Quanto mais Jesus Cristo tentava fazer o bem aos outros, tanto mais era rejeitado. No fim de sua vida na Terra, o Homem-Deus se sentira completamente só e isolado, abandonado por todos, inclusive por aqueles a quem mais Ele estimava: “[…] nunca ninguém sofreu tanto quanto Ele, não só na ordem física, mas sobretudo na ordem moral: abandono, ingratidões, crueldades […]”[1].
* O inteiro abandono
É por isso que nas sérias e solenes cerimônias da Semana Santa nos deparamos com uma triste realidade: é o pecado dos pecados, a infâmia das infâmias, a traição por excelência… o Deicídio. Apesar de Deus, Nosso Senhor, na sua infinita Bondade, ter operado incalculáveis milagres e haver perdoado até os piores pecados, Ele foi odiado, caluniado, perseguido e até assassinado… Qual o homem que não se comove ao meditar nestas pungentes cenas? Essa ingratidão, entretanto, Nosso Senhor a carregou por inteiro desde o início da Encarnação até a sua Crucifixão. É alguns trechos que as Sagradas Escrituras nos revelam.
Tomando o primeiro evangelho, podemos ressaltar as seguintes passagens:
* Alguns exemplos nos relatos de São Marcos
Primeiramente, Nosso Senhor, na sua divina misericórdia, absolve os pecados do paralítico e depois o cura. E o que os escribas dizem? “Como pode Ele falar deste modo? Está blasfemando. Só Deus pode perdoar pecados” (Mc. 2, 7). E mais tarde, devido aos numerosos exorcismos, “os escribas vindos de Jerusalém diziam que Ele estava possuído por Beelzebú e expulsava os demônios pelo poder do chefe dos demônios” (Mc 3, 22). Primeira rejeição: a dos escribas.
* A segunda rejeição
Qual foi a reação dos fariseus e herodianos, quando Nosso Senhor curou o homem da mão seca, na Sinagoga da Galileia? “Saindo daí, imediatamente os fariseus, com os herodianos, tomaram a decisão de eliminar Jesus.” (Mc. 3,6). Segunda rejeição: a dos herodianos e fariseus.
* E a sua familia?
Poderíamos pensar que a rejeição de seus inimigos seria normal. Até aqui não temos grande surpresa. Mas, inclusive a sua própria família, as pessoas em que ele deveria encontrar apoio, o considera um louco: “Jesus voltou para casa, e outra vez se ajuntou tanta gente que eles nem mesmo podiam se alimentar. Quando seus familiares souberam disso, vieram para detê-lo, pois diziam: ‘Está ficando louco’”. (Mc. 3, 20-21).
Todavia, nem sequer em sua Pátria Ele era acolhido: “Jesus, então, dizia-lhes: ‘Um profeta só não é valorizado na sua própria terra, entre os parentes e na própria casa’” (Mc 6,4). Terceira rejeição: a de seus familiares e de sua Pátria.
* Entre os doze também há falta de amor
Aproxima-se a Paixão: Nosso Senhor já foi condenado por seus inimigos e abandonado por sua Pátria e seus familiares. Mas, seu sofrimento não podia piorar? Aqueles que mais tinham recebido haveriam também de abandoná-Lo, e até de trai-Lo! “Judas Iscariotes, um dos doze, foi procurar os sumos sacerdotes para lhes entregar Jesus. Ouvindo isso, eles ficaram contentes e prometeram dar-lhe dinheiro. Judas, então, procurava uma oportunidade para entregá-lo.” (Mc 14, 10-11).
Mesmo seus seguidores mais íntimos, os discípulos, “estavam a caminho, subindo para Jerusalém. Jesus ia à frente, e eles, assombrados, seguiam com medo.” (Mc 10, 32-34). Perderam a confiança nEle. Já tinham dado o primeiro passo para abandoná-lo: a falta de confiança e medo. O segundo passo, eles o dariam no Horto das Oliveiras: “Então, abandonando-O, todos os discípulos fugiram” (Mc 14, 50). “O isolamento e a perspectiva da dor são os dois sofrimentos ápices do Homem Deus no Horto das Oliveiras.”[2] Até mesmo São Pedro, o primeiro Papa o nega três vezes, jurando: “Não conheço esse Homem de quem falais” (Mc 14, 71). Quarta rejeição: dos discípulos e apóstolos.
* O Homem Deus tinha de se rebaixar até aos criminosos
Abandonado por quase todos, faltava ainda a injúria e a rejeição dos condenados. Para escândalo de todos, e para que se cumprissem as profecias, Nosso Senhor é crucificado no meio de dois criminosos, um à sua direita e outro à sua esquerda (Cf. Mc 15, 27; Mt 27, 44). Neste trecho, São Marcos e São Mateus afirmam que os dois ladrões lançavam injúrias, pois queriam sublinhar quanto Nosso Senhor estava abandonado e rejeitado na Cruz. Ao contrário, São Lucas afirma que um se convertera, pois todo seu evangelho é voltado para a misericórdia divina (Cf. Lc 23, 39). O ilustre São João Crisóstomo resolve esta aparente contradição afirmando que aconteceram ambas as coisas: no início, os ladrões lançavam impropérios, mas depois, um reconheceu o crucificado e confessou o seu reinado.[3]
* A consumação do divino sacrifício
Finalmente, para consumar todo seu sacrifício, na sua natureza humana o Homem Deus se sente abandonado pela primeira pessoa da Santíssima Trindade, seu próprio Pai: “[…] Elwi Elwi lema sabacqani” [4] (Mc 15,34). Este foi o pior de todos os sofrimentos, pois Ele se sentiu inteiramente isolado, sem ninguém que o entendesse, auxiliasse e animasse. Ele se sentira abandonado até mesmo por quem Ele amava infinitamente!
Foi assim que Nosso Senhor chegou ao extremo da rejeição, do desprezo e do isolamento para que se cumprisse a profecia: “Era o mais desprezado e abandonado de todos, homem do sofrimento, experimentado na dor, como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele.” (Is. 53, 3).
Por Eduardo Noubleau
[1] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Os sacrifícios do varão católico. São Paulo, 15/03/1988. Conferência. (Arquivo ITTA-IFAT).
[2] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Os sacrifícios do varão católico. Op. Cit. (Arquivo ITTA-IFAT).
[3] Cf. JOÃO CRISÓSTOMO, Santo. In Paraliticum demissum per tectum, 3: PL 51, 53-54.
[4] “[…] meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.
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