“Ide e mutiplicai-vos”, diz o Senhor. A sagrada instituição da família foi fundada diretamente por Deus como a primeira das instituições. Estabelecidos foram, pelo próprio Criador, seu “estatuto” no qual encontramos sua razão de ser, ou melhor, sua finalidade.

Esta finalidade promulgada pelo próprio Senhor, está intimamente concernida na união matrimonial. Esta “micro” sociedade no Antigo Testamento sempre foi considerada pelo povo eleito como uma verdadeira aliança, símbolo da Aliança de Deus com o povo. Com o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo, ela passou a gozar do privilégio inestimável de ser um verdadeiro sacramento.

Considerando-a enquanto aliança ou enquanto sacramento, sua finalidade permanece intacta, pois tanto na raiz de sua instituição, quanto na sua elevação a sacramento, o seu fim não foi alterado por Aquele que a criou. Não depende, portanto, da vontade daqueles que contraem o vínculo.[1]

Além de uma finalidade bem precisa, o matrimônio comporta também duas propriedades essenciais, que a tradição teológica chama de bona matrimonii, ou tria matrimonii bona. Que são: a) bonum prolis; b) bonum fidei c) bonum sacramenti. O primeiro a utilizar este termo foi Santo Agostinho.[2]

Uma das três partes constitutiva, segundo esta terminologia, é relativa ao fim do matrimônio: bonum prolis, que não é a única finalidade desta união como veremos mais adiante.

Segundo o CIC de 1983, o matrimônio é constituído de dois fins complementares ou integrativos[3], “o bem dos cônjuges e a geração e educação da prole”[4]. No que diverge radicalmente do código de 1917, que distingue a geração e educação da prole como fim primário, e o bem dos cônjuges e a ajuda mútua como fim secundário.

Contra esta concepção de fim primário e fim secundário muitas foram as controvérsias surgidas ao longo dos tempos. Por isso, o tema foi profundamente discutido durante as sessões do CVII. Em síntese, os principais pontos da conclusão dos Padres Conciliares, expressos na Gaudium et Spes, foram:

1)    A geração, educação da prole, o bem mútuo dos cônjuges, o amor conjugal, etc. não são considerados apenas como “valores”, mas como fim do matrimônio;

2)    Nestes “valores”, considerados com fim, não se faz nenhuma distinção entre fim primário e fim secundário;

3)    O amor conjugal não esteve nunca tão exaltado como agora, em nenhum documento da Igreja. Entretanto, o CVII recorda de maneira clara e explícita que o amor conjugal é ordenado à geração e educação da prole.[5]

É conveniente tratar aqui a respeito da ordem na qual estes dois inseparáveis fins estão postos no novo código, mas antes disso queremos ressaltar a distinção que faz a escolástica entre “fim intrínseco e objetivo – finis operis – e fim extrínseco e subjetivo – finis operantis.

O primeiro, finis operis, é o fim da própria natureza que esta união contém e que não depende da vontade dos contraentes, ou seja, aquilo que encontramos no código, “o bem dos cônjuges e a geração e educação da prole”. O segundo, finis operantis, é o motivo pelo qual duas pessoas se unem em matrimônio. Por exemplo, as qualidades físicas, morais, sociais, etc. dos que se casam. Este depende da vontade dos que se casam e é, por isso mesmo, sempre subjetivo. É em si inteiramente lícito, desde que nunca vá contra o fim intrínseco.[6]

Grandes foram também as desavenças que suscitou a ordem na qual se encontra no novo código os dois fins, inseparáveis, do matrimônio. Muitos queriam que a ordem fosse inversa, ou seja, que a geração e educação da prole estivesse colocada antes do bem dos cônjuges.

Segundo o Pe. Fernando Castaño, não há nenhuma necessidade de uma ou outra ordem, mas que assim como está no código atual corresponde à ordem natural das coisas. Primeiro as pessoas se conhecem, passam a querer-se bem, decidem casar-se e depois geram os filhos. Naturalmente, o verdadeiro amor conjugal deve sempre estar “aberto à vida”, e encontra sua perfeição na geração dos filhos. E assim, o bem dos cônjuges se transforma em família, isto é, em “amor maduro e fecundo”.[7]

Deve-se entender, conclui o Pe. Fernando Castaño, o que está contido no cân. 1055 §1 não como dois fins divorciados ou subordinados um ao outro, mas como inseparáveis e um ordenado ao outro.[8]

Apenas queremos manifestar nossa modesta apreciação pessoal antes de encerrar estas linhas, que já vão longas: Se bem que o fim do matrimônio seja de fato o amor entre os cônjuges e a geração e educação da prole, deve ele estar sempre sob o influxo do amor de Deus, da proteção celeste e do auxílio da graça. Sem ter isso em vista, sendo o homem concebido no pecado original, toda esta doutrina será impraticável.

Sagrada Família


[1] Cf. CASTAÑO, Fernando. Il sacramento del matrimonio. Roma, 1992. p. 59

[2] “Haec omnia bona sunt, propter quae nuptiae bonae sunt: proles, fides, sacramentum”. AGUSTINUS, De bono coniugali, c. 24 § 32 PL 40. 394 D. Apud: Castaño, Op. Cit., p. 60.

[3] Cf. Castaño, Op. Cit., p. 63.

[4]Bonum coniugum e generatio et educatio prolis” Cân. 1055 §1.

[5] Cf. Castaño, Op. Cit., p. 66-67.

[6] Cf. Castaño, Op. Cit., p. 63.

[7] Cf. Castaño, Op. Cit., p. 70-71.

[8] Cf. Castaño, Op. Cit., p. 72-73.