Como entender e incutir em nossas almas o quanto é de importância capital a nossa rejeição ao pecado venial?  Pois, como nos ensina Santo Agostinho, o pecado venial é a lepra da alma, que deturpa tanto a nossa beleza de alma, que nos afasta do convívio de Deus.[1] Tentaremos dar uma visão clara sobre o tema através deste artigo.

Conservamos ideias errôneas a respeito do pecado venial, esse mal, que tanto prejuízo traz para a nossa vida espiritual. Pensando ser um pecado inofensivo, cometemo-los muitas vezes, esquecendo-nos ser um mal que desagrada a Deus.

Antes de tratarmos a fundo sobre o pecado venial, achamos necessário demonstrar que é um mal existente, visto que, hoje em dia, se nega tal realidade. Para esse efeito nada melhor do que apoiar-nos no Magistério da Santa Igreja: “Então, por mais que nesta vida mortal, haja os santos e justos, [eles caem] algumas vezes em pecado, pelo menos, leves e cotidianos, que se chamam também de veniais”. [2] Logo, se o santo cai em algo, esse algo existe, então o pecado venial é declarado verdade pela Santa Igreja e quem o negar está fora dela. Também São Paulo afirma: “Se dissermos: ‘Não temos pecado’, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1,8-9).

Depois de comprovarmos a existência do pecado venial, antes de tudo, deveremos defini-lo e discutir sobre ele, recordando sua origem.

Sua procedência está relatada no Livro do Gêneses, na parte em que relata como Deus criou o mundo.

São Tomás de Aquino explica o fato de Deus ter criado o mundo em duas ocasiões distintas, em dois dias diferentes, como é relatado: ”Deus viu que a luz ere boa e separou a luz das trevas” (Gn 1,3-5).

A primeira consideração feita pelo Doutor Angélico é a que nos interessa, pois diz respeito ao nosso tema. A segunda se refere ao dia precedido pelo sol e, à noite pela lua, que não será tratado nesta monografia, por não fazer parte do objetivo. E, para isso, passaremos para a primeira consideração.

Ao ser relatado pelo Gênesis “Deus separou a luz das trevas” (Gn 1,3-5), São Tomás explica que houve, nesse momento, a separação dos Anjos bons dos demônios. Estes revoltaram-se contra a vontade de Deus, ao ser revelado o plano da Redenção.

Por esse fato se conclui que a origem do pecado está no orgulho, como fruto da comparação e desobediência a Deus.

Posteriormente lê-se, no mesmo livro, um fato importante da vida do Homem: a criação de Adão e Eva operada por Deus, criando-os em estado de prova, ou seja, sendo eles os pais da Humanidade, provariam ante Deus sua fidelidade. Mas Eva, como mãe da Humanidade, por uma falta de vigilância, dialogou com o demônio, foi convencida a desobedecer a Deus, que há pouco a havia criado. Depois Adão, levado pela sedução de sua esposa, come também do fruto que Deus lhe havia restringido.

Nesse pecado denota-se novamente a causa de todo o Pecado: orgulho, como fruto da comparação, levando por fim, à desobediência a Deus.

Apesar de o pecado venial ser muito distinto do pecado mortal, têm ambos, como ofendido, o mesmo Deus. O pecado venial não nos priva da amizade de Deus, obtendo a  “vênia” de Deus facilmente, provendo daí o nome de venial. Ele se diferencia do mortal ou pela matéria ou pelo conhecimento, ou ainda pelo consentimento pleno. Quando um desses pontos for incompleto, a falta é leve, ou seja, venial. Com isso não se elimina a vida da graça em nós, mas, como nos ensina Santo Agostinho, deixa a alma num estado como que de lepra; por isso esse pecado é chamado “a lepra da alma”. Este deturpa tanto a sua beleza, ao ponto de causar repugnância a Deus. [3]

Na Sagrada Escritura, encontramos fatos que nos demonstram a repugnância que o pecado venial causa a Deus. Como, por exemplo, aquele fato, que muitas vezes nos causa terror: a destruição de Sodoma e Gomorra.

Deus diz a Lot que transmitisse à sua família que não olhassem para trás, pois quem tivesse curiosidade seria castigado. A mulher de Lot tinha deixado em Sodoma muitos amigos e queria saber o que estava acontecendo com estes e com aqueles… Olhou para trás, transgredindo a pequena ordem de Deus, e tornou-se uma estátua de sal. Mudou-se em estátua de sal, por ter cometido um pecado venial. [4]

Como nos ensina Mons. João Clá, assim também a nossa alma fica ao cometermos um pecado venial. A vida sobrenatural de nossa alma não é morta, mas é “paralisada”. Como, por exemplo, alguém que sofresse um acidente de automóvel e que, por ser atingido em um centro nervoso, fica paralítico. A pessoa não morre, mas a paralisia é a sua moléstia. [5]

Ou ainda o episódio dos quarenta meninos que debicam de Eliseu por ele ser calvo. Era uma brincadeira de meninos. O que aconteceu? Foram tragados por um lobo que saiu da floresta. É assim que Deus tem repugnância ao pecado venial! [6]

 É digna de nota a consideração do Pe. André Beltrami, a respeito do pecado venial a fim de termos noção de sua gravidade:

Um mal menor do que um pecado venial seria, também, se o Universo se reduzisse a pó, se Deus expulsasse do Paraiso sua Mãe SS. e as hierarquias dos Anjos. E a razão é sempre a mesma: A ofensa e o dano, ainda que também eternos, de criaturas finitas e limitadas, não tem termo de comparação com a ofensa feita a Deus, bondade infinita.[7]

Pelo contrário, o pecado mortal, mata a vida da graça em nós, deixando a nossa alma sem caridade, ficando um molambo de Fé e Esperança, pelo qual a alma vil e perversa se aproxima do sacramento da confissão e se arrepende de sua falta. Só por uma misericórdia de Deus a alma não é precipitada imediatamente no inferno, como nos ensina a doutrina da Igreja.

Todo católico, verdadeiramente católico, ao ouvir a narração da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, sente até ao âmago de sua alma um movimento de ódio para com todos os seus algozes. Sentimento santo e agradável a Deus. Mas quando cometemos um pecado venial, julgamos timoratamente, ser esse pecado venial inferior à Paixão de nosso Redentor. Pensamento errado, pois não está de acordo com a doutrina Católica, pois “os santos comparam a culpa venial a uma bofetada […], ou a um gesto de desprezo, [para com Deus].” [8] Ou seja, quando nós perpetramos um pecado venial é como, ao invés de ser o verdugo a esbofetear o Homem Deus, sermos nós próprios a dar a bofetada.

Por quantos atos nossos nós deveríamos ser julgados como aqueles que maltrataram o nosso Deus?

Mas por infinita misericórdia Divina, somos a todo momento repletos de graças e consolações.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, em uma de suas homilias sobre o pecado venial, explica uma das consequências de tal pecado, quando abraçado e não combatido. O indivíduo por não se esforçar para combater o pecado venial traz como consequência para si, o minguamento da sua generosidade e com isso se entrega cada vez menos ao seu ideal, cada vez mais vai empanando a sua fidelidade. Com isso o seu zelo pelas almas, ou seja, pela Causa para a qual se entregou, diminui. A pessoa fica cada vez mais relaxada e toma a vida com superficialidade. E, ao mesmo tempo, perde a ternura, o afecto para com as criaturas que necessitam de auxílio. Todas estas consequências trazem como prejuízo para a alma o seu empedernimento.[9]

(A continuação deste artigo será publicada em breve)

Por Carlos Rafael Pinto Príncipe

 


[1] BELTRAMI, André. O Pecado venial. ed. San Benignio Canvese, 1898, p. 91.

[2] DH 1537. (Tradução nossa).

[3] Cf. BELTRAMI, 1898, p. 91.

[4] Cf. CLÁ DIAS, João Scognamiglio.O pecado venial.Homilia, 2009.

[5] Cf. CLÁ DIAS, 2009.

[6] Cf. CLÁ DIAS, 2009.

[7] BELTRAMI, 1898, p. 21.

[8] BELTRAMI, 1898, p. 16.

[9] Cf. CLÁ DIAS, João Scognamiglio.O pecado venial. Homilia, 2009.