Marcos Eduardo Melo dos Santos

A sabedoria popular soube cunhar breves ditados que exprimem grandes realidades. Alguns destes adágios contemplam a vaidade das exterioridades na vida humana: “as aparências enganam”, ou ainda, “quem vê cara, não vê coração”.

Com não menor brilho, os autores sagrados também recordaram em diversos lugares esta inegável verdade: “Não avalies um homem pela sua aparência, não desprezes um homem pelo seu aspecto” (Ec 11,2).  Desta tendência nos advertiu o próprio Divino Mestre (Cf. Jo 7,24).

Sem contrariar esta incontestável verdade, pode-se dizer que nem sempre a exterioridade é desnecessária, pois a Sagrada Escritura, ao mesmo tempo que adverte contra a vaidade da beleza feminina, da juventude ou de qualquer outra forma de aparência, apresenta por mais de 50 vezes a palavra “esplendor” como atributo da grandeza divina; por sua vez, o Vaticano II relembra seu papel quatro vezes. A aparência, pois, não é supérflua para a teologia…

A análise das substâncias químicas demonstra que na maioria dos casos existe correspondência entre os elementos da natureza e sua aparência estética. Em razão desta realidade palpável, a metafísica tomista nos explica que a essência se coaduna com sua manifestação. Os transcendentais não são de tal forma distintos que se possam separar a verdade ou a bondade ontológicas da beleza. Existe, portanto, plena reversibilidade entre eles[1]. Portanto, o ente e o belo se identificam, pois “o pulchrum e o bonum em certo sujeito são idênticos, porque se fundam sobre a mesma coisa, a saber, sobre a forma, e por causa disto, o bem é louvado como belo”[2]. São Tomás não tem receio de ressaltar a preeminência do belo sobre a bondade na perspectiva do conhecimento: “o pulchrum supera o bonum na ordem cognoscitiva, porque o que é qualificado como bonum compraz simplesmente o apetite, enquanto que o que é denominado belo compraz a apreensão da coisa”[3]. De fato, as aparências nem sempre enganam…

Se a beleza é necessária à perfeita intelecção do universo criado, o é com muito maior razão para a teologia a qual tem como objeto o Ser em sua plenitude: Deus. A Via Pulchritudinis não apenas prova a existência divina, mas torna-se indispensável ao conhecimento completo de qualquer verdade, inclusive a católica. A beleza é, portanto, necessária ao estudo, ao ensino e ao aprofundamento da teologia.

De fato, o maravilhamento é o segredo didático a fim de descortinar o panorama da verdade, pois como ensina o Aquinense: “o pulchrum e o bonum são a causa do movimento das mentes e das almas”[4]. Já  Santo Agostinho afirmava ser o amor o princípio, meio e fim de nossa vontade[5]; enquanto segundo São Gregório Magno, somente com o amor se pode conhecer algo de forma perfeita[6]. Vemos, pois, que a beleza nos estudos teológicos é essencial para mover o coração humano à sede do conhecimento de Deus e de seu filho Unigênito. Quando se trata de considerar a essência e os atributos de Deus, de Jesus Cristo, da Igreja e de Maria, da natureza criada e do próprio homem, torna-se mister manifestar a sua beleza, pois sem ela não pode haver atratividade, nem amor, nem verdadeiro e pleno conhecimento teológico.

Um grande tomista do século XX, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, observava ser necessário que o bonum e o verum se tornassem conhecidos e amados, uma que vez existem. Se o homem não conhece apenas por meio de silogismos, mas possui instintos e sentidos que o levam a captar diretamente a realidade, não basta que o verum e o bonum sejam compreendidos por via dedutiva. Eles devem ser conhecidos também na ordem dos instintos e dos sentidos, tanto físicos quanto intelectivos. Para isso é necessário que o bem e a verdade se apresentem com beleza[7]. Ou os alunos de teologia sentem que, embora árdua, a via do esforço intelectual é bela e sublime, ou o ensino está fracassado. A pulcritude da teologia deve despertar no jovem a sede de heroísmo e de aprofundamento[8].

Tendo este princípio como fundamento, um dos aspectos inéditos da Nova Evangelização é justamente testemunhar o amor à verdade fortificado pelo impreterível papel da beleza.

Revisão: G. Ridder/J. Jimenez/J. Dominguez/C. Werner


[1] Cf. São Tomás de Aquino, In I Sententiarum Dis.8, Qu.1, Art.3

[2] S. Th. Prima Pars, Qu.5, a.4; In I Sententiarum Dis.31, Qu.2, Art.1.

[3] S. Th. Prima Secundae, Qu.27, a.1.

[4] Thomae A., In Dionysii De Divinis Nominibus Cap.4 Lec.8.

[5] Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos tractus, 10, 4: PL 35, 2056-2057.

[6] São Gregorio Magno,,moral, 23,17 PL 76,269.

[7] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. Plinio. Conferência. 15 fev. 1989. Arquivo ITTA-IFAT.

[8] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. Plinio. Conferência . 5 fev.1985. Arquivo ITTA-IFAT.