Continuação…

Correções dos homens

“Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás ganhado teu irmão”. (Mt 18,15) De tal maneira a correção é necessária que Deus não se contenta em nos corrigir por meio de provas e tempestades, mas quer que uns aos outros se corrijam mutuamente.

O corrigir um irmão torna-se uma obrigação com estas palavras do Salvador, pois se a correção é um instrumento tão útil para a nossa salvação, devemos utilizá-lo em benefício de todos a quem possamos ajudar.

“Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. (Cf. Mc 12,30-31) Se desejamos que Deus nos corrija, devemos pôr em prática o mandamento que nos foi entregue por Nosso Senhor e fazer pelos outros aquilo que desejamos para nós. “Com a mesma medida que medirdes sereis medidos”. (Lc 6,38)

Os que mais têm a obrigação de pôr em prática estes divinos preceitos do Mestre são aqueles que têm responsabilidade por outras almas. Os superiores que não corrigem seus subalternos estão em grave risco de condenação eterna.

O empenho que nós devemos ter de salvar um irmão deve estar penetrado de zelo. Não devemos abandoná-lo após algumas tentativas sem resultado, mas fazer todo o possível, até o fim. É preciso insistir.

Claro está que tudo isso deve ser feito com muito afeto, com total isenção de ânimo, mas com a força e a dureza necessária para tirá-lo da situação de risco em que se encontre. Devemos até utilizarmo-nos do instinto de sociabilidade, como recomenda o Mestre: “Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, afim de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas”. (Mt 18,16)

Raiva ou demonstração de amor?

Como pode ser reflexo de amor uma repreensão severa e dura, objetará alguém. “Aquele que poupa a vara a seu filho o odeia; aquele que o ama, corrige-o continuamente.” (Pr 13, 24).

Quando nós vemos alguém andando em direção a um precipício distraidamente será sinal de ódio adverti-lo? É óbvio que será demonstração de grande afeto e estima impeli-lo com violência para direção oposta, a gritos se for necessário, ainda que este coitado esteja convicto de que caminha no rumo certo.

Quão maior será a demonstração de carinho advertir alguém que está, por ignorância ou culpa, colocando em risco sua salvação eterna, desviando-se das sendas da virtude e degringolando nas vias do pecado.

Portanto, é falta de ternura deixar de aplicar a correção, julgando que com essa omissão pouparemos alguma amargura de quem necessita de advertência. Assim se expressa sobre esta questão o famoso Cornélio a Lápide: “Quem tem excessiva indulgência para com seu filho, é o seu mais cruel inimigo. Assim, pais e mães, se amais vossos filhos, aplicai-lhes a vara das correções, para não acontecer que eles vão parar no inferno; se os livrais daquelas, será para condená-los a este. Escolhei!”. E ainda: “Quantos filhos, no inferno, maldizem seus pais (…) “Compreende-se o ódio desses desgraçados, porque tais pais lhes deram, não a vida, mas a morte; não o céu, mas o inferno (…)”.[1]

De maneira mais pitoresca encontramos o mesmo princípio de sabedoria já na antiguidade. Plutarco afirma que “nós deveríamos pagar bem aos nossos adversários porque dizem as verdades a nosso respeito. Os amigos, segundo ele, só sabem bajular, adular e lisonjear.”[2]

Infelizmente essa é a realidade. Quantos de nossos melhores amigos, por sentimentalismo ou covardia, omitem as correções que merecemos. E que só as descobrimos quando um inimigo no-las diz em face e sem amor, quando as deveríamos conhecer com o carinho e afeto num momento propício, com o estímulo necessário para corrigirmos nossos defeitos.

Verdadeira caridade e estima é corrigir sempre aqueles que amamos. E para pôr em prática esta virtude, nosso zelo deve estar cheio de fervor, e nossa isenção de ânimo deve ser absoluta, atitude fundamental para obter os resultados esperados pela correção, a fim de “ganharmos nosso irmão”.

E qual a atitude perfeita de quem recebe a correção?

Continua na próxima semana…


[1] LAPIDE, Cornelius a. Comentaria in Scripturam Sacram.

[2] Cf. PLUTARCO, De capienda ex inimicis utilitate.