os meus atos, de permanecer imune de toda culpa em minha vida. E se por infelicidade eu me encaminhar na estrada do vício, fazei tudo para reconduzir-me, pela senda da virtude, ao meu Divino Redentor. Quando me virdes oprimido pelo peso das angústias, fazei‑me experimentar a ajuda de Deus Onipotente.
Peço‑vos também que me reveleis, se isto for possível, o termo dos meus dias, e não permitais que a minha alma, quando se desprender do corpo, seja aterrorizada pelos espíritos malignos, ou venha a ser objeto de escárnio para eles, ou deles seja presa desesperada. Não, não me abandoneis jamais, até que me tenhais conduzido ao Céu, para gozar da vista do meu Criador e ser eternamente feliz em companhia de todos os Santos. Seja-me dado atingir essa felicidade, por meio de vossa assistência e pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por Guy de Ridder
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