Thiago de Oliveira Geraldo – Professor de Introdução à Sagrada Escritura (ITTA)
In: Gaudium Press

Quais são as características da verdadeira amizade? São várias, uma delas se comprova quando se tem a confiança de revelar ao amigo os próprios pensamentos. É o que há de mais íntimo no ser humano, lugar impenetrável aos outros, não para um verdadeiro amigo. Pode-se revelar um segredo ou mesmo um desejo. “O termo ‘revelação’ significa literalmente ‘tirar o véu que oculta alguma coisa’.” [1]

jesus_cristo-na-cruz2

Outra prova de uma amizade levada até as últimas consequências é dar a própria vida, se necessário, por quem se ama. Imaginemos, por exemplo, um inocente condenado à morte cuja execução se dará em breve, seria difícil oferecer-se para morrer em seu lugar, mesmo sabendo que nele não há crime algum. Mais difícil seria dar a vida por um criminoso manifesto. Talvez um grande amigo pudesse se apresentar a fim receber a sentença que coubesse ao outro, mas vejam que não é fácil.

Pois bem, Deus tanto amou aos homens que não só entregou Sua vida pelos réus de morte (pecadores) a fim de lhes abrir as portas do céu, mas também quis vir ao encontro do ser humano por meio da Revelação Divina.

De alguma forma o Criador está acessível a todos. Para alguns, é possível encontrá-Lo através da luz natural da razão pelas obras criadas, como ensina São Paulo: “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1,20). Para outros, foi-lhes dada a Revelação Divina, inacessível à pura razão: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas” (Hb 1,1). Isto sempre se realizou dentro dos desígnios benevolentes de Deus.

O importante é saber que a revelação d’Ele nos chegou por meio de palavras e obras, desta forma entramos em contato com o mistério de Deus, que conduz a história da nossa salvação. Mas Deus quis nos dar absolutamente tudo, e isso se realizou quando enviou seu próprio Filho ao mundo: “Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas. Esplendor da glória (de Deus) e imagem do seu ser, sustenta o universo com o poder da sua palavra” (Hb 1,2-3).

Jesus Cristo é o ápice da Revelação Divina, Deus disse tudo através de seu Verbo Encarnado: “Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e não se há-de esperar nenhuma outra revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (cfr. 1 Tim 6,14; Tit 2,13)”.[2] Não se espera outra revelação antes da manifestação gloriosa do Senhor, mas os cristãos revivem os acontecimentos de Sua vida.

Através da liturgia se celebra os acontecimentos que trouxeram a nossa salvação. Deus Pai enviou seu Filho que morreu por nós e é o Espírito Santo que atualiza esta memória na liturgia: “A liturgia cristã não somente recorda os acontecimentos que nos salvaram, como também os atualiza, torna-os presentes. O mistério pascal de Cristo é celebrado, não é repetido; o que se repete são as celebrações; em cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo que atualiza o único mistério”.[3]

Entre os acontecimentos que a liturgia comemora está o advento, próximo a iniciar-se.

O ano litúrgico dos cristãos está separado por períodos, aos quais cabe contemplar misticamente a vida do Divino Redentor. Entre eles está o período do Natal, onde se espera a chegada do Salvador em meio aos homens, comemorado no dia 25 de dezembro. Como preparação para esta chegada, a Igreja instituiu a celebração de quatro domingos, conhecidos como “advento” (do latim significa “chegada”, “vinda”). Espera-se a vinda de Jesus, seu nascimento. Também se refere à segunda vinda de Jesus Cristo.

Desde o século XI o advento abre o ano litúrgico (eclesial), que se encerrou com a solenidade de “Cristo Rei”.

São quatro semanas de preparação para o Natal, nas quais a liturgia vai progressivamente pedindo a vinda do Salvador. Nem sempre e em todos os lugares foram quatro semanas de advento, ocorriam variações entre três a seis semanas; no entanto, em Roma, as quatro semanas são celebradas desde o século V.

Como símbolos desse tempo, podem-se encontrar manifestações de penitência e alegria, ambas com moderação. A penitência se verifica, por exemplo, na ausência do cântico do Glória, bem como nos paramentos roxos, e etc. A alegria se manifesta com cântico do Aleluia e com o domingo Gaudete (“Alegrai-vos”), cujos paramentos são róseos; mas, sobretudo, entre os símbolos de alegria no advento se encontram duas festas votadas à Mãe de Deus. Em oito de dezembro se celebra a solenidade da Imaculada Conceição, em honra da Virgem Maria concebida sem pecado original; dogma proclamado por Pio IX, em 1854. E a festa de Nossa Senhora de Guadalupe, no México, Padroeira da América Latina, em 12 de dezembro.

Neste sentido, “o Advento é por excelência o tempo da esperança, no qual os crentes em Cristo são convidados a permanecer em expectativa vigilante e laboriosa, alimentada pela oração e pelo compromisso efetivo do amor”.[4] Na liturgia espera-se este Deus que vem, porque “Deus vem para nos salvar”.[5]

Deus é o nosso verdadeiro Amigo. Além de enviar seu Filho para morrer por nós na cruz e de se ter revelado definitivamente, ainda confia à Igreja a missão de transmitir estes acontecimentos todos os anos, sob os auspícios do Espírito Santo. É a nossa vez de provar que também somos fiéis a esta amizade, nos preparando para este tempo que se inicia.

Thiago de Oliveira Geraldo

[1] MONFORTE, Josemaría. Conhecer a Bíblia. Trad. de Luis Margarido Correia. Lisboa: DIEL-L, 1998, p. 18.
[2] Constituição Dogmática Dei Verbum, sobre a Revelação Divina, n. 4.
[3] Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyola, 1999, n. 1104.
[4] BENTO XVI. Angelus, 3 de Dezembro de 2006.
[5] BENTO XVI. Homilia, 2 de Dezembro de 2006.