Certo dia um homem estando mal à morte, recebeu a salutar visita de um sacerdote, para assisti-lo no derradeiro momento. De fato, foram seus parentes que, prevendo o doloroso desfecho da doença que o consumia, chamaram o confessor. Após breve confissão, recebeu o moribundo a absolvição. Contudo, poder-se-ia ponderar sobre a certeza de sua salvação? Por que? Pelo fato de não ter tido dor de seus pecados; confessou-se apenas para agradar seus parentes, mas em seu interior tanto fazia se tivesse ou não pecado, na realidade não lhe doía o fato de ter ofendido a Deus.

Curiosamente, neste mesmo dia, outro homem também estava para se apresentar ao Tribunal do Supremo Juiz, nada mais poderia mantê-lo nesta vida, dentro em pouco morreria. Estando completamente só, não tendo, portanto, como chamar um sacerdote, recolheu-se e aproveitou seus últimos haustos para manifestar, interiormente, um profundo pedido de perdão a Deus: doía-lhe o fato de tantas e tantas vezes, ao logo de sua vida, ter gravemente ofendido seu Criador. Deste, podemos dizer: se salvou! Por que? Pois foi sincero seu ato de contrição.

O que vem a ser a “contrição”, para que destine, ou não, um homem à Visão Beatífica?

Vimos acima que, tal é o poder da contrição, que em determinados casos ela pode dispor a alma de um moribundo a apresentar-se diante de Deus, sem mesmo receber a absolvição sacramental. E isto por ser ela o fruto de uma graça, a qual correspondida, faz crescer na alma um ardente amor a Deus, e paralelamente, um horror ao pecado. São Pedro mesmo nos ensina: “Sobretudo, cultivai o amor mútuo, com todo o ardor, porque o amor cobre uma multidão de pecados (1Pe. 4,8). E ainda, disse Nosso Senhor da pecadora: “seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor” (Lc. 7,47).

O grande teólogo, Cornélio a Lapide nos ensina sobre a contrição: “A contrição é o pesar de ter pecado. Contrição vem de contenere: triturar, quebrar; esta palavra exprime o estado de uma alma alquebrada, penetrada de dor por ter ofendido a Deus, que deseja ardentemente se reconciliar com Ele, e recuperar a graça.

“O santo concílio de Trento (sessão XIV, can. IV) define a contrição: uma dor da alma e uma abominação ao pecado cometido, com o propósito de não mais vir a pecar […].

“Esta contrição deve ser acrescida do desejo de cumprir tudo o que Cristo ordenou para a remissão dos pecados: por consequência, ela deve ser acompanhada da vontade de se confessar e de satisfazer à Justiça Divina. (BARBIER, 1885, p. 396, tradução minha).”[1]

Como vemos, trata-se de uma dor sanativa, que produz bons efeitos na alma, e a leva a querer se confessar e satisfazer a Justiça Divina.

A doutrina católica divide-a em duas partes, pois há um certo nível de dor dos pecados. Esta dor pode ser mais, ou menos perfeita, segundo nos explica o Catecismo da Igreja Católica:

“Quando brota do amor de Deus, amado acima de tudo, contrição é “perfeita” (contrição de caridade). Esta contrição perdoa as faltas veniais e obtém também o perdão dos pecado mortais, se incluir a firme resolução de recorrer, quando possível, à confissão sacramental.

“A contrição chamada “imperfeita” (ou “atrição”) também é um dom de Deus, um impulso do Espírito Santo. Nasce da consideração do peso do pecado ou do temor da condenação eterna e de outras penas que ameaçam o pecador (contrição por temor). Este abalo da consciência pode ser o início de uma evolução interior que deve ser concluída sob a ação da graça, pela absolvição sacramental. Por si mesma, porém, a contrição imperfeita não obtém o perdão dos pecados graves, mas predispõe a obtê-lo no sacramento da penitência.” (CIC 1453-1454)

Há ainda um tipo especial de contrição, um profundo e contínuo pesar das faltas passadas, que fortalecem o propósito de não mais vir a ofender a Deus, segundo nos explicam MELLET e HENRY:

“Os antigos padres e os santos […] pressurosos de responder mais perfeitamente ao Evangelho e de estabelecer em si mais profundamente o arrependimento, nos apresentam um tipo de virtude um tanto especial que é a compunção.

Compunção nos faz pensar em “acupuntura”. De fato é a mesma etimologia. A compunção é o estado da alma que se sente, por assim dizer, picada de todos os lados, queimada interiormente pelo desgosto que lha causam seus pecados passados, suas fraquezas, suas covardias, o afastamento de Deus onde ela está.” (in VV.AA. 1956 p. 647-648, tradução minha).[2]

Quão excelente é esta dor perfeita! Qual outra dor neste mundo pode trazer tanta paz e consolação? Chorar seus pecados é muito mais frutuoso do que os demais prantos terrenos e mundanos. Quem já viu o choro de uma mãe trazer seu filho de volta à vida? Ou então, um, que, ao chorar a fortuna perdida, a vê se reconstituir? Isto não acontece. Contudo, o pecador, ao deplorar profundamente suas faltas, vê sua culpa se apagar por uma extraordinária bondade da compaixão divina. A dor de ter pecado é doce, humilde, é vista com benevolência por Deus. E Ele ainda premia ao arrependido perdoando-lhe os pecados até mesmo os mortais (CIC 1453) e, dependendo do grau pode até apagar as penas temporais[3].

Tendo visto as maravilhas que nos traz um ato de contrição bem feito, é de se perguntar: não será uma graça tão especial que só é concedida raramente? Sim, é uma graça especialíssima, porém, Deus sendo a Bondade nos incita e ajuda. A este propósito, esclarece-nos o teólogo Pe. Royo Marín:

“É muito significativo que Cristo Nosso Senhor tenha dado tantas facilidades para a administração do sacramento do batismo, escolhendo como matéria a água (que se encontra facilmente em qualquer lugar do mundo) e autorizando a qualquer pessoa (mesmo se esta não está batizada) a administrá-lo, em caso de necessidade. Sem dúvida estas facilidades obedecem a que o batismo é o mais necessário de todos os sacramentos por Ele instituídos. Pois bem: o ato de perfeita contrição é incomparavelmente mais necessário do que o próprio batismo, e do que a mesma penitência sacramental, para a salvação da imensa maioria dos homens […] que vive fora da Igreja, nas trevas do paganismo, ou nos desvios heréticos dos que recusam os sacramentos. Não é crível que Deus tenha posto o ato de contrição a uma altura inacessível para a imensa maioria dos homens que não dispõem de outro meio para se salvar. Sob o influxo de uma graça atual – sem ela seria simplesmente impossível – nos parece que o ato de verdadeira e perfeita contrição é relativamente fácil, e ao alcance de todos.” (1961, p. 291, tradução minha)[4]

Acima, o teólogo faz menção da necessidade que têm da contrição, os que não estão na Igreja, e conclui que se também eles podem ser salvos por Deus, é por meio de uma contrição, que é uma graça que se lhes concede. Assim sendo, podemos afirmar: se Deus trata assim os que ainda não são seus filhos, quão melhor não trata Ele um filho seu que, arrependido de tê-Lo expulso da alma, pede-lhe humildemente perdão? Uma prova disto está na parábola do Filho Pródigo que nos é contada pelo próprio Cristo Jesus.

Pe. Michel Six, EP

 BIBLIOGRAFIA

– CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 11ª ed. São Paulo: Loyola, 2001.

– BARBIER. Les Trésors de Cornelius a Lapide. 5ª ed. Paris : Librairie Poussielgue Frères, 1885.

– ROYO MARÍN, Antonio, O.P. Teologia Moral para Seglares. Vol. 2 – Los Sacramentos. 2ª ed. Madrid : Biblioteca de Autores Cristianos, 1961.

– VV. AA. Initiation Théologique. Vol. 4 – L’Économie du Salut. 2ª ed. Paris : Cerf, 1956.


[1] La contrition est le regret d’avoir péché. Contrition vient de contenere, broyer, briser; ce mot exprime l’état d’une âme déchirée, pénétrée de douleur d’avoir offensé Dieu, et qui désire ardemment de se réconcilier avec lui, et de recouvrer la grâce.

La saint concile de Trente (Sess. XIV, can. IV) définit la contrition : une douleur de l’âme et une détestation du péché commis, avec un propos de ne plus pécher à l’avenir […].

Cette contrition doit être accompagnée du désir d’accomplir tout ce que J. C. a ordonné pour la rémission des péchés : par conséquent, elle doit être accompagnée de la volonté de les confesser et de satisfaire à la justice divine.

[2] Les anciens pères et les saints […] soucieux de répondre plus parfaitement à l’Évangile et d’établir en eux plus profondément le repentir, ils nous présentent un type de vertu assez spécial qui est la componction.

“Componction” nous fait penser à “Acupuncture”. C’est en effet la même étymologie. La componction est l’état de l’âme qui se sent pour ainsi dire piquée de tous côtés, brûlée intérieurement par le déplaisir que lui causent ses péchés passés, ses faiblesses, ses lâchetés, l’éloignement de Dieu où elle ne cesse de se tenir.

[3] Cf. Suma Teológica III, q. 87, a. 8, ad I.

[4] Es muy significativo que Cristo Nuestro Señor haya dado tantísimas facilidades para la administración del sacramento del bautismo, escogiendo como materia el agua (que se encuentra fácilmente en cualquier parte del mundo) y autorizando a cualquier persona (aunque ella misma no esté bautizada) a administrarlo en caso de necesidad. Sin duda estas facilidades obedecen a que el bautismo es el más necesario de todos los sacramentos por El instituíos. Ahora bien: el acto de perfecta contrición es incomparablemente más necesario que el mismo bautismo y que la misma penitencia sacramental para la salvación de la inmensa mayoría de los hombres […] que viven fuera de la Iglesia en las tinieblas del paganismo o en las desviaciones heréticas que rechazan los sacramentos. No es creíble que Dios haya puesto el acto de contrición a una altura poco menos que inaccesible para la inmensa mayoría de los hombres que no disponen de otro medio para salvarse. Bajo el influjo de una gracia actual – sin ella sería de todo imposible –, nos parce que el acto de verdadera y perfecta contrición es relativamente fácil y al alcance de todo el mundo.