É interessante observar como as crianças, no início de sua educação escolar, procuram representar a realidade que vêem. Nas aulas artísticas, por exemplo, elas desenham e pintam cenas corriqueiras: como de sua família, de fatos que viram, ou até de histórias que ouviram, e que para elas ganham vida.
Isto ocorre porque o espírito humano parece ter a necessidade de registrar certos momentos ou situações da vida, quase com a intenção de “eternizá-los”. A arte vem a ser um excelente meio para isso, sobretudo, a da imagem. Uma obra de pintura se caracteriza pela mensagem que quer transmitir através de seu tema, a técnica que utiliza, o domínio sobre o espaço e a luz, o estilo próprio de cada época, e as qualidades pessoais.
A técnica é o primeiro passo que se espera de um artista, a tal ponto, que a obra interpretada por ele, aparenta ser simples quando terminada, mas exigiu muita maestria na composição. A arte não pode ser vista apenas sob o aspecto técnico; ela também contém um grande valor simbólico. A visão artística transcende a própria técnica e, muitas vezes, inova a forma de ver a realidade. A excelência da obra de arte é, portanto, aquela que oferece um significado que atravessa os séculos: “mas só aqueles [artistas] dotados de uma visão profunda e que usam a arte não como um fim em si mas como um meio para dizer verdades maiores são os que conseguem criar as obras-primas que resistem ao julgamento do crítico mais severo de todos: o tempo”[1].
Antes do século XIX, o artista tinha necessidade de patrocinadores a fim de manter sua subsistência. Estes eram, em grande parte, a Igreja e as cortes européias. Somente com o advento do Romantismo o artista passou a ser mais autônomo. Pelo fato de ser mantido por outros, nem sempre podia dar largas à sua inspiração, trabalhando por encomenda. Quando, porém, podia se unir o pedido de uma obra, com a aspiração do artista, tinha-se como resultado uma obra-prima.
Juntamente com uma maior liberdade artística surgida no século XIX, nasce na França, a invenção que iria representar, da forma mais real possível, a “eternidade” dos fatos: a fotografia. Inventada no verão de 1826, pelo francês Joseph Nicéphore Niépce, mais tarde aprimorada por seu sócio Louis Daguerre, popularizou-se com a descoberta do negativo, pelo inglês William Henry Fox Talbot, apresentada à Royal Society em 1838.
A fotografia passou a ser uma forma de arte. Enquanto os pintores procuravam representar a realidade através de suas obras, a fotografia era a própria realidade fixada. Apesar disso, a supremacia da pintura está em transcender a realidade material, elevando-se a considerações mais espirituais.
Por outro lado, a técnica fotográfica trouxe um elemento novo para a fé cristã. Quando o advogado Secondo Pia conseguiu autorização para fotografar o Santo Sudário de Turim em 1898, não esperava o resultado que obteve. No momento de revelar a fotografia em sua câmara escura, percebeu afigurar-se a Sagrada Face do Redentor no negativo, cuja fisionomia era mais nítida do que no próprio linho.
Quem diria que uma invenção do século XIX mostraria ao mundo a adorável Face de nosso Senhor? Quando até então, não se tinha – sequer – uma pintura fidedigna do Salvador confeccionada em Sua época.
Se pararmos para pensar, a fotografia do Sudário apresenta apenas uma fisionomia d’Aquele que é o Homem-Deus, e ainda fixada sobre um linho. Se pudéssemos atravessar a barreira do tempo e levar Secondo Pia com sua máquina fotográfica à época de Jesus, quantas fisionomias não seriam possíveis fotografar?
Poder revelar ao mundo a fisionomia do Menino-Deus, logo após o seu nascimento[2]; ou contemplar Seus divinos olhos – ainda jovens –, discutindo com os doutores da Lei, no Templo[3]; talvez registrar cenas do convívio da Sagrada Família, durante aqueles anos de silêncio e oração; ou ainda ter em mãos uma fotografia de nosso Senhor pregando as bem-aventuranças[4]; uma das mais emocionantes fotografias, bem poderia ser a de Jesus Crucificado…
Difícil seria escolher somente uma! No entanto, Deus não quis nos deixar todas estas fisionomias, mas apenas a do Sudário, a qual nos ajuda a ter fé em Sua Ressurreição.
Foi Deus que primeiro fez o papel de artista: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”[5]. Deus “pintou” Sua fisionomia no ser humano, mas ela é vista mais em sua alma do que no corpo, assim como a figura do Sudário é mais bem observada no negativo fotográfico do que no positivo. Portanto, é possível ver Deus em cada cristão e em cada sacerdote que vive como Jesus viveu. Toda pessoa pode vir a ser outro Cristo, imagem de Deus e exemplo de vida cristã.
[1] CUMMING, Robert. Para entender a arte. Trad. Isa Mara Lando. São Paulo: Editora Ática, 1996. p. 9.
[2] Lc 2,1-20.
[3] Lc 2,41-52.
[4] Mt 5,1-11.
[5] Gn 1,26.
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