Flávio Roberto Lorenzato Fugyama

As belas e magníficas catedrais góticas que superabundam na Europa, durante todo o ano são visitadas por milhões de pessoas: piedosos peregrinos e devotos fiéis; dedicados estudantes, arquitetos, engenheiros e artistas; e sobretudo curiosos turistas. Pessoas do mundo inteiro afluem a estes monumentos da Cristandade e observam, analisam, estudam, sobretudo admiram cada detalhe que os medievais deixaram nestes legados que são os mais belos edifícios construídos pelos homens ao longo dos séculos.Reims_Kathedrale

Sem dúvida, um dos elementos que mais atraem nessas catedrais são os vitrais. Verdadeiras obras de arte que até nossos dias produzem encantos e curiosidades nos espíritos mais finos e abalizados no assunto. Mas, não só: recordando ensinamentos evangélicos e fatos das Histórias Sagrada e da Igreja, os vitrais são objeto de piedade para o povo cristão. Aquela junção de pequenos pedacinhos de vidro coloridos, facilmente grava-se nos corações e nas mentes: mais do que iluminados com a luz do sol filtrada e tingida pela feeria multicolor dos vitrais, os visitantes saem com a alma iluminada pelo sol da graça divina.

Esses vitrais, maravilhas da arte material, constituem um mero símbolo de uma realidade muito mais elevada e nobre. A Igreja Católica é como um desses imensos e lindos vitrais compostos por pedacinhos de vidro, seus membros, mas formando um único vitral.

Apesar de se apresentar com uma grande diversidade, que provém ao mesmo tempo da variedade dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem, é da própria essência da Igreja ser una. Em primeiro lugar, por sua fonte: “a unidade de um só Deus na Trindade de Pessoas, Pai e Filho no Espírito Santo”[1]. Em segundo lugar, por seu Fundador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que “por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus, restabelecendo a união de todos em um só Povo, em um só Corpo”[2]. E, por fim, a Igreja é una por sua alma, o Espírito Santo, pois Ele, “que plenifica e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e os une tão intimamente em Cristo, que ele é o princípio de Unidade da Igreja”[3]. Assim, com razão pôde São Clemente de Alexandria exclamar tão bela e poeticamente a respeito desse “mistério sagrado da unidade da Igreja”[4]: “Que estupendo mistério! Há um único Pai do universo, um único Logos do universo e também um único Espírito Santo, idêntico em todo lugar; há também uma única virgem que se tornou mãe, e me agrada chamá-la Igreja”[5]Eyneburg

Mas, essa unidade da Igreja, como sói acontecer com tudo o que há de bom na ordem do universo, sem cessar é ameaçada pelo pecado e pelo peso de suas consequências[6]. Mas, assim como cometeria um crime hediondo contra um patrimônio histórico, a arte e a piedade popular quem, por ódio àquela esplendorosa ordenação de caquinhos, atirasse uma pedra para destruí-la; muito mais criminoso seria quem atentasse contra a unidade da Igreja Católica. E, por isso, São Paulo nos exorta a “conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”[7].

Evidentemente, isso se dá, antes de tudo, pela caridade “que é o vínculo da perfeição”[8]. Sem embargo, contra os variados ataques que contra ela se podem fazer, a unidade da Igreja peregrinante é também assegurada por vínculos visíveis de comunhão”[9], os quais vamos considerar a seguir.

Uma forma de atacar essa unidade essencial da Igreja Católica é através da heresia, porque a Igreja Católica é una, em primeiro lugar, por sua unidade na Fé: Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Fundador, encarnou-se e passou sua vida pública ensinando e pregando uma única doutrina verdadeira; pelo seu oferecimento no madeiro da cruz “reconciliou todos os homens com Deus, restabelecendo a união de todos em um só Povo, em um só Corpo”[10]; e todos os católicos de quaisquer quadrantes do mundo, desde os tempos apostólicos até os dias de hoje, independentemente da raça ou cultura, confessam e professam um único Credo, “admitem as mesmas verdades, os mesmos preceitos, os mesmos conselhos evangélicos”[11]. Em suma, a unidade na Fé se resume nas palavras do Apóstolo: “um só Deus, uma só Fé, um só Batismo”[12].Emblem_of_Vatican_City copy

Quem, por qualquer motivo, não aceita algo revelado, ou ensinado pela Igreja como verdade de Fé, vai contra o princípio que mantém essa unidade de fé que possui a  Igreja Católica, que é sua própria autoridade: “todo católico deve aceitar os dogmas ensinados por ela, sob pena de ser excluído como hereje. Negar um só artigo de fé é apartar-se da comunhão da Igreja”[13].

Ademais, a Igreja é una pelo culto que presta ao único Deus. Pois, Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou aos homens um único modo de adoração e louvor ao Pai. “As partes essenciais do culto: a oração, o sacrifício, os sacramentos, são idênticos em todas as partes. As variações de rito são puramente acessórias”[14].

Qualquer criança que nasça numa família católica, independente da classe social ou dos ancestrais, pode ser filha de um grande imperador ou do mais simples e modesto dos homens, enfim, as diferenças que a circunscrevem podem ser enormes: sendo batizada, ela recebe a graça santificante e integra-se na Igreja Católica, passando a fazer parte da família de Deus. Receberá, a partir de então, os mesmos e idênticos sacramentos que são administrados a todos os católicos – evidentemente, conforme a vocação específica que lhe tenha sido confiada por Deus, como, por exemplo, o sacramento da ordem que só é conferido a algumas almas especialmente eleitas por Deus para o seu serviço e do povo cristão, ou o matrimônio, do qual excetuam-se os religiosos de vida consagrada, e, no rito ocidental, todos os clérigos.

Além disso, em qualquer altar da face da Terra, onde haja um padre para celebrar a Santa Missa, seja na mais singela capela, seja na mais bela igreja, renovar-se-á o único e o mesmo sacrifício de Jesus Cristo, sendo rezadas as mesmas orações e utilizado o mesmo missal.

Por outro lado, há mais uma característica visível que mostra a unidade da Igreja Católica: seu governo. Nosso Senhor Jesus Cristo, durante sua vida pública, criou várias parábolas para exemplificar o relacionamento dos fiéis sob sua direção, como esta: “Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem a mim, como meu Pai me conhece e eu conheço o Pai. Dou a minha vida pelas minhas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco. Preciso conduzí-las também, e ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor”[15].

Contudo, Nosso Senhor Jesus Cristo partiu para o céu, não sem antes deixar um representante legítimo: o Papa, “Cabeça suprema e visível da Igreja”[16]. E a este homem, Nosso Senhor Jesus Cristo entregou, na pessoa de Pedro, o poder de conduzir o rebanho de Deus: “Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas”[17]. Assim, é ele “o perpétuo e vísivel princípio e fundamento da unidade, quer dos bispos quer da multidão dos fiéis”[18].

Nessa magnífica Hierarquia, da qual o Papa é a cabeça, todos os católicos estão ligados entre si: os fiéis aos seus sacerdotes, estes aos seus bispos e os bispos ao Papa. Essa grande e una família  é a Igreja Católica Apostólica Romana, o rebanho do qual fala Nosso Senhor em sua parábola.

Mas, é preciso recordar que na parábola do Divino Mestre existe um mercedário e um ladrão[19]que não amam verdadeiramente o rebanho, e à vista do menor risco abandonam as ovelhas aos dentes dos lobos. Tais são aqueles que não reconhecem a autoridade do Sumo Pontífice e tomam para si o encargo de guiar os fiéis, sem ter para isso a legítima autoridade. Ora, “rechaçar a autoridade dos pastores legítimos, e particularmente a do Pastor Supremo, é romper a unidade do governo: é o Cisma”[20].

Portanto, os três vínculos visíveis que salvaguardam a unidade da Igreja são “a profissão de uma única fé recebida dos Apóstolos; a celebração comum do culto divino, sobretudo dos sacramentos; e a sucessão apostólica, através do Sacramento da Ordem, [que] custodia a concórdia fraterna da família de Deus”[21] através de seu governo[22].

Ao longo da história muitos tentaram romper essa unidade, que é uma das notas distintivas da verdadeira Igreja de Jesus Cristo, com o fim de destruí-la. Porém, todas essas tentativas fracassaram, pois “a Igreja não pode ser destruída, nem mesmo pelos seus perseguidores. Pelo contrário, quando foi perseguida, cresceu mais”[23].

Entretanto, apesar de perseguida e atacada em sua unidade, a Igreja procura, com o zelo do pastor[24], buscar aquelas ovelhas que por algum motivo se desgarraram do verdadeiro rebanho. Por isso, está sempre rezando e trabalhando “para manter, reforçar e aperfeiçoar a unidade que Cristo quer para Ela”[25].

Cabe, portanto, a nós, pastores e fiéis, como filhos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, unir todos os nossos esforços, trabalhos e orações aos de Nosso Senhor Jesus Cristo e aos da própria Santa Mãe Igreja nessa busca da perfeita unidade do povo cristão, para “que todos sejam um”[26]. De que modo? Afastando-nos do pecado e praticando a virtude, pois “onde estão os pecados, aí está a multiplicidade, aí o cisma, aí as heresias, aí as controvérsias. Onde, porém, a virtude, aí a unidade, aí a comunhão, em força da qual os crentes eram um só coração e uma só alma”[27].

Nessa busca da perfeita unidade do povo cristão estão incluídos os esforços de pastores e fiéis que devem trabalhar e orar com Nosso Senhor Jesus Cristo para “que todos sejam um”[28].


[1] II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91-92.

[2] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101.

[3] II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91..

[4] II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91..

[5] Clemente de Alexandria, Paedagogus 1, 6, 42: GCS 12, 115 (PG 8, 300).

[6] Cf. CIC 814.

[7] Ef 4,3.

[8] Cl 3,14.

[9] CIC 814.

[10] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101.

[11] P. A. Hillaire. La Religión demostrada: los fundamentos de la fe católica ante la razón y la ciência. 8. ed. Argentina. Buenos aires: Editorial difusion.  p 344

[12] Ef 4, 5

[13] P. A. Hillaire. La Religión demostrada: los fundamentos de la fe católica ante la razón y la ciência. 8. ed. Argentina. Buenos aires: Editorial difusion. p 344

[14] P. A. Hillaire. La Religión demostrada: los fundamentos de la fe católica ante la razón y la ciência. 8. ed. Argentina. Buenos aires: Editorial difusion.  p 344

[15] Jo 10, 14-16

[16] P. A. Hillaire. La Religión demostrada: los fundamentos de la fe católica ante la razón y la ciência. 8. ed. Argentina. Buenos aires: Editorial difusion. p. 377.

[17] Jo 21, 17

[18] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 27.

[19] Cf. Jo 10, 10 12

[20] P. A. Hillaire. La Religión demostrada: los fundamentos de la fe católica ante la razón y la ciência. 8. ed. Argentina. Buenos aires: Editorial difusion. p 342)

[21] CIC 815.

[22] Cf. P. A. Hillaire. La Religión demostrada: los fundamentos de la fe católica ante la razón y la ciência. 8. ed. Argentina. Buenos aires: Editorial difusion.  p. 344-345.

[23] O Credo. São Tomás de Aquino. Petropolis: Vozes, 2006. Tradução: Armindo Trevisan. p. 91.

[24] Cf. Lc 15, 4

[25] CIC 820.

[26] Jo 17, 21

[27] Orígenes, Hom. in Ezech. 9,1.

[28] Jo 17, 21