As três maiores virtudes: Fé, Esperança e Caridade
Estas três virtudes são chamadas teologais porque têm a Deus por objeto de modo imediato. Pela fé nós aderimos ao que Ele revelou; pela esperança tendemos a Deus apoiando-nos em seu socorro para chegar a possuí-Lo um dia e vê-Lo face a face; pela caridade amamos a Deus sobrenaturalmente mais do que a nós mesmos.
Estas são, sem dúvida, as virtudes mais elevadas, pois elas é que nos fazem aperfeiçoar as outras virtudes morais que não atingem o fim último do homem, mas sim os meios para chegar a este fim.
Quando Deus decidiu criar – para usar uma linguagem humana, pois ao falar de Deus não se pode falar em quando; Ele tinha “decidido” desde toda a eternidade todas as coisas – teve em vista antes de tudo Nosso Senhor Jesus Cristo, e não a criação, como nós conhecemos na ordem cronológica. Toda a criação existe em função do Verbo de Deus e como um reflexo seu.
Uma vez que Deus quando criou teve em vista em primeiro lugar a Ele, e se estas – fé, esperança e caridade – são as virtudes mais importantes, qual a relação destas virtudes com a Pessoa adorável do Verbo, e mais especialmente com a sua Encarnação? Podemos dizer que estas virtudes foram fortalecidas em virtude da Encarnação? Por que são fortalecidas pelo fato de ter havido a Encarnação?
A fé fortalecida em virtude da Encarnação
Por que a fé é fortalecida em virtude da Encarnação? O motivo pelo qual devemos ter fé é a autoridade de Deus que revela as verdades que devemos crer. Deus é infalível, não pode equivocar-Se nem equivocar-nos. O primeiro homem, depois da queda, acreditou no Salvador que viria, Abraão creu no Messias que nasceria de sua descendência e os profetas creram que Ele viria para a salvação do mundo. Mas, a fé se torna muito mais certa pelo fato de crermos em Deus que veio sensivelmente falar-nos.
Quando Deus fala pela boca de um Moisés, um Isaias, ou de um Elias, permanece oculto, inclusive quando realiza milagres deslumbrantes como a abertura do Mar Vermelho; Ele permanece inacessível.
Por isso quando Ele tomou um corpo semelhante ao nosso em tudo, menos no pecado, fala-nos com voz humana, verdadeira e sensivelmente, mais certa é nossa fé. “Em verdade em verdade vos digo: aquele que crê em Mim terá a vida eterna.” (Jo 6, 47) É muito mais certo do que qualquer profecia do Antigo Testamento. Nenhum profeta pôde dizer: Eu sou a verdade, apenas podiam dizer: Eu recebi a verdade. Nosso Senhor Jesus Cristo é o único que pode dizer: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.” (Jo 14, 6).[1]
Evidentemente, nós não vemos a divindade de Jesus, nem com os olhos do corpo, nem com o olhar da alma – e por isso dizemos que nossa fé é fortalecida e não transformada em visão – mas Jesus fala com tal autoridade que quando diz: “Em verdade em verdade vos digo: antes que Abraão fosse, Eu sou.” (Jo 8, 58) não podemos duvidar de que Ele é Deus e que se fez sensível, e nos fala para fortalecer nossa fé. Assim, os enviados dos fariseus não puderam deixar de dizer: “jamais um homem falou com este.” (Jo 7, 46) Se quando o cura d’Ars pregava muitos diziam “ver Deus num homem” quanto mais se dava isso em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho Único de Deus.
“Suponhamos que não tivesse havido a Encarnação e que pregação mais elevada fosse a de um Elias ou de um Isaías, quão menor teria sido a nossa fé e quão pobre teria sido a história da humanidade em comparação com a que realmente foi! A própria grandeza dos profetas desapareceria e perderia a razão de ser, pois que esta provém unicamente do fato da Encarnação, e por serem eles precursores do Salvador.”[2]
A esperança fortalecida em virtude da Encarnação do Verbo
A Encarnação não apenas confirma e fortalece nossa fé, senão que também excita nossa esperança. Por esta virtude nós desejamos e esperamos o Bem supremo e tendemos a Ele, pois o objeto próprio da esperança é “um bem futuro difícil de alcançar”[3], em outras palavras, o supremo Bem de que um dia gozaremos durante toda eternidade.
“Se bem que a esperança seja inteiramente conforme a nossa natureza humana, há em nós uma tendência constante para o desânimo pelo fato de estarmos imersos nas lutas e dificuldades da vida.
“O mistério da Encarnação vem precisamente levantar nossa confiança, pois nos dá não só o socorro divino da graça, mas o próprio Autor da graça, Ele é o motivo de nossa esperança que permanecerá conosco até a consumação dos séculos.”[4]
Se nós temos mais confiança num amigo quando este demonstra que tem por nós um verdadeiro e profundo afeto, quanto mais devemos ter confiança em Nosso Senhor que se fez carne e habitou entre nós e padeceu numa Cruz para nossa salvação: Não há maior prova de amor do que dar a vida por seus amigos.
O que foi, senão a Encarnação, que deu força aos milhares de mártires durante mais de trezentos anos de sangrenta perseguição?
A caridade fortalecida em virtude da Encarnação
Talvez seja a caridade a virtude mais fortalecida pela Encarnação, pois não poderíamos receber maior prova de amor da parte de Deus do que ver Nosso Senhor morrer por nós numa Cruz. Ele que é a felicidade em substância, não precisava ter criado; depois de ter criado o homem em graça e tê-lo visto pecar no Paraíso Terrestre, poderia abandoná-lo à mercê do destino. Entretanto, Ele amou tanto o homem que enviou o seu próprio Filho. Dir-se-ia que esse Filho viria para ser proclamado rei, ser servido e adorado, fazer de toda a humanidade seus escravos de direito… não! Ele vem para sofrer por nós e para abrir para nós as portas do Paraíso Celeste, incomparavelmente superior ao primeiro; Ele morre numa Cruz sem abrir a boca; Ele vem para servir e não para ser servido; Ele se faz escravo nosso na Eucaristia! Como poderia nossa caridade não se fortificar com tamanha prova de amor? “A quem muito se perdoou, este demonstra muito amor…” (Lc 7,47) A quem muito se amou, este se fortifica na caridade.
“O mistério da Encarnação deve, enfim, excitar ao mais alto grau nosso amor de Deus, pois como diz Santo Agostinho: ‘Qual a causa principal pela qual o Verbo se encarnou senão a manifestação de seu amor por nós? Se não sabemos amá-Lo, aprendamos ao menos devolver amor por amor.’”[5]
Pela caridade infundida em nós no momento do batismo, devemos amar a Deus com um amor sobrenatural, mais do que amamos a nós mesmos. Devemos amá-Lo como a um grande Amigo que nos amou por primeiro e que é infinitamente melhor em si mesmo do que nós. O que é amá-Lo? É fazer em tudo sua vontade: “faça-se sua vontade assim na terra como no céu” (Mt 6,10), até chegarmos a ser em tudo como Ele, um verdadeiro alter ego: “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”. (Mt 5,48) A divina bondade de Deus é, portanto, o objeto imediato de nossa caridade. Esta divina bondade tem sido manifestada especialmente pelo amor supremo com que Deus nós amou enviando o seu Unigênito: “Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu próprio Filho Unigênito.” (Jo 3, 16) Podemos dizer que esta é a verdade fundamental do cristianismo, pois este ato de amor de Deus para conosco nos deu a Nosso Senhor Jesus Cristo como Salvador. A Encarnação do Verbo fortifica, assim, enormemente nossa fé, nossa esperança e nossa caridade.
[1] Cf. GUARRIGOU-LAGRANGE, El Salvador y su amor por nosotros. trad. José Antonio Millán. ed. 2. Madrid: Rialp, 1977, p. 160.
[2] GUARRIGOU-LAGRANGE, Idem, p. 162. Tradução nossa.
[3] GUARRIGOU-LAGRANGE, Idem, p. 163. Tradução nossa.
[4] GUARRIGOU-LAGRANGE, Idem, p. 164. Tradução nossa.
[5] GUARRIGOU-LAGRANGE, Idem, p. 167. Tradução nossa.
No Comments Yet