Transcorridos vários milênios desde a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, a humanidade experimentara as amargas e numerosas consequências do pecado. As sucessivas gerações, curvadas sob o peso das paixões desregradas, assistiram aos mais sinistros crimes, ao mesmo tempo horrorizadas e atraídas para o fundo do abismo da degradação moral. A Criação parecia irremediavelmente perdida e fadada ao fracasso. Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem, obra prima do Criador, estava desfigurado; pior ainda, atraíra sobre si a maldição do pecado. Haveria remédio para a humanidade transviada? Apesar de tudo, os profetas sucessivamente confirmavam a promessa feita por Deus a Adão, de um Salvador, o Messias, que era a única esperança a iluminar o horizonte dos homens de fé. Mas, quando viria Ele? Onde nasceria? Como seria?

Deus na sua misericórdia sempre supera todas as nossas aspirações. Adão nunca poderia ter imaginado que esse Messias seria o Filho de Deus. Quando a história da humanidade parecia ter atingido o seu ponto mais baixo, eis que, contra todas as aparências, chegara, isto sim, a plenitude dos tempos: “Na plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4, 4).

A Anunciação e o mistério trinitário

Foi assim que, numa simples casa de Nazaré uma Jovem, humilde e pura, meditava sobre a antiga promessa do Messias, Aquele que resgataria o povo de seus pecados e instauraria uma nova ordem de coisas. Podemos imaginá-La bordando uma linda e fina toalha destinada ao uso no Templo, ou lendo alguma passagem da Escritura, como por exemplo a de Isaías: “Eis que uma Virgem conceberá”. Enquanto a Jovem conjectura como seria o Messias, em que circunstâncias haveria de nascer, quando de repente, uma suave luz ilumina seu quarto e uma voz angélica, transida de admiração, lhe dirige a palavra: “Ave Cheia de Graça”! (Lc 1, 28). O anjo lhe anuncia que Ela será a Mãe do Messias a quem tanto desejou conhecer. “O Espírito Santo descerá sobre Ti, e a força do Altíssimo Te envolverá com a sua sombra. Por isso o Menino que nascer de Ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35).

Com esse acontecimento tudo mudava de aspecto. Aquela mesma humanidade aviltada e pervertida era dignificada e elevada acima dos Anjos. As perspectivas de desastre e desespero se convertiam agora em esperança e alegria. Os homens, tendo as portas do Paraíso Terrestre fechadas atrás de si, viam se abrir diante de si as portas do Paraíso Celeste.

Dessa forma realizaram-se os eternos desígnios em que Deus, “tornando-Se participante de nossa mortalidade, nos fez participantes de sua divindade”.[1]

Mas era apenas isso? Não! Esse anúncio trazia a revelação dos dois maiores mistérios da Fé. Um que se realizava naquele instante; outro,  eterno. A Encarnação do Verbo acontecia no tempo, a existência da Santíssima Trindade não tem princípio. Foi esse o primeiro presente que o Filho nos trouxe, por intermédio do Anjo, e o confiou Àquela que escolhera por Mãe diletíssima. Nesse episódio São Gabriel manifesta à Virgem Mãe que tudo o que se seguirá estará marcado pela Trindade.[2]

Provavelmente, o diálogo entre Maria e o Anjo foi muito mais longo do que a narração bíblica registra. Mas o evangelista escreveu exatamente aquilo que o Espírito Santo queria que atravessasse os séculos, a primeira alusão ao mistério trinitário.

Com efeito, se analisarmos atentamente as palavras de São Gabriel, podemos ver clara referência a cada uma das Pessoas Divinas. Começa por mencionar a Terceira Pessoa: “o Espírito Santo virá sobre Ti”. Em seguida, afirma que a “força do Altíssimo” A cobriria “com sua sombra”, referência mais discreta à Pessoa do Pai, que ficará evidente na continuação da promessa: “o Menino santo que nascer de Ti será chamado Filho de Deus”. Se há um Filho tem que haver também um Pai, é a conclusão lógica.

Temos, então, nesse episódio, que mudou a história da humanidade, a primeira ocasião em que Deus revela o mistério de sua vida íntima. E nada mais simbólico que Ele o tenha feito Àquela em Quem o Verbo se encarnaria para realizar a Redenção dos homens.

Continua…

Extraído de “A vida íntima de Deus Uno e Trino”


[1] Santo Agostinho. A Trindade. São Paulo: Paulus, 2005, p. 150.

[2] Cf Gonzalo Lobo Méndes. Deus uno e Trino. Lisboa: Diel, 2006, p. 124.