Pe. Eduardo Miguel Caballero Baza, EP
“Na atualidade parece que a ciência nunca será capaz de levantar o véu que encobre o mistério da criação. Para o cientista que durante toda a sua vida se guiou pela crença no poder da razão, esta história termina como um pesadelo. Ele escalou as montanhas da ignorância e está a ponto de chegar ao mais alto pico; quando consegue alcançar a última rocha, é recebido por um grupo de teólogos que ali estão sentados há séculos”.1
Esse testemunho pessoal de Robert Jastrow, renomado cientista norte-americano, fundador do Goddard Institute for Space Studies (GISS) da NASA, ilustra bem como a Teologia não está alheia às questões científicas, mas as explica e transcende.
Aspecto pouco conhecido da história científica
Os pioneiros das ciências naturais no século XVII, assim como muitos de seus continuadores nos séculos seguintes, eram homens profundamente religiosos, persuadidos de que suas investigações não passavam de uma contribuição para desvendar a obra do Criador.
Basta pensar nos importantes estudos do Bispo dinamarquês Beato Niels Stensen (1638-1686) sobre geologia e mineralogia, pelos quais ele é considerado o fundador da geologia moderna. Ou nos filhos espirituais de Santo Inácio de Loyola — entre os quais o padre Athanasius Kircher (1602-1680), erudito em inúmeros campos científicos; o padre Giovanni Battista Riccioli (1598-1671), cuja enciclopédia astronômica marcou época; o padre Francesco Maria Grimaldi (1618-1663), descobridor da difração da luz; o padre Ruggero Boscovich (1711-1787), considerado o criador da física atômica fundamental — que contribuíram significativamente para as conquistas da ciência e da técnica, e foram correspondentes assíduos de cientistas influentes de sua época.2
Depois desses pioneiros, não têm faltado católicos fervorosos na vanguarda dos mais diversos campos da ciência. O francês Augustin Louis Cauchy (1789-1857) — cujo nome figura inúmeras vezes nos livros de ciências exatas, física e engenharia — era católico convicto, membro da Sociedade de São Vicente de Paulo. Um dos maiores cientistas da História, Louis Pasteur (1822-1895), foi um católico exemplar em pleno século do positivismo ateu e do racionalismo agnóstico. Seu contemporâneo, o abade agostiniano austríaco Gregor Johann Mendel (1822-1884), é considerado o pai da genética. O físico italiano Alessandro Volta (1745-1827), inventor da pilha elétrica,3 era homem de Missa e Rosário diários, enquanto seu contemporâneo, o cientista francês André-Marie Ampère (1775-1836), fundador da eletrodinâmica,4 tem uma obra intitulada Provas históricas da divindade do Cristianismo. E muitos outros poderiam ser citados como exemplo até nossos dias.
A ciência e a Fé se complementam
De outro lado, o Magistério Pontifício tem sido unânime em mostrar como ciência e Fé convergem para a única verdade, por vias diversas mas complementares.5
O Concílio Vaticano II confirmou isso, lembrando que as realidades profanas e as da Fé têm origem no mesmo Deus: “A investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à Fé, já que as realidades profanas e as da Fé têm origem no mesmo Deus. Antes, quem se esforça com humildade e constância por perscrutar os segredos da natureza, é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o que são”.6
Ora, para ser possível uma relação frutuosa entre ciência e Fé, é necessária a mediação de uma filosofia realista, reconhecedora de que as entidades materiais observadas pela ciência são reais, que existem independentemente do observador, que possuem uma racionalidade coerente, que estão governadas por leis determinadas e que formam um todo ordenado.
Diz-se que a sã filosofia é aquela que diz coisas evidentes, mas que não são ditas por ninguém; pois bem, essa é a filosofia realista, a filosofia de São Tomás de Aquino e de tantos outros pensadores católicos.
O cosmos: uma dimensão da realidade inatingível pela ciência
A ciência — mesmo quando se baseie numa filosofia realista e considere o universo como contingente — deve estar consciente de que nunca poderá revelar todos os mistérios do cosmos, por mais que progrida a técnica, pois há toda uma série de dimensões da realidade que escapam completamente a seu alcance. Por isso, a ciência jamais poderá demonstrar a existência de Deus nem tampouco negá-la; simplesmente não tem autoridade para se pronunciar sobre tal matéria.
Quem observa o céu estrelado com um mínimo de espírito contemplativo é naturalmente levado a formular a si mesmo uma série de perguntas para as quais a astrofísica não tem resposta: Por que existe o universo? Por que possui a ordem que observamos nele? É fruto de um projeto inteligente? Teve origem? Quando e como? Sempre foi assim como o vemos hoje?
A ciência procura dar resposta a essas e outras perguntas do gênero por meio da cosmologia, um ramo do saber que trata, de um lado, da formação do universo, de sua estrutura e evolução (aspecto físico ou científico), e de outro, de sua origem e finalidade (aspecto filosófico-teológico). Na realidade, a cosmologia é uma disciplina fronteiriça entre as ciências naturais, a Filosofia e a Teologia. É uma ciência da totalidade, que, entre outras coisas, busca a resposta à pergunta sobre a totalidade do universo no sentido ontológico. A resposta a essa pergunta, porém, não se encontra na totalidade física do universo, que é o objeto de estudo da cosmologia, mas fora dela; a totalidade do universo encontra sua explicação somente em uma Causa superior que transcende sua realidade física.
As questões relacionadas com a origem do universo e sua evolução, portanto, suscitam fortemente perguntas fundamentais como essas, que de um modo natural põem em relação à Fé e a ciência. Esta é a razão que me levou a escolher o Big Bang como tema para a tese de licenciatura em Teologia, na Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Gregoriana, na especialidade de Teologia Fundamental, pois a Teologia não só tem o direito de dizer uma palavra no debate científico, mas, mais do que isso, sua voz é indispensável para se poder entender em profundidade a realidade do universo.
Influiu também poderosamente na minha escolha o Revmo. Pe. Paul Haffner, da diocese de Portsmouth (Grã Bretanha), licenciado em Física pela Universidade de Oxford e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, da qual é Professor convidado. Autor de mais de 30 livros e 150 artigos, estudou ele durante décadas as relações entre religião e ciência, com especial ênfase na cosmologia e na obra do Revmo. Pe. Stanley L. Jaki, OSB, que conhece em profundidade.
Por fim, não foi alheia a essa escolha minha formação acadêmica de Engenheiro Aeronáutico pela Universidade Politécnica de Madri, embora nunca tenha exercido a profissão, pois, logo após o término de meus estudos, tive a graça de dedicar-me inteiramente ao serviço da Igreja.
Aspectos filosóficos e teológicos da origem do universo
Hoje, os astrônomos sustentam quase unanimemente que o universo primitivo começou a expandir-se a uma grande velocidade — num processo tão rápido quanto violento, denominado “inflação cósmica” — faz uns 13 bilhões de anos, a partir de uma minúscula e incrivelmente quente “bola de fogo”. É o denominado “modelo standard” do universo, ou “modelo do Big Bang”.
Em torno desta concepção e de outros modelos cosmológicos, existe hoje em dia um aceso debate relacionado com os aspectos mais estritamente científicos, como a história térmica do universo, a causa do deslocamento para o vermelho dos espectros eletromagnéticos das radiações estelares, radiação cósmica de fundo de microondas, a suposta existência da matéria escura e da energia escura, a explicação da abundância relativa dos elementos químicos que se observa no universo, a descrição do nucleossíntese estelar, bem como dos processos de formação das estrelas e das galáxias, e tantos outros.
Mas o debate não se limita aos aspectos científicos da questão. Estão em jogo concepções filosóficas e teológicas da maior importância.
Se o modelo do Big Bang explica a origem do universo a partir do nada, que necessidade há de um Criador? Podem ser separadas a dependência temporal do universo e sua dependência ontológica em relação ao Criador? O cosmos é autossuficiente e conduzido exclusivamente por uma causalidade cega, ou obedece à amorosa Providência Divina? Como justificar, então, a existência de leis naturais imutáveis? Por outro lado, se Deus intervém na criação, que sentido têm os fenômenos puramente casuais? Como se harmonizam a autonomia das criaturas e sua dependência essencial do Criador, imanência e transcendência? Uma das variantes do modelo do Big Bang postula uma futura contração paulatina cada vez mais rápida do universo, culminando num colapso gravitacional sobre si mesmo. Quer isso dizer que o modelo do Big Bang prevê o fim do mundo?
Responder aqui a cada uma dessas perguntas alongaria demasiadamente esta matéria e me obrigaria a tratar de forma sumária um assunto rico e apaixonante. Proponho, portanto, voltar ao tema em outros artigos. Assim poderei compartilhar com nossos leitores a preparação de minha futura tese de doutorado.
1 Cf. R. Jastrow. God and the Astronomers. New York: 1978, p. 116.
2 Entre outros com os quais mantinham frequente correspondência, cabe mencionar os seguintes: o matemático francês Pierre de Fermat (1601-1665), pai do cálculo diferencial; o astrônomo, matemático e físico holandês Christiaan Huygens (1629-1695), inventor do relógio de pêndulo; o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), espírito multifacetado que formulou os princípios fundamentais do cálculo infinitesimal; ou o britânico Isaac Newton (1642-1727), que deduziu a lei da gravidade universal.
3 Em sua honra, chama-se “volt” a unidade de medida da tensão elétrica.
4 Em sua honra, denomina-se “ampère” a unidade de medida da intensidade da corrente elétrica.
5 Neste sentido, ver por exemplo, P. HAFFNER. Creazione e scienze. Roma: 2008, p. 1-60.
6 Constituição pastoral Gaudium et spes, 7/12/1965, n. 36.
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