Essas assombrosas palavras foram proferidas por Nestório, então Patriarca de Constantinopla, em meados do ano de 425. E não apenas isso, ele ousou dizer, no púlpito da Catedral de sua sede, no Natal de 428 que “chamar à Virgem Mãe de Deus seria justificar a loucura dos pagãos, que dão mães a seus deuses”.
Também recusava-se ele de chamar Deus o menino Jesus, entre outras pérfidas idéias que defendia. E qual o motivo dessas blasfêmias?
Foi ele o pai de uma heresia que, levada às suas últimas conseqüências pelos seus desvarios. Insistia ele que em Nosso Senhor havia duas naturezas, sim, mas também duas pessoas, e que a natureza divina d’Ele “habitava” na pessoa humana de Cristo, como alguém que habitasse em um templo, ou como um vestido que fosse intimamente unido a uma pessoa, sem que fizesse um com ela.
Daí tirava ele a conclusão de que a maravilha acontecida na gruta de Belém, onde Maria Santíssima deu à luz O Verbo Eterno, era um simples fato humano, que não tinha participação na divindade. Ela não podia ser chamada Mãe de Deus, mas sim mãe da pessoa humana de Cristo.
Essa é uma doutrina perigosa, porque com base nela pode-se destruir a doutrina da Redenção, pois leva a negar que foi Deus quem morreu em resgate pelo gênero humano, e dessa maneira os méritos da Paixão de Nosso Senhor não seriam infinitos.
E qual foi a solução para esse problema? Deus suscitou, para esmagar essa heresia, São Cirilo de Alexandria, chamado pela Igreja “o teólogo da encarnação”. Ele cunhou o feliz termo de união hipostática, para explicar como Deus se uniu à natureza humana no momento da virginal concepção da Santa Virgem. Assim, podemos dizer que o Verbo de Deus tem dois nascimentos: um eterno, quando gerado pelo Pai, e um outro no tempo, sendo concebido pela Virgem.
Eis algumas de sua palavras:
“Com efeito, não nasceu antes, da Santa Virgem, um homem qualquer, sobre o qual depois desceria o Verbo, mas se diz que (O Verbo), unido desde o útero materno, assumiu o nascimento carnal… Por isso, (os Santos Padres não duvidaram chamar a Santa Virgem Deípara (Mãe de Deus).” (D 251)
Graças à intervenção de São Cirilo, essa heresia pôde ser condenada no Concílio de Éfeso, que também é chamado o Concílio de Maria, porque nele se proclamou, com grande júbilo para todo o povo cristão da época, o principal dogma mariano: o da maternidade divina, em vista do qual Maria Santíssima recebeu todos os seus inúmeros privilégios como, por exemplo, o da Imaculada Conceição.
E os louvores a esse privilégio não cessaram com o Concílio. Os mariólogos não se cansam de explicitar novas doutrinas para honrar Maria enquanto Mãe de Deus.
Nos dizem eles, por exemplo, que uma vez que Nossa Senhora, como todas as mães, subministrou uma natureza semelhante à sua ao Divino Menino por Ela gerado, pode ser chamada Mãe de Cristo.
Ora, se Cristo é verdadeiramente Deus, chamá-La Mãe de Cristo é chamá-La Mãe de Deus, porque, assim como uma mãe não gera a alma de seus filhos, mas sim a natureza, Nossa Senhora não é chamada Mãe de Deus porque gerou a natureza divina do Verbo, mas porque gerou, segundo a humanidade, a divina pessoa do Verbo.
E uma vez que o sujeito da geração e da filiação não é a natureza, mas a pessoa, a divina pessoa do Verbo foi unida à natureza humana, subministrada pela Virgem Santíssima, desde o primeiro instante da concepção. Logo, Maria concebeu realmente e deu à luz segundo a carne à única pessoa que existe em Cristo, a segunda da Santíssima Trindade, portanto, deve ser chamada Mãe de Deus.[1]
Assim, podemos dizer com exultação, juntamente a Santo Agostinho: Caro Christi, caro Mariae; A carne de Cristo é a carne de Maria.
Tão excelso é esse dom dado por Deus a Ela, que São Tomás não hesita em afirmar que a dignidade Dela enquanto Mãe de Deus é de certo modo infinita:
“A humanidade de Cristo, por estar unida a Deus; a bem aventurança dos eleitos, que consiste na fruição de Deus, e a Bem-Aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm certa dignidade infinita em virtude do bem infinito, que é o próprio Deus.”
E um de seus mais colendos comentaristas, o Cardeal Caietano, escreve sem vacilar:
“A Bem-aventurada Virgem Maria chegou aos confins da divindade com sua própria operação, já que concebeu, deu à luz, engendrou e alimentou a Deus com seu próprio leite.”[2]
E esse privilégio da Santíssima Virgem foi convenientíssimo para nós, uma vez que Deus, tomando a natureza humana em uma mulher, ou seja, uma pessoa criada, e unindo-a de modo intimíssimo a Deus, da mesma forma que a natureza humana de Nosso Senhor se acha unida a Deus também do modo mais íntimo possível leva a pessoa humana a ser exaltada, na Virgem Santíssima, ao mais alto grau que se possa imaginar, a ponto de resvalar no infinito.[3]
Alessandro Cavalcante Scherma Schurig
[1] Fr. Antonio Royo Marín, Teologia de la perfección cristiana, B.A.C., Madrid, 1968, p.89. apud Pequeno ofício da Imaculada conceição comentado. Mons. João Clá Dias, Artpress, São Paulo, Sp, 1997, p.366
[2] Fr Royo Marín, op. cit. p.101-102 apud Pequeno ofício da Imaculada conceição comentado. Mons. João Clá Dias, Artpress, São Paulo, Sp, 1997, p.373
[3] Pe Roschini apud Pequeno ofício da Imaculada conceição comentado. Mons. João Clá Dias, Artpress, São Paulo, Sp, 1997, p.371.
olá!
Penso que se Deus tem mãe, ele é mais Deus do que o próprio Deus, o que seria um absurdo, e tiraria com isso a eternidade de Deus. Todo teólogo sério sabe que Jesus é o filho e não o Pai. Maria é mãe de Jesus, não de Deus. A teologia romana é equívoca nesse ponto.
Se entendi bem, você afirma que Jesus não é Deus, mas só o Pai é Deus, logo Maria é apenas Mãe de Jesus, e não Mãe de Deus, correto?
Mais do que um problema de teologia, isso é um problema de conhecimento e familiaridade com a Escritura. Com efeito, não é preciso ser teólogo para conhecer o trecho do evangelho de João: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30). Ou então o mesmo João em uma de suas epístolas: “Porque são Três os que dão testemunho no céu: o Pai, o Verbo, e o Espírito Santo; e estes três são uma só coisa” (1Jo 5, 7). Haveria ainda muitos outros trechos semelhantes, que omito por brevidade, nos quais você mesmo poderá, numa leitura mais atenta, reconhecer a revelação do mistério da Trindade de pessoas num só Deus. Por essas curtas passagens podemos saber que Jesus é tão Deus quanto o Pai, e devemos crer em suas palavras, mesmo que ultrapassem nossa capacidade de compreensão. “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna. Aquele, porém, que recusa crer no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanecer sobre ele.” (Jo 3, 35-36)
Uma vez que acreditemos nas palavras de Jesus sobre sua própria divindade, podemos passar ao cerne do problema que você levantou em seu comentário: a maternidade divina de Maria.
Ensina-nos a clássica filosofia de Aristóteles – talvez a que chegou mais próxima da perfeição em todos os tempos – que há uma distinção entre natureza e pessoa. À natureza corresponde a essência de alguma coisa. À pessoa corresponde a identidade de alguém. Ao perguntarmos “o que é isso?” respondemos que “é um homem” ou “uma mulher”; ao perguntarmos “quem é esse?” ou “quem é essa?” respondemos que é “Pedro, Paulo, João, Maria, Madalena”. Ora, a mulher que dá à luz um filho é mãe da natureza ou mãe da pessoa? Dos dois, pois são inseparáveis. Ninguém diz a uma mulher que ela é mãe apenas do corpo de Pedro, mas sim mãe de Pedro, de sua natureza e pessoa.
É exatamente a mesma coisa com Jesus. A sua Pessoa Divina assumiu a natureza humana nas entranhas de Maria: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós.” (Jo 1, 14) E, como vimos acima, ninguém é mãe apenas do corpo de seu filho, mas também de sua pessoa. Logo, quando Ela O deu à luz tornou-Se Mãe de Deus, já que a Pessoa Divina do Verbo uniu-se à natureza humana de Jesus. Claro que Ela não deu origem a Deus, nem à sua Pessoa Divina na eternidade. Seria falta de sabedoria afirmar isso. Mas Ela passou (note bem o verbo que utilizamos) a ser Mãe de Deus quando O deu à luz no tempo. São os maiores mistérios da Fé, a Trindade de pessoas em Deus e a Encarnação do Verbo, e nunca será possível entendê-los inteiramente. Resta-nos dobrar os joelhos com humildade diante da grandeza de Deus.
Embora um pouco longa (o tema exige essa seriedade) espero que nossa resposta possa ter-lhe sido útil e esclarecedora.
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