1. Vida
Seu nascimento deu-se provavelmente em 335. Foi educado por seu irmão, São Basílio, mas depois teve uma vida mundana, sendo professor de retórica e contraindo matrimônio – do que se lamentará no futuro. Por influência de seu irmão e de São Gregório Nazianzeno, abandonou a vida no mundo enclausurando-se num mosteiro. Sua mãe e sua irmã também ingressaram na vida religiosa.[1] Em 371, por aclamação popular, foi elevado à sede episcopal de Nissa – um insignificante distrito da Cesárea. Neste período, sofreu muito com a perseguição dos hereges, que o acusavam de desonestidades em matéria financeira. Seu irmão o repreendeu diversas vezes por sua falta de pulso firme. Vários bispos arianos, durante uma ausência do santo Bispo de Nissa, depuseram-no da sede episcopal. À morte do imperador Valente – ariano –, São Gregório voltou à sua cidade onde foi aclamado por todo o povo de maneira muito viva. Em 381, teve uma parte extremamente relevante no concílio de Constantinopla. O resto de sua vida é envolta em nuvens de mistério. Quasten afirma que sua morte foi em 385. Drobner, Ramos-Lissón, Llorca, Altaner e Stuiber situam sua morte entre 394 e 396.
Afirmam os historiadores que, pela sua eloquência, era lhe rendido um grande prestigio na corte imperial.[2] Além do mais, ficou conhecido, em vida, como “o Filósofo”.[3]
2. Obras
Assim escreve Johannes Quasten: “Gregório de Nisa não foi um extraordinário administrador e um legislador monástico como Basílio, nem um pregador e poeta atraente como Gregório de Nazianzo. Mas como teólogo especulativo e místico foi, sem dúvida, o melhor dos três grandes capadócios.”[4]
De suas obras conhecem-se as seguintes: Adversus Eunomium; Adversus Apollinaristas ad Theophilum episcopum Alexandrinum; Antirrheticus adversus Apollinarem; Sermo de Spiritu Sancto adversus Pneumatomachos Macedonianos; Ad Ablabium quod non sint tres dii; Ad Graecos ex communibus nationibus; Ad Eustathium de Sancta Trinitate; ad Simplicium de fide sancta; Dialogus de anima et resurrectione qui inscribitur Macrina; Contra Fatum; Oratio catechetica magna; De opificio hominis; de beatitudinis; Duas homilías sobre I Coríntios; De virginitate; Quid nomen professione Christianorum sibi velit; De perfectione et qualem oporteat ese Christianum; De instituto Christiano; De castigatione; Vita Macrinae; e um grande número de sermões, panegíricos e discursos sobre diversos temas.
Suas obras recebem bastante influência da filosofia de Platão. Segundo Daniélou, o santo capadócio hauriu de Plotino a mística, de Porfírio a lógica e a ontologia, e de Jâmblico a cosmologia.[5] Quanto à sua formação doutrinária cristã, os autores são praticamente unanimes em ver a influência de São Basílio.
Alguns estudiosos – especialmente Usener – atacaram a autenticidade de algumas obras, mas com argumentos pouco convincentes. Usener tenta atacar um Sermão para o Natal, pelo fato de utilizar o termo Theotokos aplicado à Nossa Senhora muitos anos antes do Concílio de Éfeso – ataque este que não impressiona os críticos e foi refutado por Holl.
3. Doutrina
a) Exposição sistemática da doutrina cristã
Depois de Orígenes, deve-se a ele a primeira exposição sistemática da doutrina cristã. Suas especulações superam as preocupações doutrinárias de seu tempo e contribuem muito para a teologia. A principal obra referente à sistematização da doutrina cristã é sua Oratio Catechetica Magna.
b) Filosofia
Sua ligação com a filosofia é patente, sobretudo ao considerar que a compara com a Esposa do Cântico dos Cânticos. Porém, faz severas críticas à filosofia afastada de Nosso Senhor:
“A filosofia pagã é verdadeiramente estéril; sempre a ponto de parir, mas nunca acaba de dar à luz a um ser vivo. Que fruto produziu a filosofia que esteja à altura de tão grandes dores? Não é verdade que todos os seus frutos são vazios, imperfeitos, e malogrados, como abortivos que são, antes de chegar à luz do conhecimento de Deus?”[6]
c) Doutrina Trinitária
Quanto à sua doutrina trinitária, contribuiu muito para a proclamação do dogma da Unidade e Trindade de Deus, especialmente sobre a divindade do Espírito Santo que, segundo o santo Bispo de Nissa, procede especialmente do Filho. São Gregório escreve que o Espírito Santo, pode ser chamado também “Espírito de Cristo”.[7]
d) Cristologia
No tocante à cristologia, salienta muito a diferenciação das duas naturezas de Cristo. Faz, porém, uma belíssima aproximação entre ambas: “enquanto o Senhor recebe a marca de escravo, o escravo é honrado com a glória do Senhor. Esta é a razão por que se diz que a Cruz é a Cruz do Senhor da glória.”[8] Apesar de ter duas naturezas, Cristo tem uma só pessoa: “Esta é nossa doutrina: não prega a pluralidade de Cristos, como o imputa Eunômio, senão a união do homem com a divindade.”[9] São Gregório salienta, ademais, que Cristo teve uma alma humana real, com noúúûu/çj humano, pois, do contrário, não podia ter servido de exemplo para nós.
e) Mariologia
Referindo-se à Nossa Senhora, usa cinco vezes em suas obras o termo qeoto,koj – Theotókos, “Mãe de Deus” – em contraposição ao termo av’’’’’’’nqrwpoto,koj – Anthropotókos, “Mãe do homem” –, que alguns queriam aplicar à “Mãe de Deus”. Para ele, negar a maternidade divina de Nossa Senhora é dividir Nosso Senhor Jesus Cristo.[10]
f) A virgindade
Muito digna de nota é sua doutrina sobre a virgindade. Afirma ser esta “uma porta de acesso a uma vida mais santa”.[11] Chega até a designar Nosso Senhor Jesus Cristo como o avrcipa/rqenoj – Arkipárthenos, o “Arquivirgem”. Apresenta, ademais, Nossa Senhora como perfeito modelo de virgindade. Contudo, o Santo Bispo capadócio lamenta-se por ter se casado e não falar deste estado de vida com toda a propriedade.[12]
g) Vida monástica
Muito bela é sua doutrina sobre a vida monástica. Colombás assim resume este ponto da doutrina de São Gregório de Nissa:
“A vida monástica – a vida cristã seriamente vivida – é essencialmente o caminho da purificação da alma, pelo qual se aproxima passo a passo da divindade. O homem não pode realizar tão grande e penosa ascensão sem grandes esforços, sem lutar valorosamente contra as tentativas do demônio para derrubá-lo e vencê-lo, nem sem possuir a ciência (gnosis) – gnw,sij -, e a virtude (areté) – avreth//-, duas realidades inseparáveis.”[13]
h) Antropologia
Muito estudada nos dias de hoje é a sua antropologia. Afirma ser o homem a síntese e a imagem de todo universo. Sua maior grandeza, porém, é de ser imagem e semelhança de Deus e ter recebido o próprio Verbo de Deus em sua natureza.[14]
i) Contra Orígenes
Apesar de ter escrito contra diversos erros de Orígenes – como a doutrina da preexistência da alma, da estada dos homens nesta terra por algo feito em uma vida passada, etc. –, São Gregório compartilhou com ele a doutrina da avpokata,stasij (apokatástasis). Cumpre notar que ainda não havia sido definido pela Igreja o dogma sobre este ponto. Contudo, em algumas obras, São Gregório escreve sobre as penas eternas, com afirmações que deixam os intérpretes perplexos.
j) A oração
Para concluir, escolheu-se um ponto muito salientado por Sua Santidade, o Papa Bento XVI: o valor que São Gregório de Nissa dá à oração. Eis a citação colhida pelo Papa:
“Através da oração conseguimos estar com Deus. E quem está com Deus está longe do inimigo. A oração é sustentação e defesa da castidade, freio da ira. apaziguamento e domínio da soberba. A oração é guarda da virgindade, proteção da fidelidade do matrimônio, esperança para aqueles que vigiam, abundância de fruto para os agricultores, segurança para os navegantes.”[15]
Por Rodrigo Fujyama
BIBLIOGRAFIA
ALBERIGO, Giuseppe (org.). História dos Concílios Ecumênicos. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 1995.
ALTANER, Berthold; STUIBER, Alfred. Patrologia. Tradução de Monjas Beneditinas. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 2004.
S. BASÍLIO MAGNO. Homilia sobre Lucas 12; Homilias sobre a origem do homem; Tratado sobre o Espírito Santo. Tradução de Roque Frangiotti e Monjas Beneditinas. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005.
BENEDETTO XVI. I Padri della Chiesa: da Clemente Romano a Sant’Agostino. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2008.
BOGAZ, Antônio S.; COUTO, Márcio A.; HANSEN, João H. Patrística: caminhos da Tradição Cristã. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2008.
COLOMBÁS, García M. El monacato primitivo. 2.ed. Madrid: B.A.C, 2004.
Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Tradução de Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002.
DROBNER, Hubertus. Manual de patrologia. Tradução de Orlando dos Reis e Carlos de Almeida. Petrópolis: Vozes, 2003.
LLORCA; G.ªVILLOSLADA; LABOA. Historia de la Iglesia Católica: Edad Antigua. 7.ed. Madrid: BAC, 2005.
LLORCA, Bernardino (S.J.). Manual de Historia Eclesiástica. 3.ed. Barcelona: Labor, 1951.
MONDIN, Battista. Dizionario dei teologi. Bologna: ESD, 1992.
MORESCHINI, Cláudio. Basílio Magno. Tradução de Francisco Gomes. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
QUASTEN, Johannes. Patrología II: la edad de oro de la literatura patrística griega. Tradução de Ignacio Oñatibia (org.). 7.ed. Madrid: B.A.C., 2004.
RAMOS-LISSÓN, Domingo. Patrología. Navarra: EUNSA, 2005.
[1] Cf. BOGAZ; COUTO; HANSEN. PATRÍSTICA… p. 194.
[2] Cf. ALTANER; STUIBER. Patrologia. p. 306.
[3] Cf. LLORCA. Manual de … p. 190.
[4] QUASTEN. Patrología II. p. 282.
[5] Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. p. 646.
[6] Apud QUASTEN. p. 316.
19 Idem. p. 317.
[8] Idem. p. 321.
[9] Idem. p. 322.
[10] Cf. Idem. p. 322.
[11] Apud Idem. p. 300.
[12] Idem.
[13] COLOMBÁS. El monacato primitivo. p. 409.
[14] Cf. BOGAZ; COUTO; HANSEN. PATRÍSTICA… p. 196.
[15] Apud BENEDETTO XVI. I Padri della Chiesa… p. 114-115.
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