Para ascender à cúpula da Basílica de São Pedro, a mais imponente da Cristandade, faz-se necessário o uso de uma escada. A forma curva do monumento impede a implementação de elevadores ou outros avanços da técnica. A cada um dos mais de duzentos degraus, quem vai subindo sente, ao mesmo tempo, o peso do cansaço e o alento da esperança: “Como será o panorama lá de cima?” No fim da árdua empresa, o prêmio compensa os esforços: a ampla visão da Cidade Eterna regala os olhos.

Basilica_Sao_PedroTambém Deus nosso Senhor, o pedagogo infinitamente sábio, leva os homens aos mais altos mistérios da Fé por meio de certos “degraus” por Ele estabelecidos, de modo a facilitar a escalada. Assim, antes da vinda do Messias, Javé multiplicou os sinais, os símbolos e as prefiguras d’Ele. Pensemos no Cordeiro imolado no culto mosaico e sua ligação simbólica com o Sacrifício do Calvário. O próprio Jesus foi chamado por São João Batista “Cordeiro de Deus”.

Também os privilégios de Nossa Senhora foram representados por grandes damas do Antigo Testamento: Maria, a irmã de Moisés, Judith, Esther, Débora e tantas outras. Cada uma delas, sob algum aspecto, foi depositária num grau menor, das perfeições que enriqueceriam de modo indizível a Virgem-Mãe. Tais personagens femininos estão em relação à Mãe de Deus, como tipos para com o arquétipo. Ela, bendita entre as mulheres, reúne em si as perfeições das mais eminentes figuras que a precederam.

Do mesmo modo, para abrir nossos corações ao mistério da santidade de São José, esposo de Maria e pai legal de Jesus Cristo, encontramos na Antiga Aliança uma figura atraentíssima e cheia de virtudes: José do Egito, filho de Jacó[1]. Ele foi tipo do varão perfeito, escolhido por Deus para uma missão de enormes proporções, como foi São José, filho de Davi.

Analisemos e confrontemos ambos os personagens, admirando e adorando a sabedoria e a força de Deus que os santificou e glorificou dessa maneira.

A predileção por José

José, filho de Jacó foi predileto de seu pai: “Israel amava José mais do que todos os outros filhos, porque ele era o filho de sua velhice; e mandara-lhe fazer uma túnica de várias cores” (Gen 37, 3). Sendo filho de Raquel, sua esposa preferida, e tendo nascido dela depois de um longo período de esterilidade, o afeto de Jacó por seu filho José era tenro e intenso, e o vestia com uma elegância e um luxo superior às roupas dos demais. Seus irmãos, ao perceberem esses sentimentos paternos, nutriam por ele uma obscura e sórdida inveja: “vendo que seu pai o preferia a eles, conceberam ódio contra ele e não podiam mais tratá-lo com bons modos” (Gen 37, 4).

Friedrich_Overbeck_001Todavia, a predileção que mais honrou a José foi a do próprio Deus. Ele, com efeito, revelou-lhe em sonhos sua preeminência futura sobre toda a família:

“Ora, José teve um sonho, e o contou aos seus irmãos, que o detestaram ainda mais: Ouvi, disse-lhes ele, o sonho que tive: estávamos ligando feixes no campo, e eis que o meu feixe se levantou e se pôs de pé, enquanto os vossos o cercavam e se prostravam diante dele. Seus irmãos disseram-lhe: Quererias, porventura, reinar sobre nós e tornar-te nosso senhor? E odiaram-no ainda mais por causa de seus sonhos e de suas palavras. José teve ainda outro sonho, que contou aos seus irmãos. Tive, disse ele, ainda um sonho: o sol, a lua e onze estrelas prostravam-se diante de mim. Ele contou isso ao seu pai e aos seus irmãos, mas foi repreendido por seu pai: Que significa, disse-lhe ele, este sonho que tiveste? Viremos, porventura, eu, tua mãe e teus irmãos, a nos prostrar por terra diante de ti? Seus irmãos ficaram, pois, com inveja dele, mas seu pai guardou a lembrança desse acontecimento” (Gen 37, 6-11).

Os vaticínios do menino cumprir-se-iam à risca, como a História nos mostrará. Depois de muitas aventuras, José chegará a ser o homem de confiança do Faraó do Egito, e sua família para lá se trasladará, sob seu cuidado e proteção. A cena dos astros que diante dele se prostram se realizará tal qual lhe havia sido mostrado durante o descanso da noite. Foi ele o homem chamado a salvar o povo eleito e a guiá-lo numa situação de carestia que podia tê-lo exterminado. Graças à sua disposição, porém, as tribos de Jacó puderam crescer e multiplicar-se, dando origem a uma nação numerosa.

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Por sua vez, São José, esposo de Maria, foi também predileto. Contudo, sua vocação seria muito mais alta que a de seu homônimo do Egito. A ele foi confiado o cuidado do próprio Filho de Deus e de sua Mãe Santíssima, os tesouros mais preciosos e dignos da Trindade, sendo assim galardoado com a maior prova de confiança que Deus outorgou a um homem em toda a História da humanidade.

Sao_JoseDe algum modo, ao ser ele o Pai da Sagrada Família a presidiu e recebeu a homenagem e a obediência do Rei dos Reis e da Rainha dos Anjos. Com efeito, o fruto das entranhas de Maria, concebido mediante um milagre em seu seio virginal, foi confiado a São José na qualidade de filho, como o indica a ordem dada a São José pelo Anjo de impor-lhe o nome: “Ela dará à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo de seus pecados” (Mt 1, 21). E eis que o Padre Eterno, por quem o Verbo é gerado no seio da Trindade, confia seu Filho amadíssimo nas mãos de um homem justo, para que O custodie, O eduque e O sustente. Ou seja, ele fez as vezes, na Terra, do próprio Pai do Céu, ao lado do Filho encarnado. Maior signo de predileção é difícil achar, a não ser na predestinação de Maria.

Sirva esta consideração de preparação para a festa de tão glorioso Patriarca, tão bem-amado e escolhido por Deus. Recorramos confiantes a São José certos de seu poder de intercessão, pois no Céu, em certa medida, os sentimentos de afeto e reverência de Jesus em relação a seu pai da terra, continuam por toda a eternidade.

Na próxima meditação, consideraremos, a partir da castidade de José do Egito, a virgindade puríssima de São José.

 

Pe. Carlos Javier Werner Benjumea, EP

 

[1] A Tradição refere a São José a tipologia de José do Egito, pelo seu grande poder diante do Faraó, de modo a lograr assim a abundância de dons, o que evoca o poderoso patrocínio de São José para que nunca falte o pão da Palavra e da Eucaristia à Igreja. Cf. Ferrer Arellano, Joaquín. San José, nuestro padre y señor. Madrid: Arca de la Alianza, 2006, p. 25