Dizem os franceses, com seu admirável espírito de síntese, que “a saúde é um estado precário que sempre termina mal”. Esta indiscutível realidade é uma triste consequência do pecado original, pois no paraíso o homem era dotado de dons que o livravam do sofrimento, e mais ainda da morte. Estes dons não faziam parte da natureza humana, já que lhe é inerente a dor, a corrupção e a morte, mas eram uma dádiva de Deus, que constituíam para o homem uma verdadeira preciosidade, dentro do equilíbrio de sua natureza inocente e pura.

Com o pecado cometido por Adão e Eva, a humanidade, constituída apenas por eles, perdeu estes dons. O homem passou a ganhar o pão de cada dia com o suor de seu rosto, o sofrimento passou a estar inerente à sua vida de todos os dias, a morte começou a imperar sobre o mundo. Muito pior do que isso, o homem ficou escravo do pecado e de suas próprias paixões e instintos desregrados. As portas do Céu se fecharam para a humanidade.

Entretanto, Deus que nos ama com infinito amor, prometera a Adão que uma mulher de sua descendência esmagaria a cabeça da serpente tentadora.[1]

“Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim a vossa palavra”. Foi, com efeito, por meio do “Fiat[2]” de Maria que Deus realizou esta promessa. O demônio foi derrotado, a humanidade foi libertada do triste julgo do pecado. “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

No augusto momento da Encarnação começou a obra redentora da salvação da humanidade, que culminou na Paixão e Morte de Jesus. Na Cruz, Jesus nos obteve a reconciliação com Deus, livrou-nos da escravidão ao pecado, abriu-nos as portas do céu, e deixou-nos a Santa Igreja Católica. Tudo isso começou com o “Fiat” de Maria.

Que Maria é Mãe de Deus, não cabe dúvida. Cremos firmemente que Jesus é Deus e homem, pois possui a natureza divina e a humana ao mesmo tempo, e uma única Pessoa, a divina. Ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Maria sendo mãe de Jesus, é Mãe de Deus, pois é mãe da Pessoa inteira e não apenas do corpo de Jesus.

Mas porque dizemos que Ela é também Mãe da Igreja? Alguém pode ser mãe de uma instituição? Podemos dizer que a mãe do dono de uma empresa é mãe da empresa?

A resposta é muito simples. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, tal como diz o Apóstolo quando fala de nossa incorporação mística em Cristo, por força da qual todos os homens batizados constituem com Ele um só Corpo, do qual Ele é a Cabeça, de onde a vida sobrenatural flui para os membros.[3]

Sendo a Igreja realmente o Corpo de Cristo, Maria “é verdadeiramente Mãe dos membros que constituem este Corpo, porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela Cabeça”.[4]

“Aquela que é Mãe de Cristo, pertence Ela mesma à Igreja como seu membro eminente e inteiramente singular sendo, ao mesmo tempo, a ‘Mãe da Igreja’. Como tal, ‘gera’ continuamente filhos para o Corpo místico do Filho”.[5]

Mas de que modo a Igreja é o Corpo de Cristo? “Por meio do Espírito, Cristo morto e ressuscitado une intimamente a Si os seus fiéis. Deste modo, os crentes em Cristo, enquanto unidos estreitamente a Ele, sobretudo na Eucaristia, são unidos entre si na caridade, formando um só corpo, a Igreja, cuja unidade se realiza na diversidade dos membros e das funções.

“Cristo ‘é a Cabeça do corpo, que é a Igreja’ (Col 1,18). A Igreja vive d’Ele, n’Ele e para Ele. Cristo e a Igreja formam o ‘Cristo total’ (S. Agostinho); ‘Cabeça e membros são, por assim dizer, uma só pessoa mística’ (S. Tomás de Aquino).”[6]

Ela é Corpo Místico de Cristo fundada pelo próprio Cristo com vistas a que todos fossem um com Ele: “Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviastes. Dei-lhes a glória que me destes, para que sejam um, como nós somos um: eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amastes, como amaste a mim.”. (Jo 17, 21-23)

A Igreja é, como encontramos descrita na liturgia, o “povo de Deus”, o “Templo eterno de Deus edificado com pedras vivas e escolhidas”, “a unidade do Corpo de Cristo”, “Esposa de Cristo e Mãe exultante de muitos filhos”.[7] Lex orandi, lex credendi[8], a liturgia é um elemento constitutivo da santa e viva Tradição da Igreja, e como tal tem força de lei e de doutrina por Ela professada.[9]

Vemos assim, como o “Fiat” pronunciado por Maria na Anunciação deu início a todas estas maravilhas da graça. No momento, feliz entre todos, da Encarnação, Maria passou a ser Mãe de Deus e dos homens. “Concebeu-nos em Nazaré e nos deu à luz no Calvário. ‘Com o seu consentimento para tornar-se Mãe de Deus, escreve São Bernardino de Siena, trouxe a salvação e a vida eterna a todos os eleitos, de sorte que se pode dizer que, naquele instante, os acolheu em seu seio, conjuntamente com o Filho de Deus’.”[10]

Em termos correntes, são considerados pais de alguém aqueles que transmitiram a este alguém a sua própria natureza. Ora, isso que se dá na ordem natural, portanto numa geração física, dá-se também na ordem sobrenatural, numa geração espiritual. Assim, aqueles que fazem nascer para a vida da graça uma pessoa, ou que por desígnio de Deus são chamado a representa-Lo para outros – como é o caso dos profetas ou dos fundadores – estes podem ser chamados a justo título pais ou mães. E sob algum aspecto com mais propriedade do que os pais e mães naturais, pois que a vida sobrenatural vale mais que a vida natural.

Mas será apenas por este motivo que Ela é Mãe da Igreja? Haverá algum outro fator que a constitua Mãe espiritual dos homens?

Continua na próxima semana…


[1] Cf. Gn 3, 15.

[2] “Faça-se”, em latim.

[3] Cf. Ef 1, 22-23; Cf. 1Cor 6, 15a; Cf. Rom 6, 4-6; Cf. Col 1, 18

[4] Cf. S. Agostinho, De S. Virginitate, 6: PL 40, 399.

[5] Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae de João Paulo II.

[6] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, Ed. Loyola, São Paulo, 2005, p. 156 e 157.

[7] Missal Romano. Comum da dedicação de uma Igreja. Ed. Paulus, 12 ed., São Paulo, 2008, 731-732.

[8] “A lei da oração é a lei da fé”.

[9] CIC, 1124.

[10] Pe. Gabriel Roschini, Instruções Marianas, Ed. Paulinas, São Paulo, 1960, p. 78-79.