Pe. Mauro Sérgio da Silva Isabel, EP

Há cerca de dois séculos, a Igreja Católica foi vítima de uma das maiores perseguições de sua história. A assim chamada humanista, gloriosa e libertadora Revolução Francesa custou para a Esposa de Cristo mais de dois mil sacerdotes assassinados, religiosas profanadas e torturadas até a morte, igrejas saqueadas, povoados inteiros destruídos por fidelidade ao cristianismo[1].

A França passou assim a viver num ambiente todo feito de aversão à Religião e, portanto, a Deus. Meninos e meninas começaram a ser educados na total independência do Criador. E num pequeno povoado desse país, cujo nome a história esqueceu, deu-se um impressionante episódio.French Revolution

Um menino contempla o pôr do sol

Uma família inteiramente entregue aos novos costumes pagãos dispôs que seu único filho fosse cobaia para uma comprovação diabólica: as pessoas, diziam, se tornavam crentes devido à educação que recebiam; mas se um menino fosse criado na total ignorância de Deus e de tudo o que Lhe dissesse respeito, jamais possuiria a fé.

Assim, os três membros da família isolaram-se do mundo em uma ilha deserta, com a severa proibição de jamais falarem ao menino sobre Deus.

Os anos se passaram calmamente naquele lugar improvisado sem que jamais ninguém rompesse a regra imposta para a educação do menino. Este, por sua vez, vivia na “alegria” de sua infância, sem se dar conta da malévola intenção de tantos incrédulos.

Quando atingiu a idade de 12 anos acostumou aventurar-se pelas perigosas e selvagens montanhas daquela ilha. Em sua inocência contemplava das alturas as vastidões do mar que iluminava com seus generosos raios o oceano, a ilha e o menino.

Certo dia, ele causou preocupação especial a seus pais por haver desaparecido por longo tempo, sem deixar qualquer rastro de seu paradeiro. Ao cair da tarde, a aflita mãe, chorando de desespero, rogou ao esposo que fosse à procura do filho antes que a escuridão viesse a cobrir toda a ilha, e o menino não encontrasse mais o caminho de volta.

Repetidas vezes o pai retornava ao lar à busca de algum sinal, mas nenhuma notícia havia chegado. Resolveu, por fim, fazer a última tentativa do dia. Dirigiu-se então apressadamente ao pico mais alto da ilha, onde nunca havia ido por causa do afastamento do lugar.

Após laboriosa procura, o pai exausto depara-se com uma cena verdadeiramente comovedora: o menino estava sentado sobre uma alta pedra e contemplava o pôr do sol. Aproximando-se lentamente, nota que o filho estava chorando. E de seus lábios inocentes ouve brotar esta oração: “Ó sol, mande um beijo Àquele que criou a ti e a mim!”.

Comovido, o pai abraçou seu filho e o levou de volta, não mais ao obscuro esconderijo da ilha, mas à verdadeira casa paterna.  Deus de fato existe; e Ele se revelou ao menino!

Como se passou isso: que um jovem abandonado, sem nenhuma instrução religiosa, chegasse a conhecer a Deus?

O coração humano e o esplendor do universo

Certamente em momentos de solidão o menino indagara, como qualquer outro ser humano o faz, em determinado momento de sua existência, sobre o sentido da vida: Por que e para que fui criado? Onde se encontra a verdadeira felicidade? Por que há sofrimentos nesta Terra? O que acontece após a morte? Quem fez o sol, a lua e as estrelas?

Estas questões revelam como a alma aspira chegar à Causa primeira de tudo, a partir das causas segundas. O menino chegara ao conhecimento da existência de Deus através do livro da criação (Cf. Rm 1,19). Como aquele adolescente da ilha deserta, levamos dentro de nós um instinto que nos impele a algo de superior. O desejo de felicidade e de eternidade que carregamos não é senão o instinto que busca a Deus, da mesma maneira que um vegetal vive à procura do sol. Esse é um dom implantado no coração humano[2].

“O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar”.[3]

Entretanto, não é somente dentro do coração humano que podemos encontrar a Deus. Também no esplendor da criação Ele se revela: “Os céus narram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos”.[4]

Quem nunca parou para contemplar a magnificência de um pôr do sol, a grandeza dos mares, o esplendor das estrelas? Quem não reconhece nisto a mão de um ser infinitamente superior a nós?

É poética e muito conhecida a expressão bíblica, pela qual Deus compara a descendência de Abraão com as estrelas do céu e com as areias do mar. Sempre se acreditou que o número de grãos de areia superasse de longe o das estrelas; entretanto, com o avanço científico da astronomia, atualmente afirma-se o contrário.

A magnitude quase infinita do espaço sideral, com estrelas de um tamanho descomunal movendo-se em velocidades espantosas e com uma precisão matemática, tem levado os cientistas, mesmo ateus, a reconhecerem a mão de uma sabedoria que tudo governa. O fato de comprovarmos que, em meio a tanta grandeza, não se acha sinal de vida a não ser no planeta em que vivemos, é de deixar-nos ainda mais admirados na busca de uma causa suprema.

Nesse sentido nos ensina São Tomás de Aquino: “permanece no homem, ao conhecer o efeito, o desejo de saber que este efeito tem uma causa e de saber o que é a causa”.[5]

Todo efeito provém de uma causa anterior. De fato, se uma pessoa, caminhando por uma praia deserta, encontrasse um belo castelo de areia, jamais julgaria ter sido ele formado pelo vento aliado ao impulso das águas. E logo concluiria não estar aquela praia tão deserta como pensava e que algum ser humano, com dons artísticos, também passou por ali.

E como teríamos coragem de afirmar que o esplendor e a ordenação de todo esse universo que contemplamos, não foi criado e não é governado por uma inteligência superior?

Por isso São Paulo censura aos romanos não terem, através das coisas visíveis, conhecido o Criador que se deixa revelar em suas obras[6].

Deus dirige os passos do homem

Deus sempre se deixou revelar aos que buscaram com retidão qualquer forma de bem. A humanidade registra em sua história, até os dias de hoje, as expressões mais variadas de sua crença em algo divino que criou e governa todas as coisas. De fato, sempre houve em todos os povos de todas as épocas manifestações de um comportamento religioso (orações, sacrifícios, cultos, meditações etc.) que comprovam o quanto o homem pode ser chamado um ser religioso[7].

Entretanto, muitas coisas concorrem para que as pessoas percam a fé em Deus. A primeira delas é a revolta contra os males existentes no mundo[8]. Vemos em nossos dias uma proliferação cada vez mais intensa de crimes, violências, injustiças, corrupções etc., aliados muitas vezes ao mau exemplo dos crentes. Se Deus existe, por que permite isso? Já que é Ele o criador de todas as coisas, então é também o autor de todo mal que se estadeia aos nossos olhos.

A resposta é simples. Assim como a escuridão é a ausência de luz, e o frio, a falta de calor, o mal é a ausência do amor de Deus nos corações humanos. Ademais, Deus, sendo a própria Bondade, jamais permitiria algo de mal em suas obras, sem que pudesse deste mal tirar o bem[9].

É tão óbvia a existência de Deus que somente os “insensatos” a impugnam[10]. Entretanto, há outro tipo de ateísmo reinante em nossos dias, que afirma a existência de Deus, mas vive como se Ele não existisse. É o chamado ateísmo prático: Deus criou o mundo e o homem, mas depois abandonou o ser humano para que se governe a si mesmo, conforme seu livre arbítrio.

Ora, isso não pode ser verdade. Deus é Rei e Senhor da história e participa ativamente da luta de cada homem, está presente nos acontecimentos e orienta-nos constantemente: “O Senhor é quem dirige os passos do homem”.[11]

Até os cabelos de nossa cabeça estão todos contados. Se o homem se afasta de Deus é porque, devido às preocupações com as coisas do mundo e as riquezas[12], quer fugir do chamado divino e das obrigações inerentes à sua crença.

Se Deus não tiver parte em nossa vida, passaremos nossa existência sem saber o que procuramos, decepcionados com o que encontramos e frustrados com o que realizamos. Só Deus pode preencher o vazio que sentimos e dar-nos uma vida eterna e feliz: “Criaste-nos, Senhor, para Ti, e nosso coração está inquieto até que descanse em Ti”[13].


[1] Cf. TEULÓN, Jorge Lopez. El santo cura de Ars. Madrid: EBIDESA. 2009.

[2] Cf.  Rm 1,19

[3] CIC, 27

[4] Sl 18,2

[5] Suma Teológica, I-II, q.3, a.8.

[6] Rm 1,20

[7] Cf. CIC, 28

[8] Cf. Gaudium et spes, 19-21

[9] Cf. Suma Teológica, I-I, q.2, a.3.

[10] “Diz o insensato: Deus não existe! (Sl 14,1).

[11] Prov 20,24

[12] Cf. Mt 13,22

[13]AGOSTINHO, Santo. Confissões, livro I, cap. 1