Deus desejando criar a Mãe de seu Filho num estado de santidade o mais perfeito ao qual tivesse sido elevada uma criatura, deita atenção nela no próprio momento em que ela é concebida e, por um privilégio especial, a preserva da malignidade da carne e do crime original.

Assim, desde sua conceição Maria constitui para as pessoas da Santíssima Trindade, a primeira causa sólida que tenham percebido no mundo, o único objeto de sua amorosa complacência desde Adão, pois que todas as demais criaturas estavam manchadas pelo pecado, e somente ela apareceu sem ofensa nenhuma.

Com efeito, segundo nos indica a fé, somente a Santíssima Virgem, nascendo de Adão pela via comum, não foi incluída na maldição em que tinha incorrido, pois que Nosso Senhor não estava incluído no número dos que nascem de Adão segundo a geração habitual, nascendo por operação do Espírito Santo, e devendo sua concepção ao mesmo Espírito que regenera as almas pelo batismo.

A corrupção de Adão, comunicada à alma pelo corpo, assim que se une a este constitui num certo veneno espalhado em todos os nossos membros, que nos faz tender e solicitar o pecado, afastando-nos de Deus e dedicando-nos ao amor de nós mesmos.

No momento da concepção de Maria, Deus a preservou desta malignidade. Santificou sua carne, a fim de que os seus sentidos e todos os seus movimentos ou paixões tendessem para só Deus e somente vissem a Ele em todas as coisas. Em virtude desta santificação, seu ódio terá como objeto todo pecado; seus desejos, a glória de Deus; seu temor, tudo que possa desagradar a Deus e contradizer seus desígnios; sua alegria, possuir Deus e vê-Lo honrado; sua esperança, poder ver-se um dia plenamente consumida em sua glória.

Mas, além de ser preservada do crime original, Maria foi repleta do Espírito Santo e de suas graças, desde o primeiro instante de sua concepção. E quem mais, além de Deus, pode compreender a extensão das perfeições das quais foi ela então objeto?

Se, por ocasião da criação de Adão, destinado a pertencer a Deus na qualidade de simples servidor, as três Pessoas Divinas disseram: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, o que não terão dito Elas e que conselho não terão entretido para produzir esta obra admirável, que ia lhes pertencer como a coisa mais cara, mais amável, a mais tenra que Deus pudesse ter fora de si mesmo?

Tudo que tinha sido distribuído e propagado até agora nas almas dos justos ela o conteve sozinha; e não somente as perfeições destas mulheres fortes e santas que a tinham prefigurada, mas ainda as de todos os santos.

Neste instante Deus reuniu e encerrou nela todas as perfeições que Ele tinha disseminado na alma dos justos da Antiga Lei; ou melhor, ela sozinha teve mais o espírito de Jesus Cristo do que o tinham possuído todos os sacerdotes, os patriarcas, os juízes, os profetas, os reis, todos os santos do Antigo Testamento e os justos da gentilidade conjuntamente.

A concepção de Maria é o renascimento universal de Jesus Cristo, que renova todos os nascimentos anteriores nos quais tinha se mostrado sob o aspecto da justiça, de sua força, sua piedade, sua doçura, sua luz, e sob todas as suas outras perfeições, durante quatro mil anos.

Com efeito, quantas natividades do Verbo encarnado estão encerradas e renovadas nesta daqui!? Assim é que no dia da festa da Imaculada Conceição, é lido o Evangelho dos patriarcas e dos ancestrais de Jesus Cristo, no fim do qual a Santíssima Virgem é citada como tendo contido nela sozinha na qualidade de Mãe do Salvador, todas as suas perfeições e todas as suas graças.

Ora, desde o primeiro instante da conceição de Maria, este mesmo Espírito derramou nela só e comunicava-lhe mais graças do que nunca possuiriam todas as almas entre as mais perfeitas e as mais eminentes reunidas.

As luzes que Deus lhe concede não são compreensíveis às demais simples criaturas. Ela vê a Deus considerado em Si mesmo, mais claramente do que o viram os anjos no momento de sua formação, ainda no momento da prova. Vê-o mais perfeitamente nas obras da criação do que jamais o tenham visto Adão no estado de inocência, ou ainda Salomão no auge de suas luzes divinas. Vê a Deus mais claramente na trindade de suas Pessoas, na geração de seu Verbo, na processão de seu Espírito, nos mistérios de Jesus Cristo e de sua Igreja, do que nunca o tenham visto Abraão, Davi e os demais profetas em todas as suas visões, mais perfeitamente finalmente do que o verão os apóstolos e os maiores santos da Igreja, nem os mais célebres doutores que haverá jamais.

Por fim, ela contém em si, sozinha, todos os vários graus de amor de Deus espalhados pelos anjos e ainda mais, incomparavelmente mais, do que haja nos serafins e em todas as hierarquias; o que fez São Gabriel afirmar mais tarde, falando à divina Maria, que ela era cheia de graças: Ave Maria, gratia plena. Os rios adentram pelo mar e este não transborda; assim também todas as graças dos santos adentram em Maria sem que ela transborde, tão vasta é sua capacidade de assimilação.

É coisa admirável, sem dúvida, ver um Deus infinitamente sábio e infinitamente poderoso comprazer-se tão fortemente numa criatura e aí ter as suas delícias. Mas esta é a obra prima de seu amor; trata-se do que Deus conseguiu fazer de mais perfeito numa pura criatura, tendo reunido nela tudo que Ele pôde colocar num ser que não fosse Divino, como seu Filho.

Vendo tal magnificência e tal santidade na alma de Maria, é bem cômodo imaginar que Deus a tenha preparado para fazer nascer dela seu Filho único e com Ele a Igreja em toda a sua extensão. Sim, pois se Ele se compraz tanto nesta alma, é porque abrange nela sua Igreja toda inteira.

Vie intérieure de la Très-Sainte Vierge. Coletânea dos escritos do Pe. Olier de Vaudreuil (1608-1657) ; Fundador da Congregação dos Padres de Saint-Sulpice, França.

Editions Saint Remi, 2012 Cadillac, França. Cap. II, pp. 29-35 (Resumo e tradução por Guy Gabriel de Ridder).