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O tempo do Advento foi instituído pela Igreja, entre outros motivos, para lembrar a longa e multissecular preparação da humanidade com vistas a receber o Messias Salvador. A Liturgia é rica em mostrar os vaticínios dos profetas que descrevem, quase em minúcias, a missão do futuro Redentor. Ainda nesse tempo litúrgico ouvem-se, dos lábios da Esposa de Cristo, as súplicas dos justos do Antigo Testamento e os desejos ardorosos de todos os que esperavam a intervenção divina a favor do povo eleito.
Dessa forma, ao celebrar o Advento, os fieis contemplam maravilhados a obra da salvação iniciada por Deus em favor dos homens: assim que o primeiro casal foi expulso do Paraíso por causa do terrível pecado, o Altíssimo prometeu a vinda d´Aquela cujo calcanhar esmagaria a cabeça orgulhosa da serpente. É, realmente, no dia do Natal do Senhor que se cumpre com superabundância essa promessa de redenção.
Porém, a memória doce e suave do presépio de Belém, dos Anjos que cantam ao Divino Recém-nascido embalado com entranhado afeto nos braços da Virgem Mãe, não é o único horizonte do tempo do Advento. A Liturgia da Igreja leva o olhar dos católicos ainda mais longe. Ela mostra ao mesmo tempo a grandiosa vinda de Jesus Juiz, em glória e esplendor, rodeado de força e de poder, para ajustar as contas com a humanidade.
Essas duas vindas, a primeira na debilidade da carne, a segunda na força do juízo, formam um único quadro da história da salvação. Prescindir de uma delas seria ter uma fé caolha. Assim, a saudosa consideração daquela atmosfera diáfana e suave em torno de um Menino deitado na manjedoura em Belém se completa com a visão de um Cristo majestoso, Juiz da História. Com efeito, se Deus quis fazer-se pequeno, não foi senão para poder engrandecer o homem, abrindo-lhe as portas da vida eterna, à qual terá acesso mediante o assombroso Juízo.
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Esse tema merece uma atenção e um aprofundamento especiais. Trata-se de adestrar nossos corações a viver na perspectiva das duas vindas de Jesus, uma já ocorrida na pobreza e na bondade e outra ainda por dar-se na força e no poder, para conceder à humanidade o prêmio e o castigo eternos.
Nada melhor para isso do que recorrer a São Tomás de Aquino. Mas não tanto ao Tomás teólogo quanto ao Tomás pregador. De fato, o Doctor Communis não só ilustrou com sua sabedoria angélica os corações dos alunos de Paris, mas soube comover também, e até às lágrimas, assembleias repletas de fieis que escutavam suas pregações. Em uma de suas homilias, dedicada ao 1º Domingo do Advento, ele tece uma série de considerações muito úteis a fim de preparar os ouvintes de modo conveniente para as festas natalícias.
O título dado posteriormente ao sermão é Veniet desideratus. O pregador baseia suas considerações em torno da profecia de Ageu (2, 8): “Virá o desejado de todas as nações e encherá de glória este Templo”. Sem renunciar àquela lógica límpida que o caracteriza, São Tomás faz brilhar seu espírito contemplativo e sua aptidão para interpretar as Escrituras Santas, por ele conhecidas par coeur.
Eis o trecho escolhido para esta reflexão: a vinda do Filho de Deus preenche o desejo dos patriarcas.
“O profeta mostra que Deus cumpre misericordiosamente o desejo dos padres: Ele é o desejado de todas as nações. O homem estava, com efeito, enfermo de uma ferida incurável, oprimido por uma tirania irremediável, sedento de uma sede inextinguível. Por essa razão, como um enfermo, ele desejava o remédio para a saúde; como um oprimido, ele precisava de um Mestre doce; e, como um sedento, ele aspirava à nascente de uma fonte; era assim que o gênero humano desejava a vinda do Salvador.
“ ‘Desde a planta dos pés até o alto da cabeça, não há nele coisa sã. Tudo é uma ferida, uma contusão, uma chaga viva, que não foi nem curada, nem ligada, nem suavizada com óleo (Is 1, 6); Por que não tem fim a minha dor e não cicatriza a minha chaga rebelde ao tratamento?’ (Jer 15, 18) Eis porque o gênero humano desejava tanto o remédio da saúde: ‘Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele’ (Is 53, 2.3).
“O homem estava também oprimido por uma intolerável tirania: na verdade, ele havia sido entregue a seus inimigos como um ser nocivo: ‘Israel rejeitou o bem, o inimigo o persegue’ (Os 8, 3); ‘Quando o Senhor te tiver aliviado de tuas penas, de teus tormentos e da dura servidão a que estiveste sujeito…’ (Is 14, 3). Por esse motivo, eles desejavam um bom mestre: ‘Seu aspecto é como o do Líbano, imponente como os cedros. Sua boca é cheia de doçura, tudo nele é encanto. Assim é o meu amado, tal é o meu amigo, filhas de Jerusalém!’ (Ct 5, 15-16); ‘As nações tremendo sairão de seus retiros e virão amedrontadas para o Senhor nosso Deus; e elas vos temerão’ (Mq 7, 17).
“O homem estava também afetado por uma sede inextinguível, porque a privação da graça sacramental o havia secado: ‘Pode o papiro crescer fora do brejo, o junco germinar sem água?’ (Jó 8, 11). É uma alusão ao povo a quem falta a água no deserto; eis o motivo pelo qual ele deseja a nascente da fonte: ‘Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus’ (Sal 41/42, 2).
“Era, portanto, a Ele mesmo que eles desejavam, como mostram seus profundos suspiros: ‘Inclinai, Senhor, os vossos céus e descei’ (Sl 143, 5); ‘Oh! Se rasgásseis os céus, se descêsseis’ (Is 64, 1); e ainda: ‘Minha alma vos deseja durante a noite e meu espírito vos procura desde a manhã’ (Is 26, 9). Eles também imploravam sua vinda, como mostra a frequência de suas orações: ‘Despertai vosso poder e vinde salvar-nos’ (Sl 79, 3). Eles O esperavam do mesmo modo como mostram os signos da divina revelação: ‘Seguindo a vereda de vossos juízos, Senhor, nós vos esperamos; por vosso nome e vossa memória nossa alma aspira’ (Is 26, 8); ‘Eu, porém, volto meus olhos para o Senhor, ponho minha esperança no Deus de minha salvação; meu Deus me ouvirá’ (Mq 7, 7). Ele O amavam assim como atesta a excelência de seu louvor: ‘Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel’ (Mq 5, 1).
A descrição feita por São Tomás do estado de alma do homem antes da vinda de Cristo é de uma beleza e de uma precisão admiráveis. O homem da Antiga Aliança era enfermo, escravo e padecia de uma sede insaciável, e por isso desejava o Messias, clamava a Deus por Ele e O amava com grande afeto, mesmo ainda sem conhecê-Lo. Os justos padeciam uma grande necessidade, remediada por Deus mediante a promessa da vinda do Messias, pela qual suspirava o resto de Israel com fervorosa esperança.
A expectativa da salvação, porém, não cessou depois do nascimento de Jesus, mas ficou ainda mais viva. Com efeito, antes da vinda de Cristo esperava-se a abertura das portas do Céu, todavia, depois de sua Ascensão à direita do Pai, os cristãos esperam eles mesmos conquistar com Cristo a salvação definitiva. Na primeira vinda de Jesus, os homens viram clara a meta eterna e sobrenatural, contudo, depois da segunda, os que tiverem sido fieis alcançarão a felicidade plena ao ver seus corpos ressurrectos e transfigurados unidos às almas já felizes na eterna visão.
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São João, na sua primeira epístola, bem descreve essa realidade. Ele parte do entusiasta reconhecimento do dom da filiação recebido pelos cristãos: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato”. E um pouco mais adiante completa a ideia dizendo que “desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos que, quando isto se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porquanto O veremos como Ele é” (1Jo 3, 1-2). Ou seja, a filiação recebida em Cristo é como uma semente – assim mesmo o explica Jesus na parábola do semeador (cf Mt 13, 1-23) – a qual deve desenvolver-se em meio a dificuldades e riscos, antes de dar fruto. Igualmente o esclarece São Pedro em sua primeira epístola, ao apontar a esperança nova trazida por Cristo, capaz de fortalecer os ânimos com vistas às mais variadas provações: “Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Na sua grande misericórdia Ele nos fez renascer pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos para uma viva esperança, para uma herança incorruptível, incontaminável e imarcescível, reservada para vós nos céus. É isto o que constitui a vossa alegria, apesar das aflições passageiras a vos serem causadas ainda por diversas provações” (1Pe 1, 3-4.6).
Desse modo, pode-se dizer que os batizados foram curados da ferida mortal do pecado de Adão, mas ainda lutam contra as más inclinações das paixões desordenadas: “Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais. Pelo contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade. Digo, pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne. Porque os desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne; pois são contrários uns aos outros” (Gal 5, 13.16-17); eles também foram ilustrados pelos ensinamentos de Cristo e libertos por Ele das correntes da escravidão, mas devem estar vigilantes contra as insídias do demônio, do mundo e da carne, evitando cair num estado de malícia pior que o anterior: “Com efeito, se aqueles que renunciaram às corrupções do mundo pelo conhecimento de Jesus Cristo nosso Senhor e Salvador nelas se deixam de novo enredar e vencer, seu último estado torna-se pior do que o primeiro. Melhor fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás, abandonando a lei santa que lhes foi ensinada. Aconteceu-lhes o que diz com razão o provérbio: O cão voltou ao seu vômito (Pr 26,11); e: A porca lavada volta a revolver-se no lamaçal” (1Pe 2, 20-22); por último, a sede dos batizados é ainda mais intensa que a dos antigos, pois, tendo provado o frescor das águas batismais, desejam aquele manancial puríssimo da vida eterna capaz de selar de modo definitivo a sua sede de infinito: “Quem beber da água que Eu lhe der jamais terá sede, mas a água que Eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna” (Jo 4, 14) e, ainda, aquilo que diz o mesmo São Paulo: “Para mim viver é Cristo e morrer um lucro” (Fil 1, 21).
Por isso mesmo, tal como os justos da Antiga Lei, e quiçá com maior intensidade e fogo ainda, os batizados, já regenerados por Cristo, devem desejar as coisas do Céu: “Portanto, visto que fostes ressuscitados com Cristo, buscai o conhecimento do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus” (Col 3 ,1); devem implorar sua salvação definitiva: “Trabalhai na vossa salvação com temor e tremor, a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo, a ostentar a palavra da vida” (Fil 2, 13.15-16); devem esperar o dia do Juízo como o da própria libertação: “Quando começarem a acontecer estas coisas [os sinais da vinda gloriosa do Senhor], reanimai-vos e levantai as vossas cabeças, porque se aproxima a vossa libertação” (Lc 21, 28); e devem amar sobretudo Cristo, que é a estrada e a meta definitiva: “Peço, na minha oração, que a vossa caridade se enriqueça cada vez mais de compreensão e critério, com que possais discernir o que é mais perfeito e vos torneis puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo, cheios de frutos da justiça, que provêm de Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus” (Fil 1, 9-11).
Preparemo-nos, pois, com redobrado empenho e fervor para o Santo Natal, com as nossas almas vigilantes na espera do Cristo que virá julgar o mundo, premiando os bons e punindo os maus. Amemos o nosso Salvador e a salvação definitiva que nos promete se formos fieis às suas palavras, porque, se Lhe damos o nosso coração, como não O anunciaremos ao mundo?

Pe. Carlos Javier Werner Benjumea
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