001Velho Pastor

Lucas Antonio Pinatti

Estando certa vez em uma cidade interiorana da Espanha, deparei-me com uma cena simples, mas inesquecível. Estava eu em meu quarto quando o ruído provocado por sinos e um murmúrio de voz humana eram trazidos pela suave brisa da tarde.

Ao assomar-me à janela do quarto, vi que um rebanho de cerca de 40 ovelhas se apinhavam junto ao pastor que do alto de seu púlpito, uma pedra da colina, conversava com as ovelhas. Uma delas, pequenina, estava em seu ombro, parecia ferida. A outra acariciava com a mão. Outra recebia uma reprimenda por ter-se afastado imprudentemente do rebanho colocando-se ao alcance dos lobos espanhóis. A todas tratava o pastor pelo nome e as ovelhas, como se possuíssem inteligência, ouviam com avidez as palavras do bom campesino.

Esta cena, incomum em nosso ambiente urbano, mas tão antiga como o mundo, é uma imagem da função dos bispos na Igreja, prefigura pelo Divino Mestre.

“Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem. Por elas dou a minha vida” (Jo 10, 14.15). Nesta passagem da escritura, vemos Nosso Senhor se apresentar como o perfeito pastor, capaz de ir ao encontro de uma só ovelha que se tenha desgarrado do redil, a ponto de, se preciso for, dar a sua própria vida. Fato que se deu realmente ao consumar sua paixão no Calvário. Por sua morte, redimiu todos os homens, salvando-os da culpa original, e abrindo-lhes as portas do Céu[1].

Notamos, ademais, por esta narração feita pelo evangelista, um especial afeto e predileção para com a função de pastor entre os homens. Dela utilizou-se o Divino Mestre para simbolizar de uma maneira insuperável, seu zelo e amor por todos os homens[2]. E este ofício, o Pastor Eterno quis confiar a São Pedro, constituindo-o pastor e chefe da Igreja Universal, dizendo-lhe após a sua ressurreição: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21, 15-17). Com estas palavras, Nosso Senhor, além de reafirmar o poder do apóstolo de ligar e desligar na terra e no Céu, deu-lhe a completa autoridade sobre a Igreja, passando a Sua própria função de apascentá-la.

Ademais, como nos ensina o Concílio Vaticano II: “Assim como permanece o múnus confiado pelo Senhor singularmente a Pedro, primeiro entre os Apóstolos, e que se devia transmitir aos seus sucessores, do mesmo modo permanece o múnus dos Apóstolos de apascentar a Igreja, o qual deve ser exercido perpetuamente pela sagrada Ordem dos Bispos”.[3]

E isto é de fato, pois Aquele que elegeu a São Pedro como cabeça e fundamento da Igreja, escolheu alguns discípulos, dando-lhes o nome de Apóstolos (Cf. Lc 6, 13). “Do mesmo modo que a autoridade de Pedro é necessariamente perpétua no Pontificado romano, também os Bispos, na sua qualidade de sucessores dos Apóstolos, são os herdeiros do poder ordinário dos apóstolos, de tal sorte que a ordem episcopal forma parte da constituição íntima da Igreja”[4]. “Por instituição divina, os Bispos sucedem aos Apóstolos, como pastores da Igreja; quem os ouve, ouve a Cristo; quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo (cfr. Luc. 10,16).”[5]

Sendo sucessores dos apóstolos, também passam a fazer parte do colégio apostólico. Do mesmo modo que os apóstolos eram unidos a São Pedro, os Bispos estão de igual forma unidos ao Romano Pontífice, sucessor de São Pedro, de maneira a que, sem a autoridade e união com o Vigário de Cristo, esse colégio episcopal perde todo o seu poder[6]. Reunindo-se em concílios, este colégio episcopal guiou o povo de Deus desde os primeiros séculos da cristandade. Por ele as verdades da Fé são ensinadas; o rebanho de Cristo é orientado; os homens recebem a luz para chegar a plena santificação. Em suma, através dos Concílios, a nau da Igreja é guiada pelos mares da História com o forte impulso da suave brisa do Espírito Santo.

A missão de ensinar

Após a ressurreição milagrosa estando junto aos discípulos no monte das Oliveiras antes de ascender aos Céus, Jesus com sua voz indescritível e adorável ordenara: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15); “Batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28,19) Com estas palavras, Jesus quis deixar selada para sempre a missão dos apóstolos, e sucessivamente, a de todos os bispos.

Segundo as palavras do Salvador, os Bispos, junto com os presbíteros e diáconos – os seus colaboradores – têm como dever principal anunciar com todo o empenho o Evangelho de Deus.  Sendo dotados da própria autoridade de Jesus Cristo, “os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos discípulos”[7]. Contudo a simples presença de um sucessor dos apóstolos deve também ser um reflexo vivo da palavra divina que anuncia, pois só desta forma fará brotar as sementes que afastam os erros.  A esse propósito exortava São Paulo: “prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério” (2 Tim 4,2.5).

Essa é a principal função pela qual todo Bispo se compromete: levar, pelo bem de seus súditos, a missão pastoral evangelizadora sem interrupções[8]. Os fiéis, entretanto, devem estar de acordo com os ensinamentos de seu pastor, pois eles anunciam infalivelmente as doutrinas de Jesus, ao estarem em comunhão com o Bispo de Roma. Por sua sabedoria, suas pessoas se tornam sagradas perante os fiéis, os quais devem manifestar respeito e veneração por estes homens, testemunhas e reflexos vivos da doutrina divina e católica.

A missão de santificar

“O Bispo e os presbíteros santificam a Igreja com sua oração e seu trabalho, por meio do ministério da palavra e dos sacramentos”[9]. Por estas duas formas, a Igreja no seu conjunto, é elevada a um mais alto patamar de santidade. A boa administração dos sacramentos, e em especial a eucaristia – pela qual Cristo quis perpetuar a memória de sua paixão – faz que as Graças infinitas de Deus se difundam sobre o orbe, comprando pelos méritos de Cristo, os benefícios para a salvação da humanidade.

A missão de governar

Por sua própria potestade sagrada vinda desde os Apóstolos, os Bispos agem como legados do Senhor nas suas igrejas particulares, trabalhando de maneira a todos serem inteiramente unidos por meio do corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo[10].  Devem deste modo aconselhar, alertar e persuadir o seu rebanho rumo à verdade e à santidade, através, não só por suas palavras, mas principalmente por seus exemplos e virtudes.

Enfim, o bispo jamais pode ofuscar sua vista perante a grande vocação que o Senhor lhe deu, mas sim ter sempre presente o exemplo do Bom pastor que veio ao mundo para servir e não ser servido (Cf. Mt 20,28). Serviço que “para resgatar a essas ovelhas que confiou a Pedro e as seus sucessores”,[11] entregou seu corpo, derramando por completo seu precioso sangue na cruz.

Neste sentido, assim nos diz a encíclica Lumem Gentium: “Tendo que prestar contas a Deus pelas suas almas (cfr. Hebr. 13,17), deve, com a oração, a pregação e todas as obras de caridade, ter cuidado tanto deles como daqueles que ainda não pertencem ao único rebanho, os quais ele deve considerar como tendo-lhe sido confiados pelo Senhor.” Seguindo esses ensinamentos, o Bispo fará todo o necessário “para que a graça se torne copiosa entre muitos e redunde o sentimento de gratidão, para glória de Deus” (2 Cor 4,15).

Este é o sentimento e a compenetração que um católico deve possuir quando ao encontrar-se diante do Bispo diocesano, o Pastor de um inumerável rebanho.

Revisão: V. Menezes/M. Melo


[1] Cf. S. Th. III, q. 49, a.5

[2] Cf. DIAS, João Clá. A maior felicidade. Arautos do Evangelho. São Paulo: Associação Arautos do Evangelho. n. 55, p.14.

[3] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 20: AAS 57 (1965) 24.

[4] LeãoXIII. Carta Encicl. Satis cognitum, 29 jun. 1896: ASS 28 (1895-96)

[5] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium.Opus cit.

[6] Cf. Idem. 22

[7] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 29.

[8] Cf. S. Th. II-II, q. 185, a. 5.

[9] FERNÁNDEZ, Luis Martínez. Diccionario teológico del Catecismo de la Iglesia Católica. B.A.C.:Madrid, 2004. p. 246.

[10] Oração moçarabe. PL 96, 759 B

[11] São João Crisóstomo. De sacerdotio II.