Batismo de Jesus: primeira manifestação pública do mistério trinitário

Mas, quem em Israel, ou mesmo na pequena Nazaré, teve conhecimento dessa realidade sublime, a não ser Nossa Senhora e São José? Era necessário que Cristo se manifestasse!

Enviara antes de Si o Precursor, varão austero e santo, de quem Ele mesmo afirmou que “não houve homem nascido de mulher maior do que João” (Mt 11, 11), o qual pregou ao povo um batismo de conversão (cf Mc 1, 4) e aplainou o caminho para a chegada do Messias. “João batiza no Jordão e o batismo que realiza é sinal não apenas de purificação ritual, mas também moral (cf Mt 3, 2. 6. 8. 11)”.[1]

Como facho de luz nas trevas da noite, João brilhou aos olhos de Israel. “Estando, porém, para terminar sua missão João declarou: ‘Eu não sou aquele que pensais que eu seja. Mas vede, depois de mim vem Aquele do qual não sou digno de desamarrar as correias de suas sandálias’” (At 13, 25).

Jesus, porém, veio ter com João para ser batizado por ele. Ao vê-Lo o Batista exclamou: “Eu é que devo ser batizado por Vós”. Mas Jesus lhe respondeu: “Deixa, é assim que devemos cumprir toda a justiça” (Mt 3, 14-15). Cena aparentemente contraditória para os que não sabiam que Jesus era o Messias. Centenas de pessoas tinham procurado João com o mesmo intuito, e a ninguém ele dirigira semelhantes palavras. Como podia ser que o grande João, a quem todos consideravam profeta, e até mesmo julgavam ser o Messias, se humilhasse assim diante daquele Homem? A resposta veio do Céu: “No momento em que Jesus saía da água, João viu os Céus abertos e descer o Espírito em forma de pomba sobre Ele. E ouviu-se dos Céus uma voz: Tu és o meu Filho muito amado; em Ti ponho minha afeição” (Mc 1, 10-11). João não hesitou: “Eu O vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus” (Jo 3, 32-34).

Nessas palavras revela-se publicamente Deus Pai, anunciando o seu Filho Jesus aos homens como o dileto Filho de Deus e o Messias de Israel,[2] e demonstra a Pessoa do Espírito Santo peculiarmente como doador do Dom que unge o Filho, assegurando-O e fortalecendo-O para o cumprimento de sua missão salvadora.[3]

Manifestações da Trindade na Transfiguração

Observemos agora as características de glória e beleza da Santíssima Trindade na passagem da Transfiguração. Essa manifestação aconteceu “num alto monte” (Mt 17, 1), que segundo a tradição era o Tabor. Nesse belo ambiente, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João (cf Mc 9, 2), para serem testemunhas de sua glória divina, pois, comentam alguns autores, era necessário que observassem tamanho acontecimento para crerem na Ressurreição quando vissem os grandes sofrimentos da Paixão.

 Como narra São Mateus, nessa ocasião Nosso Senhor Jesus Cristo resplandeceu com um brilho que só pode ser comparado com a luz do sol (cf Mt 17, 1-13). Nessa manifestação gloriosa Ele revela uma ‘transfigura’, algo que estava além da figura visível d’Ele, pois o que os Apóstolos normalmente viam era o seu corpo padecente.[4] Evidentemente, os Apóstolos não participaram da Visão Beatífica, que é inacessível aos olhos do corpo, mas viram apenas uma centelha da verdadeira glória e da divindade de Jesus que transparecia em sua santa humanidade.[5]

Mais adiante, na descrição dos Evangelhos, vemos uma nuvem luminosa que desce e toma o ambiente (cf Mt 17, 4; Mc 9, 7; Lc 9, 34). É preciso lembrar que certos fenômenos naturais significavam para os judeus a própria presença de Deus, que por meio de figuras como o fogo, o vento e a nuvem, Se manifestava em certas ocasiões peculiares ao longo da história. Por exemplo, Moisés falava com Deus cuja presença se fazia sentir numa nuvem (cf Ex 19, 9). Também na dedicação do Templo uma nuvem envolveu o Santuário, indicando que Deus se fazia presente naquele lugar.

Assim, certamente essa nuvem resplandecente evidenciou para os três Apóstolos a presença divina entre eles. E podemos recordar neste episódio a consideração unânime dos autores ao relacionarem esta “nuvem luminosa” com a manifestação da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, isto é, o Espírito Santo.[6] Esse piedoso e comum acordo de séculos, nos permite afirmar que, por meio de uma figura de criatura visível[7] o Espírito Santo se apresenta com a mesma natureza divina comum às outras Duas Pessoas, atestando a sua co-identidade com o Pai e o Filho.

E por fim o Evangelho narra que do interior dessa nuvem fez-se ouvir uma voz que dizia: “Eis o meu Filho muito amado, em Quem pus toda minha afeição; ouvi-O”. (Mt 17, 5). Aqui está, sem dúvida, o testemunho celestial do Pai Eterno, que das alturas manifesta a São Pedro, São João e São Tiago[8] que Jesus é o seu amado Filho, o que equivale a dizer que Ele é o Unigênito do Pai, o Messias prometido, consubstancial com a natureza eterna do Pai e participante de seu Ser e de suas obras.[9] Portanto, com essa declaração do Pai, o esplendor divino do Filho e a manifestação do Espírito Santo numa nuvem, revela-se claramente a Santíssima Trindade. O que os três Apóstolos terão entendido dessa manifestação? Que perguntas terão feito? O que lhes respondeu o Mestre? Infelizmente a narração do Evangelho não conta.

“Em resumo, a cena apresenta Jesus como o Filho a Quem se deve escutar. Jesus, Filho Único de Deus, é o profeta supremo enviado por Deus para proclamar a grande Revelação. Esta teofania, à diferença da batismal que se dirige a Jesus para O instituir em sua missão profética, dirige-se aos Apóstolos, com o fim de os incentivar a escutar a palavra de Cristo, O qual encarna em sua Pessoa a promessa feita por Deus de enviar um profeta semelhante a Moisés”.[10]

Continua…

Extraído de “A vida íntima de Deus Uno e Trino”


[1] José Antonio Sayés. La Trinidad: Misterio de Salvación. Madrid: Palabra, 2000, p. 75.

[2] Cf Catecismo da Igreja Católica, 535.

[3] José Antonio Sayés. La Trinidad: Misterio de Salvación. Madrid: Palabra, 2000, p. 76.

[4] Cf João Clá Dias. Conversa. São Paulo, 23 jun. 1992. Arquivo ITTA-IFAT.

[5] Cf João Clá Dias. Homilia. São Paulo, 6 ago. 2007. Arquivo ITTA-IFAT.

[6] Cf Gonzalo Lobo Méndes. Deus uno e Trino. Lisboa: Diel, 2006, p. 126.

[7] Cf Santo Agostinho. A Trindade. São Paulo: Paulus, 2008, p. 187.

[8] Cf Marcelo Merino Rodrigues. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva, 2006, p. 84.

[9] Cf José Bonsirven. Teologia do Novo Testamento. Barcelona: Litúrgica Espanhola, 1961, p. 52.

[10] José Antonio Sayés. La Trinidad: Misterio de Salvación. Madrid: Palabra, 2000, p. 80.