Thiago de Oliveira Geraldo
Um doutor em Teologia
Um jovem religioso dedicado à oração e ao trabalho, certo dia recebeu a seguinte ordem de seu superior: “Você agora terá que se dedicar ao mestrado e ao doutorado para melhor servir à Igreja!”. Com espírito de prontidão, logo se dispôs a cumprir a árdua tarefa de retomar os estudos após anos de ação pastoral em terra de missão. Anos e mais anos de um esforço tremendo, que se ele soubesse antes, talvez tivesse relutado para não aceitar a proposta do superior.
Passados todos os cursos prescritos, o bom religioso recebeu a láurea de doutor em Teologia, ciência que estuda a Deus. Conhecedor de famosos filósofos e teólogos passou a confiar em sua própria sabedoria. Tornou-se capaz de discorrer sobre Sócrates, Platão e Aristóteles, grandes personalidades gregas; passou a conhecer as obras dos Padres da Igreja e seus comentários sobre a Bíblia e discussões acerca da doutrina católica, a saber o significado da teologia medieval, através dos ensinamentos da Escolástica; e, sobretudo, mantêm-se sempre atualizado no avanço dos estudos teológicos. Enfim, está preparado para servir à Igreja…
Certo dia, enquanto folheava o último número de uma revista teológica, foi chamado a apresentar-se ao superior. Este lhe comunica uma nova ordem: “O professor de catequese da cidade vizinha ficou doente e teve que ir para o hospital, pois o médico acredita que seja um princípio de pneumonia. Você terá que substituí-lo neste domingo”. Esta seria uma missão facilíssima para um doutor em Teologia. O estudioso, porém, pergunta: “Sobre que tema devo discorrer?”. E o superior lhe diz: “Você deve ensiná-los a respeito de quem é Deus”.
Como já estava na quarta-feira, logo começou o preparativo da aula de catequese, sua primeira missão após anos de intensos estudos. Nada podia falhar, todos os matizes doutrinários e autores famosos deveriam ser citados de memória, para não demonstrar insegurança diante de seu seleto auditório.
O dedicado religioso quase não conseguiu dormir na noite que precedia sua estreia, de tal modo estava ansioso por transmitir tantos conhecimentos acumulados. Na cabeça dele havia um esquema muito bem estabelecido sobre o que ensinar naquela ensolarada manhã de domingo; ele pretendia mostrar a perfeição e a bondade de Deus a partir de Sua essência, pois só assim era possível compreender quem é Deus.
O inusitado auditório
Ao partir para a cidade vizinha, o sábio teólogo carregou consigo uma pequena seleção de doze livros, apenas para o caso de alguma breve consulta antes de iniciar sua exposição. Quando chegou à paróquia, o jovem perguntou ao seu superior onde seria realizada a palestra e este lhe respondeu: “É naquela sala à direita. Pode ir, pois já devem estar lhe esperando. Enquanto isso vou preparar os componentes todos para a celebração da Missa”. Prontamente o religioso fez uma reverência ao superior e dirigiu-se para o local indicado.
Vendo que a porta estava aberta, entrou com decisão para não deixar transparecer sua insegurança. Que surpresa! Ele esperava encontrar um ambiente adaptado para que pudesse exprimir suas brilhantes ideias, mas a minúscula sala nem sequer tinha cadeira para o expositor; ademais, a janela só não tinha caído porque um arame a segurava; no teto, uma única lâmpada pendurada e que dispensava qualquer luminária…
Justamente naquele momento, seus ouvintes estavam brincando com algumas bolinhas no chão. Quando viram seu novo professor, esboçaram um cândido sorriso e logo se levantaram para recebê-lo. No entanto, o maior deles não ultrapassava um metro de altura. O professor realmente estava desconsertado diante daquela cena que acabava de presenciar, mas absolutamente nada o impediria de prosseguir seu plano de ensino. Era sua primeira missão e ele não podia falhar, foram anos de preparação e precisava mostrar serviço.
Após rezar uma Ave-Maria para iniciar seu discurso, pediu que seus pequenos alunos se sentassem onde pudessem. Alguns conseguiram uns banquinhos velhos e sem encosto, outros simplesmente se conformaram com aquele duro chão.
O completo fracasso
Após se apresentar, o professor iniciou sua aula com admirável eloquência. Utilizava termos abstratos em abundância, também se mostrava grande entendido das regras da lógica, da cultura greco-romana e tudo isso sem contar as inúmeras citações em latim. Durante aquela massacrante palestra, que durou mais de uma hora, o jovem expositor, pensando que iria convencer seus ouvintes sobre a perfeição de Deus, com o formidável argumento de São Tomás de Aquino, fez de memória a seguinte citação:
“Deus, porém, é o primeiro princípio, não material, mas no gênero da causa eficiente; e tal princípio deve ser perfeitíssimo; pois assim como a matéria como tal está em potência, assim o agente como tal está em ato. Segue-se que o primeiro princípio ativo deve estar totalmente em ato e, por conseguinte, ser totalmente perfeito. Na verdade, algo é dito perfeito enquanto está em ato, pois diz-se perfeito aquilo a que nada falta de sua perfeição própria”[1].
O religioso havia dado seu melhor argumento e quase perdeu o fôlego para manter uma boa modulação de voz ao pronunciar aquela frase. Quando olhou para ver a reação de seu juvenil auditório, percebeu que todas as fisionomias estavam franzidas, numa atitude de completa incompreensão do que foi dito, exceto um… O pequenino, perto da janela, de tal forma se desligou daquele raciocínio, que pegou uma moeda em seu bolso e começou a brincar de “cara ou coroa” consigo mesmo.
O palestrante não se deu por vencido, continuou seu discurso com mais empenho do que antes. Quanto mais falava, mais percebia que as crianças deixavam de prestar atenção. Por fim, prostrado diante de seu próprio fracasso em transmitir a fé, lastimavelmente resolveu fazer a fatídica pergunta: “Então, depois de tudo o que eu disse, quero ver quem consegue repetir e me dizer quem é Deus”. Naturalmente as crianças olhavam para todos os lados, menos para seu professor, que em vão buscava um ínfimo resultado daquele verdadeiro “massacre doutrinário”. Foi quando apontou a esmo para um pequenino e disse: “Você que está com a camisa azul, responda, quem é Deus?”. Apesar de temeroso, o menino, que costumava ser extrovertido, respondeu com toda a inocência: “Minha mãe disse que é o Papai do céu”.
Durante a Missa
O professor não podia conter a decepção que estava estampada em seu rosto, mas do bimbalhar do sino da torre da igreja, veio em sua salvação, o anúncio do início da celebração da Santa Missa. Logo dispensou seus alunos, que contentes por serem “libertados”, foram a toda pressa a fim de ocupar os primeiros bancos da igreja. Lentamente o religioso foi caminhando para o interior do templo, quando sentiu algo agarrar sua mão. Era a pequena Maria, uma de suas minúsculas alunas, contando com apenas seis anos de idade, que pedia para assistir à Missa ao seu lado. Ele não pôde recusar o convite.
− Diante do superior, experimentado sacerdote, não conseguiu disfarçar em seu olhar o fracasso do “sábio”. Sorrindo o celebrante fez a pergunta formal: “E então, a aula foi boa?”. Inseguro, o religioso redarguiu: “Sim, sim, ocorreu tudo bem. Graças a Deus”. E a pequenina Maria ia assentindo com a cabeça em favor de seu novo amigo. O sacerdote já paramentado pediu que eles se posicionassem em seus lugares e Maria o conduziu a um privilegiado banco.
Durante o sermão, com sua grave e característica modulação de voz, o sacerdote resolveu dedicar uma parte do tempo para aconselhar o inexperiente professor, explicando o evangelho do dia sobre o bom samaritano (cf. Lc 10,25-37). E dizia: “Jesus Cristo quis ensinar ao doutor da lei, o qual tentou colocá-lo à prova com perguntas, que o homem bom não é aquele que muito conhece, mas aquele que tem uma boa vontade e age corretamente[2]. O samaritano, que eles desprezavam, foi quem ajudou o pobre homem que havia sido assaltado. Agora, se um samaritano foi capaz de ajudar um homem que nem conhecia, imaginem o que Deus pode fazer para nos ajudar, pois conhece tudo o que se passa com cada pessoa e quer que todos se salvem a fim de viver com Ele para sempre”.
O religioso, que estava pensativo, ouviu uma suave voz lhe dizendo: “Eu gosto desta história”. Era Maria que acompanhava tudo com muita atenção. Ele então lhe perguntou: “Mas você está entendendo o sermão?”. A pequenina disse: “Sim, Deus é bom com todos nós, é por isso que nós também temos que ajudar os outros. Só assim vamos para o céu”. O grande letrado percebeu que depois de tantos anos estudando, não era capaz de explicar quem é Deus, pois ele mesmo já não o conhecia bem…
Um ensinamento que levaria para a vida inteira
Terminada a Missa, o jovem religioso foi à sacristia antes mesmo de que o sacerdote retirasse os paramentos e confessou o completo fracasso em transmitir a essência de Deus para aquelas crianças. E se perguntava porque tantos anos de estudos, não foram suficiente para responder à pergunta mais fundamental de nossa fé: Quem é Deus?
Vendo a perplexidade daquele novato, o sábio ancião lhe disse: “Você já se esqueceu daquilo que sua mãe lhe ensinou ainda quando era pequeno? Que Deus é perfeito e que criou os seres humanos à sua imagem e semelhança por amor; que os homens devem conhecê-lo, amá-lo e servi-lo nesta terra e depois viverem felizes com Ele por toda a eternidade”[3].
E conduzindo-o à porta da sacristia, o sacerdote lhe mostrou uma cena muito comovente. Um dos pequeninos que há pouco assistia à aula do jovem religioso e que nada compreendeu, havia se encontrado com seus pais e ambos o abraçaram com terna afeição. Prosseguiu o sacerdote: “Meu jovem, aquela criança quer ser como seu pai quando crescer, por isso o imita em tudo, seu pai é a perfeição para ele. O abraço de sua mãe é a maior bondade que ele conhece; esta criança está disposta a seguir sua mãe onde quer que ela vá, porque através de seu amor ela representa tudo o que há de bom neste mundo. Eles são imagens de Deus para a criança. Basta ensiná-la que deve buscar a perfeição imitando a Deus[4] tanto quanto o seu pai, e procurar durante toda a vida se dirigir a Deus[5], infinitamente Bom, como ele correria para abraçar sua mãe”.
Quando o jovem professor pensou que já havia entendido aquela lição, veio-lhe um último conselho: “Meu filho, jamais deixe que a soberba do pensamento lhe faça esquecer-se da simplicidade das coisas[6]. Nós jamais poderemos conhecer a Deus inteiramente nesta terra. Todo o nosso esforço racional tem um limite, você sabe disso. É impossível conhecer a Deus diretamente, nós O conheceremos pelo que Ele não é (é evidente para nossa inteligência que Deus não pode ser limitado, irracional, mau, limitado e mutável. Ao contrário o Ser Supremo é infinito, eterno, bom, perfeito e imutável) ou então por comparação com aquelas criaturas que mais se assemelham a Ele. Por isso, temos que utilizar uma linguagem humana para tentar exprimir a semelhança que as criaturas têm com seu Criador[7]. Aprenda a contemplar a natureza e os acontecimentos humanos lembrando-se de Deus, origem e sustentáculo do Universo. Faça isto sempre com humildade, pois nunca se esqueça do que ensina o livro dos Provérbios: ‘Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes’ (Pr 3,34)”.
O religioso guardou bem este ensinamento e talvez lhe tenha sido mais útil este dia de sua vida, catequizando alguns pequeninos, do que todos os anos de estudos, pois foi tentando explicar a fé para algumas crianças que ele mesmo “descobriu” quem era Deus…
[1] Suma Teológica, I, q. 4, a. 1.
[2] Cf. Suma Teológica, I, q. 5, a. 4.
[3] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1.
[4] Cf. Suma Teológica I, q. 4, a. 3.
[5] Cf. Suma Teológica I, q. 6, a. 1.
[6] Cf. Imitação de Cristo. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. pp. 14-17.
[7] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 39-43.
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