Como bem fizeram notar os Apóstolos[1], o Verbo eterno, que veio instruir e santificar os homens é o mesmo que os criou. O autor da Redenção do gênero humano é Ele mesmo o artesão do Universo. Consequentemente, se este Divino Ordenador do mundo julgou útil e necessário anunciar, no decorrer de todos os séculos, pela boca dos Profetas, a grande obra da salvação universal e sua misericordiosa vinda sobre a terra; se Ele predisse de mil maneiras diferentes e representou-Se sob vivas cores nos personagens do antigo Testamento, nos sacrifícios e nos ritos Mosaicos, em toda a história do povo hebreu; se Ele desse modo, dizemos nós, tem representado profeticamente e prefigurado o grande ato da libertação universal, sua Paixão, sua Ressurreição, a futura história do Testamento novo e os destinos de sua Igreja Católica; se Ele quis que os céus, a Terra e os Infernos anunciassem este mistério inefável, é porque quis desejar também que a própria Natureza, que é fruto de suas mãos, anunciasse igualmente, a seu modo, e figurasse também por meio de fenômenos físicos, os fatos evangélicos, que ele devia cumprir quando da fundação de sua nova Aliança.
Ora, conforme Doutores cristãos de nossa época, isto é precisamente o que fez o Verbo Divino.
Dizem eles, juntamente com vários antigos Sábios, que, por efeito de uma disposição providencial, a Natureza compreende em si uma espécie de filosofia e de profecia, de ritmo e de harmonia; que se trata de um fato incontestável; que vários verdadeiros filósofos da Antiguidade conseguiram descobrir, pelo menos em parte, os princípios e os mistérios contidos na marcha e no desenvolvimento do Universo. Existe até mesmo, acrescentam alguns, uma espécie de religião na natureza – não como o entendia a Antiguidade e como, ainda de nossos dias, o entendem certos filósofos; não neste sentido de que ela possa ser ela enquanto tal objeto de culto e homenagens – mas neste sentido, ao contrário, de que ela rende homenagens a seu Criador, proclamando seu poder e manifestando seus atributos divinos.
Como consequência desta religião que o Verbo Criador nela depositou, a natureza é uma profetiza, muda é verdade, mas inteligível aos espíritos sérios e atentos. As profecias que contém, só pode revelá-las por meio de símbolos externos. São estes símbolos cuja antiguidade procurava o sentido e a explicação nos oráculos (assim como hoje em dia há gente que pesquisa o magnetismo e o sonambulismo). A Natureza é uma profetisa que, conforme as leis da matéria, indica de antemão aquilo que se produzirá mais tarde em regiões mais elevadas; e contém profecias secretas e misteriosas que anunciam de antemão os acontecimentos que devem ocorrer.
É em virtude desta providência da Natureza que o nascimento do Redentor foi anunciado por uma estrela extraordinária ou pela grande constelação de todos os planetas, que levou a seu berço os Sábios do Oriente. Da mesma maneira fatos destes se passam em todo nosso sistema solar, até nos menores detalhes. O mundo exterior todo não é senão um reflexo do mundo interior e espiritual. As relações entre luz e trevas, de noite e de dia, os movimentos diversos dos grandes corpos da natureza indicam na natureza mortal uma lei mais elevada que deve produzir-se na história e governá-la.
A história da humanidade se divide em três partes correspondentes ao triplo caráter da personalidade humana; a saber, a história da Igreja ou do Reino de Deus, a do Estado ou da Sociedade civil, e a da Natureza propriamente dita. Mas, nestas três regiões sobrepostas umas às outras, cada uma está para a que lhe é superiora, como um véu, que a envolve e a protege.
Assim, a natureza, que forma como que a base deste edifício misterioso, contém e nos apresenta no estado plástico, ou revestido das condições da materialidade, aquilo que se passa no segundo grau no domínio moral, o qual envolto ele próprio pela natureza envolve por sua vez e contém uma esfera mais íntima e mais alta onde se encontra o centro de toda a História. De tal modo é o sol, que ilumina este mundo, que é o símbolo natural do Redentor que o iluminou e salvou, cujos sofrimentos e combates deste se refletem naquele como numa imagem que se reproduz continuamente ante nosso olhar.
Assim é que nossas festas eclesiásticas são também festas da natureza e são ao mesmo tempo festas do céu, pois que a ordem natural e a ordem espiritual estão numa relação contínua. Festejamos o Natal no momento em que o sol retorna [no hemisfério Norte], e que chega ao termo de seu ciclo para recomeçar outro. O nascimento do Salvador anuncia o fim dos tempos antigos e o início dos tempos novos. Festejamos a Anunciação nos primeiros dias da primavera [no hemisfério Norte], Páscoa quando a natureza ressuscita de seu túmulo e a Ascensão quando as primeiras flores brotam da terra.
As festividades da Antiga Aliança, em parte, já eram festas históricas e naturais, ligadas por vínculos íntimos às diversas épocas do ano. Assim é que a Natureza acompanha sempre e anuncia novamente, a cada ano, o grande acontecimento que salvou o mundo.
O passado inteiro constitui um prelúdio e uma imagem profética do porvir, e mesmo do presente. Todas as religiões, a própria mitologia são profecias da Revelação, da qual são apenas um reflexo mais ou menos claro. Deus as obriga a homenagearem Jesus Cristo, assim como Ele forçava as Pitonisas [a dizerem coisas verdadeiras] ou ainda como obrigava outrora o magnetismo e o sonambulismo.
Jesus Cristo é o centro da história da humanidade; a história universal não é senão uma revelação contínua do Verbo. Segundo Clemente de Alexandria, na vida de Jesus Cristo cumpriu-se por meio de prelúdios e de tipos proféticos, o drama da história do mundo. Em outros termos, a história da natureza, a do mundo dos espíritos, a do antigo povo típico, a da humanidade inteira, não são, no fundo, senão a história da Encarnação refletida e desenvolvida.
O Cristianismo possui desta forma todas as características de uma Revelação central − a unidade, a universalidade, a simplicidade e uma fecundidade tal que inúmeros séculos de reflexões e de pesquisas não puderam esgotá-la. Por sua vez, a ciência à medida que se aprofunda neste abismo descobre profundezas novas, infinitas, o que confere ao Cristianismo a marca da divindade e, a suas demonstrações, a da perfeição.
Em sua Vida de Jesus Cristo, J.N. Sepp[2] cita uma abundância de exemplos e de provas, que definem que a época do advento de Jesus Cristo é o grande termo onde se encontram, como por um concurso maravilhoso e profético, todas as datas das histórias dos diversos povos, de suas cronologias, das idades admitidas pelas diferentes nações da terra, todos os grandes períodos do tempo, todos os enigmas dos números, da astronomia e da mitologia da antiguidade. Todas confirmavam, como natural, a época da Redenção.
Eis porque Tertuliano e os Padres da Igreja viam em toda a natureza símbolos misteriosos da Ordem do Novo Testamento, e notadamente o sinal da Redenção. A seus olhos também a natureza parecia profetizar.
Assim, os Antigos descobriam um motivo de edificação lá onde filósofos modernos encontram uma pedra de escândalo… A maravilhosa harmonia da Ordem da natureza com a da Revelação oferece, pois, uma homenagem mais digna ao Verbo Divino, tornando esta homenagem mais universal, alargando a ideia cristã, abrindo-lhe um horizonte mais amplo, mais proporcionado à grandeza soberana do Criador de todas as coisas.
A história da humanidade, considerada seja em seu conjunto, seja em seus principais personagens, não é senão uma profecia contínua do aparecimento, dos destinos e da vida histórica dAquele que fora prometido ao mundo.
Certos autores, (como o supra-citado J. N. Sepp, Professor de História na Universidade de Munique, Alemanha), percorreram a Terra e descobriram em cada povo um tipo mais ou menos próximo ao do Messias. E demonstram como cada povo, profundamente penetrado ou pelas profecias que anunciavam um Salvador para o mundo, ou por ações da vida temporal deste divino Libertador, as reuniram ou aplicaram, em parte ou na integralidade, na vida de seus chefes ou de seus principais personagens. Estes lhes aparecem como Salvadores que cumpriam na ordem natural, aquilo que Cristo devia realizar mais tarde ou até mesmo já tinha realizado, na ordem espiritual, e que preparavam antecipadamente, pela formação de grandes impérios, esta unidade divina que devia um dia unir na mesma fé, e debaixo da mesma autoridade, todos os povos da terra.
Por toda parte deparavam-se com os principais traços da vida do Redentor: Anunciação, nascimento de uma Virgem, etc., até mesmo a Ascensão do Fundador.
Esta concordância se encontra entre todas as nações do Universo, tanto no Oriente, como no Ocidente, tanto no concernente à realidade da promessa divina, quanto à realidade da história de Cristo, que acompanhou os oráculos e deu lugar a todas as tradições da antiguidade; no fundo, semelhantes e diferentes apenas pelas circunstâncias acessórias e na aplicação.
Tradições e histórias estas um tanto diferentes que foram o fundamento da poesia, das crenças e das ideias de todos os povos.
Assim sendo, se desde há perto de seis mil anos [época da criação do homem, segundo o autor, e de crença aceita em geral] o mundo inteiro se tivesse enganado em sua fé e em sua memória, o que sobraria de veraz e de certo no tocante ao espírito humano?
Sirva este gênero de testemunho para corroborar e completar o grande número daqueles que já se encontraram, por outras vias, com Nosso Senhor Jesus Cristo.
Senhor como vosso nome é admirável em todo o Universo! (Sl 8,2).
Fonte: Histoire de Jésus-Christ, de la Ste. Vierge, des Apotres et de l´Église prophétiquement préfiguréee dans les faits et dans les personnages
typiques de l´Ancien Testament, 1874.
Abbé Stéphane Maistre
Facsimilé : Bibliothèque Saint Libère, 2007. Pp. 434-441
http://www.liberius.net
(Resumo e tradução por Guy de Ridder)
[1] Jo, c.1
[2] SEPP, Johann Nepomuk. Vie de Jésus-Christ. Traduzido do alemão por Charles Sainte Foi. Paris: 1861, Librairie Poussielgue-Rusand.
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