Marcos Eduardo Melo dos Santos – 2º Ano de Teologia

CauseriePoucos jogos prendem tanto a atenção dos participantes quanto o ping-pong. Não é fácil distinguir o que absorve mais a atenção: se as batidas cadenciadas da irrequieta bolinha, ora na mesa ora na raquete, ou se as piruetas que os dois adversários estão na contingência de executar para vencer a partida. A torcida que provoca nos assistentes é imensa. Quem vencerá? Certamente, aquele que primeiro colocar o outro na impossibilidade de rebotar a bola. Para isso, a astúcia e as cortadas certeiras são indispensáveis, pois o segredo da vitória, o que “dá ponto”, são a agilidade e o talento dos contendores. Quanto mais acirrado e variado em movimentos é o jogo, mais brilhante e atraente é a partida.

Assim também a conversa. O saque tem papel fundamental. Lançar bem o assunto é importantíssimo. Quando não se introduz bem o assunto, tem-se a impressão de que o que dissemos cai na mesa como uma bolinha rachada. A bola não quica. O tema não pega. Perde-se um ponto e o jeito é sacar novamente, lançando outro assunto. Outro erro é introduzir o tema errado ou fazer um comentário furado, o que conhecido pela gíria como: “bola fora”.

A comparação seria quase interminável, porém, “omnia comparatio claudicat”,[1] como dizia Montaigne. Assim é com esta, pois quão mais alta é a arte da conversa. Ela é muito mais que “não deixar a peteca cair” ou um ping-pong de informações. Precisa-se de agilidade de espírito: inteligência e esperteza. E por que não dizer? Charme. O savoir faire e savoir plaire são essenciais para o savoir dire. Assim, como é agradável assistir a um diálogo entre bons conversadores, a que os franceses chamam de causeurs. O ínfimo toma valor. O sublime e o jocoso estão presentes com harmonia. A disputa mais acirrada é afável. Sem ser pedante, a conversa é elevada.

A conversa persuade, muda conceitos pelo valor do argumento e dá rumo à opinião pública. Fácil é de intuir as vantagens da boa conversa. Alguns povos fazem excelente uso dela seja na diplomacia, seja nos negócios. Afinal, não é a propaganda “das duas mil bocas” a mais eficiente?

Esta aprimorada arte, onde desde a apresentação pessoal, a inflexão de voz, a dicção e até mesmo a ordem das palavras compõem uma obra inigualável, exige também o interesse e o afeto pelo interlocutor.

Para todas as gentes, o charme, a ironia e o bom humor é o elementar do saber agradar. Essa arte de exprimir precisamente o que se quer. Dizer as palavras certas na hora certa. Dizer o que se quer por mais pontiagudo que seja, sem ferir e ressentir. E o mais sublime: dizer sem dizer. Dizer nas entrelinhas para o subconsciente, permitindo que o outro chegue a uma conclusão sozinho e se agarre à idéia como se fosse própria.

Todavia, para nós católicos, a conversa tem fundamentalmente uma finalidade sobrenatural. Dela nos servimos para o apostolado não para a projeção pessoal. Através dela evangelizamos – Fides ex auditu (Rm 10,17) – cumprindo o mandamento do Senhor: “pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). A palavra é o meio de apostolado, o nosso principal instrumento para a nova evangelização.

Corrêa de Oliveira definia a conversa católica como “a troca de idéias, sobre diversos assuntos, considerados à luz dos princípios da Igreja, com o escopo de aprimorar sua identificação espiritual e cultural com Cristo”. Portanto, está longe da “prosa ociosa, inconseqüente e sem rumo, o simples relato das novidades do dia por vã curiosidade, enfim, o que vulgarmente se chama ‘bate-papo’”.

Dizem alguns que a arte da conversa é a mais alta das artes. Portanto, se é por assim dizer, a arqui-arte, é a arte mais difícil e elevada. Como conversar bem? Como ser um bom causeur? Qual é o segredo da arte da conversa? A pergunta se impõe, pois, o católico deve ser perfeito como o Pai Celeste até no conversar.

Esta arte é instintiva. Apesar de existir o antigo Dictionnaire de la Conversation, o manual francês não é tudo. Todavia, tem um segredinho e aqui entra o silêncio. Sem raciocínio, sem pensar no que se viu, sem explicitar o que se sentiu, sem desvendar o que se intuiu é impossível ser um bom causeur.

No silêncio, refletimos o que observamos, em outros termos, meditamos o que admiramos. Falo aqui do silêncio profícuo e não do ocioso, como, aliás, ponderava Corrêa de Oliveira, “o silêncio gera o sublime ou o idiota”. O silêncio salutar enriquece a alma com o tesouro imperecível que nem a traça nem a ferrugem podem corroer. O silêncio nos dá a vida interior. Esta é a capital finalidade do silêncio, o raciocínio, a meditação e a perfeição espiritual. A vida interior confere à alma uma profundidade incomparável, como nos diz a escritura: “a língua do justo é prata finíssima, produz sabedoria, ornamenta a ciência e cura”. A sabedoria transborda da alma contemplativa, sua palavra tem mais gume, mais força, mais afeto. Até seu silêncio é mais eloquente que o fátuo discurso do superficial, por mais longo e erudito que seja, pois, a língua do homem sem vida interior, “fere com golpes, transborda loucura e para nada serve” (Cf. Pv 10,20; 12,18; 15,2). Aliás, dificilmente alguém é erudito, culto, sábio e santo, sem cultivar o silêncio.

No silêncio, podemos degustar todo o suco de um bom livro e cultivar nossa linguagem, nossos temas e horizontes. Porém, mais que a letra – morta diga-se de passagem – na palavra viva, no exemplo dos causeurs que nos precederam podemos aprender a arte da conversa. “Ouve em silêncio, diz a Escritura, e tornar-vos-eis sábio (Cf. Jo 13,5; Ec 32,9).

Sag FamAssim, quem pudesse ver a Virgem de Nazaré em sua humilde casa, como Jesus e José, talvez, não encontraria conversas sobre temas filosóficos, dramas históricos ou debates teológicos. Mais que um ping-pong de idéias, a conversa de Maria era como o vai-vem firme, afável e sereno das ondas do mar. Assuntos aparentemente corriqueiros, casinhos, fatinhos, ganhavam em seus veneráveis lábios um imponderável sem igual.

É possível então imaginar o Menino adorável, Jesus, com certo afã de criança, ainda que sendo Deus encarnado, abeberando-se do convívio sereno e aconchegante de sua Mãe extremosa, “o paraíso de Deus”.[1] Sua voz aveludada e seu olhar puríssimo possuíam uma profundidade capaz de enriquecer até mesmo a alma do Menino Jesus. Prova disto é que Ele quis viver trinta anos com Maria e apenas três com os homens. Por que Maria agradava tanto ao Verbo Encarnado? A Virgem amava o silêncio e guardava as coisas em seu coração (Cf. Lc 2, 19).

 Maria Santíssima tanto amou o silêncio, que até hoje, meditando sobre a conversa de Jesus e Maria, podemos apreciar o valor do silêncio; o valor de permanecer em quietude, pensando a respeito das coisas que realmente merecem meditação. Assim, aciona-se em nós, ‘motor’ da reflexão. Este é o segredo Marial da boa conversa.

 


[1] MONTAIGNE. Essais 3.13. “Toda comparação claudica”.

[2] GRIGNION MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Vozes. 2000.