Lucas Antonio Pinatti

Quantas e quantas vezes, ao pensar sobre a situação do mundo ou a respeito dos sofrimentos da vida presente, o leitor já não terá sido levado a achar que Deus está como que ausente e incapaz de impedir o mal. Desta forma, a fé em Deus Pai todo-poderoso pode ser posta à prova pela experiência do mal e do sofrimento[1].

Todavia, de todos os atributos divinos só a onipotência de Deus é nomeada no Credo: confessá-la é de grande alcance para a nossa vida. Que significa ser Deus Pai Todo-poderoso? Acreditamos que a onipotência de Deus é universal, porque foi Deus quem tudo criou, tudo governa e tudo pode (Cf. Gn 1,1; Jo 1,3); amorosa, porque Deus é nosso Pai (Cf. Gn 1,1; Jo 1,3); misteriosa, porque só a fé a pode descobrir, quando “ela atua plenamente na fraqueza” (2Cor 12,9; 1Cor 1,18).

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As Sagradas Escrituras confessam, a cada passo, o poder universal de Deus. Ele é chamado “o Poderoso de Jacó” (Gn 49,24; Is 1,24: etc.), “o Senhor dos Exércitos”, “o Forte, o Poderoso” (Sl 24,8-10). Se Deus é onipotente “no céu e na terra” (Sl 135,6), é porque foi Ele quem os fez. Portanto, nada Lhe é impossível (Cf. Jr 32,17; Lc 1,37). Ele dispõe à vontade da sua obra (Jr 27,5). Ele é o Senhor do Universo, cuja ordem foi por Ele estabelecida e Lhe permanece inteiramente submissa e disponível. Ele é o Senhor da História, governa os corações e os acontecimentos segundo a sua vontade (Cf. Est 13, 9; Pr 21,1;Tb 13,2). Por isso se lê no Livro da Sabedoria: “O vosso poder imenso sempre vos assiste – e quem poderá resistir à força do Vosso braço?” (Sb 11,21).

Porém, diante de nossos olhos, o mal e o pecado parecem de fato uma sombra sobre o poder de Deus. Isto se deve ao fato de que Deus atribui às criaturas parcelas de poder e respeita esta capacidade de atuar independentemente. As criaturas racionais não são meras marionetes, nem escravas de um instinto predeterminado como os animais; são, isto sim, capazes de amar a Deus, mas também de ofendê-Lo. Os anjos e os homens, devido à capacidade de inteligir e em consequência querer ou rejeitar o que entenderam, são imagens de Deus poderoso e livre[2]. Ainda que tanto os Anjos quanto os homens possam optar por ofender ao seu Criador, a Onipotência divina é glorificada,pois Deus não é um ditador das vontades de suas criaturas, mas tolera o mal no mundo por respeitar seu próprio desígnio de liberdade.

Por essa razão, considerando superficialmente a situação do mundo, o Onipotente parece aos nossos olhos não intervir, mas esta ativa discrição se explica pelo fato de Deus querer dar o exemplo de humildade, agindo discretamente na História, de tal forma que somente aqueles que têm fé podem discerni-lo nas entrelinhas dos acontecimentos humanos.

O que Deus pode?

A onipotência divina se reveste do invólucro da humildade, sem perder todavia nada de sua força e seu poder absoluto. Nesse sentido, a onipotência de Deus é o atributo mais relacionado com sua infinita grandeza e total superioridade em relação a todas e cada uma das criaturas.

Para melhor compreendermos a profundidade e a amplitude do poder divino, comparemo-lo, pois aos poderes humanos: quanto mais uma pessoa é poderosa, mais goza de dignidade, prestígio e valor. Ao contrário, a ausência de poder, a impotência, diminui a grandeza de uma pessoa.

O poder possui graus. Existe o poder individual, que pode ser físico (alguém que é muito forte ou muito ágil), moral (um líder natural ou alguém que pratica seu ensinamento com coerência, gozando assim de influência sobre os demais), ou, ainda, intelectual (pelo fato de alguém conhecer mais que outros, podendo assim ser útil como mestre e conselheiro). Existe também o poder social, que pode ser político, econômico e religioso, poderes pelos quais alguém não exerce uma ação individual, mas sobre uma sociedade.

Observa-se que o poder físico ou exterior é incerto e aleatório. Um homem forte pode perder a luta contra um homem armado. Um político pode morrer na miséria e no mais completo anonimato. O poder econômico está sujeito aos movimentos de câmbio, aos fatores climáticos e à criminalidade.

02Por outro lado, o poder espiritual ou interior, está enraizado de modo mais próprio no próprio ser. Daí verifica-se a superioridade do poder daquele que, por exemplo, é mais inteligente ou sábio, sobretudo daquele que possui as virtudes morais. Pois, segundo São Tomás, “quanto mais excelente a pessoa, maior o poder”[3]. Como Deus é o ser perfeitíssimo e máximo, com supremo valor pessoal, possui em consequência o máximo poder: a onipotência. Ademais, existe perfeita identidade do poder e do ser de Deus. Deus é poder.

Qual é o auge do poder divino?

Para Battista Mondin, “o Universo, é um pequeno espelho do poder de Deus”[4]. De fato, a Bíblia ensina que Deus não tem necessidade de nada preexistente, nem de qualquer ajuda, para criar (Cf. Sb 9,9). A criação tampouco é uma emanação necessária da substância divina como se cada átomo do universo fosse uma partícula de Deus, como se tudo fosse divino (panteísmo)[5]. Deus cria o Universo “do nada”[6]por puro desígnio de bondade, pois sendo Ele plenamente feliz em si mesmo, não necessitava criar.

Sobre o auge do poder de Deus, que é criar, São Teófilo de Antioquia pergunta-se: “Que haveria de extraordinário, se Deus tivesse tirado o mundo duma matéria preexistente? Um artista humano, quando se lhe dá um material, faz dele o que quer. O poder de Deus, porém, mostra-se precisamente quando parte do nada para fazer tudo o que quer”[7]. O auge da onipotência divina é criar tudo do nada.

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Deus poderia criar um mundo mais perfeito?

Quando nos deparamos com certas coisas feias da criação, por exemplo, a vileza de um sapo, o caráter ameaçador da serpente, a ausência de vida na pedra ou a sujeira da terra, indagamos: Deus não poderia criar um mundo melhor? Ademais, se Deus assim o fizesse, quão bom seria um mundo sem crimes e sem maldade…

Todavia, é necessário considerar o fato de que alguns seres são inanimados e outros vivos, ou ainda que a serpente é menos atraente que um gatinho, o que se deve à hierarquia da obra de Deus e não por uma falta de bondade nas criaturas inferiores. As criaturas menos perfeitas são boas em si mesmas, mas não tão excelentes quanto às outras.

A carência relativa das criaturas em nada fere a onipotência de Deus. Além disso, a impossibilidade de Deus criar, por exemplo, um círculo quadrado, também não desdoura a onipotência divina, porque o absurdo e o contraditório não podem existir, não são possíveis de serem criados. Ao contrário, isto glorifica o poder razoável e pleno de sabedoria da onipotência de Deus[8].

São Tomás de Aquino explicava que absolutamente falando (em teoria), dado que a imaginação de Deus é inesgotável, poderia criar sempre Universos mais perfeitos. Porém, na ordem das coisas, criou o mais conveniente, o mais apropriado de tal sorte que criou o melhor considerado no seu conjunto.

Porque podeis tudo, de mim vos compadeceis

Alguém poderia pensar que esta onipotência de Deus eleva o Criador ao píncaro da grandeza, de tal forma que afasta de Si o pobre pecador no abismo de sua pequenez. Deus parece assim um ditador malvado que legisla segundo seus caprichos, abandonando os homens aos seus destinos. Esta forma errada de compreender a onipotência divina pode tornar a relação do homem com Deus fria e distante.

São Tomás observa que a onipotência divina não é de modo algum arbitrária: “Em Deus, o poder e a essência, a vontade e a inteligência, a sabedoria e a justiça, são uma só e a mesma coisa, de modo que nada pode estar no poder divino que não possa estar na justa vontade de Deus ou na sua sábia inteligência”[9].

Além disso, a Igreja ensina que “Deus é o Pai todo-poderoso. A sua paternidade e o seu poder se glorificam mutuamente. Com efeito, Ele mostra a sua onipotência paterna pelo modo como cuida das nossas necessidades (cf. Mt 6,32); pela adoção filial que nos concede, ‘serei para vós um Pai e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor todo poderoso’ (2Cor 6,18); enfim, pela sua infinita misericórdia, pois mostra o seu poder no mais alto grau, perdoando livremente os pecados”[10].

Por mais que não percebamos os desígnios de Deus nos sofrimentos e males da vida presente, o adágio popular “Deus escreve certo em linhas tortas” nunca foi desmentido. Só a fé pode aderir aos caminhos misteriosos da onipotência de Deus. Esta fé se gloria nas suas fraquezas, para atrair a si o poder de Cristo (Cf. 2Cor 12,9; Fl 4, 13). 04 Desta fé em Deus onipotente torna-se modelo supremo a Virgem Maria, pois acreditou que “a Deus nada é impossível” (Lc 1,37) e pôde proclamar a grandeza do Senhor: “O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas; Santo é o seu nome” (Lc 1,49).

O poder do crucificado

Narra Giacomo della Voragine na Legenda Dourada que São Cristovão, antes de sua conversão, procurava servir o maior potentado da terra. Tendo peregrinado por vários reinos, servira diversos monarcas, até chegar o ponto de sujeitar-se ao julgo do próprio demônio. Certo dia, caminhando com o espírito mau se deparou com um crucifixo erguido no alto de uma ermida. Diante do símbolo supremo de Cristo, o demônio fugiu explicando que contra o crucificado não possuía qualquer poder.Cristovão de converteu porque viu que Deus Filho na Cruz demonstrou seu supremo poder ao vencer o demônio e o pecado[11].

Deus Pai revelou a sua onipotência na humilhação voluntária e na ressurreição de seu Filho. Através desse mistério, Cristo venceu o mal e manifestou em plenitude a onipotência divina. Por isso, o Apóstolo São Paulo ensina que Cristo crucificado é “força de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,25). Foi na ressurreição e na exaltação de Cristo que o Pai “exerceu a eficácia da sua poderosa força” e mostrou a “incomensurável grandeza que representa o seu poder para nós, os crentes” (Ef 1,19-22). 05

De modo semelhante a Jesus Crucificado, o cristão participa do poder de Deus na dor transformando-se em outro Cristo ao unir-se a Ele através das grandes e pequenas cruzes da vida cotidiana. Pela paciente e amorosa aceitação dos sofrimentos presentes poderemos um dia e para sempre com Ele reinar.

Ainda mais, ensina o catecismo que “nada é mais próprio para firmar a nossa fé e a nossa esperança do que a convicção, profundamente arraigada nas nossas almas, de que nada é impossível a Deus. Tudo o que o Credo seguidamente nos propõe para crer, as coisas maiores, as mais incompreensíveis, bem como as mais sublimes e que estão mais acima das leis ordinárias da Natureza, basta que a nossa razão tenha a ideia da onipotência divina para admiti-las facilmente e sem qualquer hesitação”[12].

A onipotência divina nos convida a crer não somente nos desígnios de Deus a nosso respeito, mas em querer transmitir ao mundo a Boa-Nova do Evangelho. A onipotência divina é o penhor da vitória do Reino de Deus em todas as nações da Terra, para todas as situações da sociedade, para todos os dramas da vida de cada homem.


[1] Cf. Catecismo da Igreja Católica, 272.

[2] Cf. MONDIN, Batista. Quem é Deus?Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1997. p.  328.

[3] São Tomás de Aquino. Suma Teológica. 1,25,3.

[4] MONDIN, Batista. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1997. p.  326.

[5] Cf. I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002; I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, De DeorerumomniumCreatore, canones 1-4: DS 3023-3024.

[6] IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De fide catholica: DS 800; I Concílio do Vaticano. Const.dogm. Dei Filius, De Deo rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025.

[7] São Teófilo de Antioquia, Ad Autolycum, 2. 4; SC 20. 102 (PG 6. 1052).

[8] Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, R. Dios. La naturaleza de Dios. Tradução de  José San Román Villassante. 2 ed. Madrid: Palabra, 1980. p. 111.

[9] São Tomás De Aquino, Suma Teológica 1, q. 25, a. 5, ad 1: Ed Leon. 4, 297.

[10] Catecismo da Igreja Católica, 270.

[11] Cf. Jacques de Voragine. Légende Dorée. Paris: Garnier-Flammarion, 1967.

[12] Catecismo Romano I, 2, 13, p. 31.