Diac. Felipe Ramos

Quantos séculos de civilização e história, quantos mistérios, quanta sonoridade envolta em apenas um vocábulo: Roma. Dela o papa Pio XII em seu fino discernimento proclamava: “quem não é cego, vê, quem não é espiritualmente torpe, sente: Roma, mãe, arauto e guardiã da civilização e dos eternos valores da vida, esta Roma, cujo maior historiador a chamou, quase que por instinto, ‘caput orbis terrarum’”[1].Forum_Romanum_April_05

Capital do mundo por vocação e sede da Cátedra de Pedro por mandato divino, centro de um dos maiores patrimônios artísticos e culturais do mundo, Roma atrai peregrinos e turistas provenientes dos quadrantes mais diversos do mundo. Mas o que buscam eles?

Nessas terras, independentemente da maior ou menor convicção religiosa, é inevitável ser atraído por algo direta ou indiretamente ligado à Igreja. Ilustremos com exemplos.

Um perito arqueólogo não poderá evitar a pesquisa sobre a Roma paleo-cristã; um artista não deixará de examinar a iconografia religiosa ou o esplendor do barroco; e nem o perdido forasteiro poderá simplesmente ignorar a majestosa cúpula da Basílica de São Pedro…

De outra parte, a cada esquina em que se passa, é possível encontrar um oratório dedicado a Nossa Senhora, uma capela repleta de relíquias, ruas e prédios com nomes de papas… enfim, caminha-se sobre um terreno calcado por personalidades e regado pelos sangues dos primeiros cristãos. O que mais se pode esperar?

Vejamos, pois, alguns ulteriores aspectos do papel da Igreja fundada por Jesus Cristo.

Hodiernamente, é de grande reconhecimento, inclusive entre os não católicos, o real empreendimento da Religião Católica e sua importância nos hospitais, orfanatos, asilos, ajuda aos mais necessitados, seja do ponto de vista material, seja do ponto de vista espiritual. Uma contribuição notável, sem dúvida. Seu papel foi fundamental tanto na institucionalização quanto na promoção destes centros de assistência a toda a humanidade.

Muito embora haja uma importância da Igreja no aspecto material (neste caso, a saúde psicológica e corpórea), sua visão antropológica se dirige à unidade da pessoa humana, em sua mais alta consideração. Por conseguinte, ao contrário da expressão nietzschiana de que o Cristianismo nada mais é que “um Platonismo para o povo”, a Igreja busca a formação irrestrita do homem de modo cabal. Assim, fornece ela, ademais, um potente contributo para formação intelectual e moral da sociedade. Mais uma vez, como no caso dos hospitais, o Catolicismo favoreceu e fomentou a constituição da instituição mais importante de toda a história da cultura ocidental: a universidade. A Igreja Católica, portanto, proporcionou o desenvolvimento destes centros de cultura “porque, nas palavras do historiador Lowrie Daly era ‘a única instituição na Europa que manifestava um interesse consistente pela preservação e cultivo do saber[2]’”.

Ora, é propriamente neste contexto que Roma tem um papel fundamental, pois é precisamente na Cidade Eterna que se encontram as mais importantes faculdades e universidades católicas do mundo, sobretudo aquelas de caráter pontifício, ou seja, intrinsecamente ligadas com a Santa Sé. Sobre isto, explica-nos o papa João Paulo II:

“E que se deverá, mais ainda, entender quando se diz Universidade Pontifícia? Bem compreendeis que estes adjetivos mencionados [universidade católica, eclesiástica e pontifícia] não estão entre si sem articulação recíproca, mas, pelo contrário, se encontram ordenados «in crescendo» a partir da base, já de per si tão nobre e digna, da existência mesma de uma Universidade, que é domicílio eleito da ciência «qua talis» e lugar metodologicamente apropriado e constituído, para as investigações necessárias até se chegar a tal ciência. Uma Universidade Pontifícia aparece, como no vértice, na sua função indispensável como educativa e didática a serviço da fé cristã”[3].

Estes centros de ensino são, pois, imprescindíveis tanto no próprio seio da Igreja quanto na promoção da fé cristã em toda a sociedade.

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Sob esta perspectiva é que doze Arautos do Evangelho, depois da graduação filosófica e teológica no IFAT e ITTA, são enviados a Roma para fazer a licenciatura canônica e o doutorado em Teologia, Filosofia e Direito Canônico em Universidades como a Gregoriana, São Tomás (Angelicum) e Salesiana. A razão deste procedimento é explicada pelo próprio Santo Padre:

“A possibilidade de estudar em Roma, sede do Sucessor de Pedro e, portanto, do ministério petrino, ajuda-vos a reforçar o sentido de pertencer à Igreja e de empenho da fidelidade ao Magistério universal do Papa. Ademais, a presença  nas Instituições acadêmicas e nos Colégios e Seminários, de docentes e alunos provenientes de todos os  continentes, vos oferecem uma ulterior oportunidade para vos conhecer e  experimentar a beleza de fazer parte de uma única grande família de Deus; sabei aproveitar disso plenamente[4]!”

Assim, através da experiência da beleza da universalidade da Igreja, os alunos ingressados têm a oportunidade de presenciar a variedade na unidade dos países cristãos.  Estas universidades são verdadeiros microcosmos da realidade eclesial. No contexto romano, apenas no ano passado, foram matriculados 230 mil novos universitários. Entre estes 45% vem de fora de Roma[5]. Assim, a pastoral universitária do Vicariato de Roma promoveu recentemente uma semana de acolhimento aos neo-estudantes com o título: “Ninguém em Roma é estrangeiro: a acolhida da inteligência”. Desta forma é possível também entrever seu caráter holístico de ensino superior, segundo a própria expressão comum de sua origem: “universitas magistrorum et scholarium”. Curiosamente tanto a palavra “católico” (do grego katholikós) e “universidade” têm o mesmo sentido de “universal”. Desta forma, a Santa Igreja e o ensino fazem parte da mesma ideia de globalidade.

Além disso, a unidade que mencionamos não é apenas extrínseca entre seus membros, ou seja, entre professores e alunos, entre o ensinar (docere) e o aprender (discere), mas também é vista como fundamentada e desenvolvida em cada um dos indivíduos. Em cada um deles joga papel importante a virtude da sabedoria. Vale dizer que esta não se alcança como um mero exercício intelectual sem consequências ulteriores. A própria palavra “saber” (do latim sapere) indica também a ideia de “saborear”. Ou seja, uma apreciação suave da doutrina rumo à perfeição da santidade. Tal itinerário, segundo Santo Agostinho, percorre-se em companhia de nosso Mestre Interior[6]: Jesus Cristo. Dele, somos todos discípulos no aprendizado da Primeira Verdade. Ora, de modo análogo ao qual o Homem-Deus educava  judeus e gentios pelos ambientes  pelos quais passava, hoje ensina-nos Ele, de modo intrínseco, através da Eucaristia.

Queremos dizer que o verdadeiro objetivo do Ensino, mister da Educação Católica, é a formação de pessoas virtuosas. Tal proposta não é nada quimérica. Haja vista, a Universidade Gregoriana, por exemplo. É possível relembrar entre seus estudantes nada menos que 23 santos, 51 beatos e 16 papas[7]. Entre aqueles da Pontifícia Universidade S. Tomás de Aquino (Angelicum) basta citar a monumental figura do papa João Paulo II, ou ainda, o ilustre teólogo Frei Reginald Garrigou-Lagrange, OP.

Desta maneira, um dos grandes e atuais empenhos dos Arautos do Evangelho é a configuração de um forte corpo docente, que possa proporcionar uma formação integral a seus seminaristas. Assim, promove-se um sólido fundamento educacional com vistas ao porvir desta obra. Para tal propósito, nada como recorrer à Sede de Pedro, rocha inabalável da doutrina.

Imbuídos, portanto, das verdades da fé cristã, o jovem estará preparado para uma autêntica nova evangelização, tão necessária em nossos dias. Bem nos convida Dom Rino Fisichella quanto a esta perspectiva:

“Se estávamos em silêncio, talvez, diante destas situações de adequação passiva aos efeitos do secularismo, já é o momento de retomar, ao contrário, a nossa palavra forte e corajosa, porque somos arautos do Evangelho[8]”.

Ora, esta palavra forte não pode ser senão nutrida de uma intensa vida interior e de um estudo baseado na máxima tomista: “Contemplata aliis tradere[9]”, ou seja, contemplar e levar os outros à contemplação. Esta não deve ser absolutamente confinada ao vazio e obtuso, mas, pelo contrário, elevada a uma posição admirativa e indagadora, como princípio de qualquer pensamento honesto e reto. É essencial, portanto, aliar a vida contemplativa à vida ativa.

Por esta razão, a formação e o estudo numa Universidade Pontifícia devem estar imbuídos daquela “Sabedoria que vem do alto” (Tg. 3, 17). Nestas ocasiões, a Igreja também recomenda o recurso à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Sedes Sapientiae, a fim de render frutos ainda mais abundantes.

É sob esta perspectiva que os Arautos promovem a formação intelectual onde quer que se encontrem, e, neste caso, em Roma. Esta, segundo o Hino Pontifício, é ornada com o título de cidade “dos mártires e dos santos” [10]. Todavia, sem excluir estas qualidades, podemos afirmar que Roma está também destinada a ser aquela urbe dos homens que buscam de coração sincero a Verdade.


[1] Discorso di sua santità Pio XII al popolo romano, Domenica di Pasqua, 28 marzo 1948). AAS 40 [1948], 137-138. Cf. Titi Livii, ab Urbe condita lib. I, n. XVI.

[2] Woods Jr., T.E. Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. São Paulo: Quadrante, 2008, 26.

[3] Discurso do papa João Paulo II por ocasião da visita à Pontifícia Universidade Lateranense, 16 de Fevereiro de 1980.

[4] Discorso di Sua Santità Benedetto XVI agli studenti delle Pontificie Università di Roma per l’apertura dell’anno accademico, Basilica Vaticana. 25 out. 2007.

[5] Entrevista com Mons. Lorenzo Leuzzi, diretor do ofício da Pastoral universitária em Roma para a Rádio Vaticana em 25 out. 2010.

[6] De Magistro, 12. 40. (PL, 32)

[7] Cfr. Liber Annualis, 2009.

[8] Rino Fisichella. Palavras por ocasião da criação do Pontifício Conselho para a promoção da Nova Evangelização. Radio Vaticana.

[9] Summa Theologiae, II-II, q. 188 a. 6 co.

[10] Segundo a versão de Dom Marcos Barbosa OSB