Lucas Antonio Pinatti – 2º Ano de Teologia

Alardo1O som do sino ecoa pelos vales da serra anunciando o começo do desfile. No Seminário São Tomás de Aquino, da sociedade clerical Virgo Flos Carmeli, os jovens do ITTA e do IFAT, junto com os alunos do ensino médio que frequentam as aulas Colégio Arautos do Evangelho – Thabor, entoam o Credo renovando sua plena adesão à Igreja e pedindo a Deus sabedoria neste novo dia de estudos que se inicia.

Após a bênção do Superior Geral, quando presente, os trompetes tocam anunciando o início do cortejo para as aulas. O estandarte de Maria Santíssima vai à frente abrindo o caminho para seus filhos que desfilam ao som e cadência da banda. Com o olhar no horizonte e passo enérgico, avançam todos unidos pelo mesmo ideal, refletindo com vontade firme os desafios do aprendizado e da vida.

Todavia, uma pergunta poderia surgir no espírito dito ‘moderno’:

“Mas, para quê tanto cerimonial? Afinal, o homem não deve viver em meio à pompa… A organização é benéfica por ter uma finalidade prática. Os únicos meios que devem ser utilizados na educação é a própria inteligência. O amor e o esforço ajudarão se for preciso, mas o livro técnico resolve todos os problemas da aprendizagem. Afinal, não se deve perder tempo com cerimoniais”.

Infelizmente, no mundo de hoje, diversas pessoas raciocinam desta maneira, pensando que viver é considerar apenas o aspecto natural da vida, esquecendo-se que o homem, além de corpo, possui algo superior à sua natureza animal que é a alma. Além de que, sem propriamente negar a existência da vida sobrenatural, muitos vivem como se ela não existisse, tendo o dia de amanhã, ou mesmo o momento presente, como único cerne de suas apreensões. Preocupadas apenas com os afazeres, voltam-se para esta terra. Seguem os “prazeres” lícitos do mundo, mas muitas vezes deixam-se conduzir pelos gozos ilícitos os quais, como se sabe e muitas vezes se esquece, só resultam em frustrações, desastres, discussões, e tantas outras coisas que enchem as páginas de nossos jornais, todos os dias…

Isso será viver? A vida resumir-se-á ao prazer e ao terreno? A resposta, obviamente, tende pela negativa. Quando apreciamos apenas as criaturas, esquecendo-nos que são vestígios do Criador, anda-se por um rumo que, à primeira vista, parecer ser inundado de delícias e alegrias, entretanto, saturado de tristezas e dissabores. Caminho fácil à primeira vista, mas muitas vezes oposto àquele recomendado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Estando sob a guarda do redentor, nós poderemos dizer como o salmista: “mesmo que eu caminhe pelo vale tenebroso, nenhum mal eu temerei” (Sl 22,4).

 O caos do mundo moderno só ocorre na vida dos homens porque se esquecem que, nesta vida, aquilo que o homem não vê, vale mais do que aquilo que ele vê. Muito mais valioso que o corpo que possuímos, é a nossa alma. Quem mantém seu espírito inocente, puro e virtuoso como recomenda os mandamentos de Deus, terá seu corpo luzidio, sagaz e robusto, pronto para superar as dificuldades da vida, pois o corpo é o reflexo da alma, pois, a alma confere a forma do corpo (S.th. I, a.3, q.2).

As disposições internas do homem se refletem no corpo. A alegria da face é um espelho do coração. Suas açõesAlardo3 refletem as disposições do espírito. Desta forma, existem sentimentos no coração humano que só chegam à sua plenitude quando exteriorizados. Assim é, por exemplo, a amizade que se demonstra num abraço. Também o gesto de presentear um amigo por ocasião de seu aniversário, com o intuito de agradá-lo, reflete esta procura de exteriorização, atitudes típicas aos sentimentos humanos. Da mesma forma devemos manifestar por atos externos nossa amizade para com o Criador, através de atitudes que sejam agradáveis a Deus, “pois o homem não é puro espírito, mas possui um corpo, que faz parte essencial de sua natureza e que deve, portanto, associá-lo ao culto da divindade. Faltaria algo para oferecer a Deus se Ele fosse homenageado somente em espírito”.[1] Assim como um amigo se satisfaz com uma demonstração concreta de afeto, Deus também se agrada com “presentes”, a bem dizer, estas atitudes exteriores para com Ele, pois, aliás, como ensina São Tiago “a Fé sem obras é morta” (Tg 2, 26). Mostramos nossa Fé por nossas ações. E a cerimônia é um excelente meio de demonstrar nosso afeto a Deus. 

Comenta o escritor alemão Fabian Fischer, que “as cerimônias não são somente exterioridades, não são apenas símbolos, elas formam o homem, semelhante à etiqueta, do exterior ao interior, constituindo tradições”.[2] A cerimônia forma o interior do homem, eleva seu espírito, aperfeiçoando-o em seus hábitos de fora para dentro, em sua totalidade. Quando a cerimônia é religiosa, além do progresso natural a ele inerente, a pessoa exerce o ato da virtude da religião. O culto é um verdadeiro ato de amor ao Criador, onde se rende homenagem a Deus ao reconhecer Sua grandeza.

Alardo2Churchil dizia que um dos fatores que contribuíram para a formação de seu caráter foi o cântico do Credo e do Hino Nacional em sua escola. Aliás, pesquisas norte-americanas chegaram à conclusão que jovens e adolescentes, participando comunitariamente de cerimônias estudantis, adquirem um espírito mais elevado, e preparação intelectual mais adequada para o desempenho de sua missão estudantil, melhorando consideravelmente suas vidas e incidindo menos em sérios problemas que pululam estas gerações um pouco por todo o orbe.

Tal é a excelência das cerimônias que, quanto mais a vida cotidiana é penetrada por ela, mais se parece com o Céu. Na terra o culto exterior não é apenas um reflexo, mas sim, uma continuidade cerimoniosa do céu. Transformar a terra no Céu é a intenção destes seminaristas, que unidos em espírito e devoção a Maria Santíssima, aos Anjos e Santos fazem deste desfile na terra, um preâmbulo das cerimônias que aguardam os justos na eternidade Viver em cerimônia é viver um pouquinho do Céu.

 


[1] Parce que l’homme n’est pas un pur esprit, mais, comme il à un corps qui fait partie essentielle de sa nature, aussi doit-il le faire collaborer au culte de la divinité. Ce ne serait pas tout rendre a Dieu, que de ne lui rien rendre qu’en esprit. (A.VV. Eucharistia – Encyclopédie populaire sur l’Eucharistie. Paris: Librairie Bloud et Gay, 1947, p. 153-158).

[2] Zeremonien sind nichts Äusserliches, sind nicht nur blosse Form, sie wirken, genauso wie die Etikette, von aussen nach innen, sie schaffen Traditionem”.. (S. FISCHER-FABIAN. Die Deutschen Cäsaren. Triumph um Tragödie der Kaiser des Mittelalters. Wien: Droemer, 1977. p. 30-31)