Pe. José Francisco Hernández Medina, EP


Monsenhor, como foi que um sacerdote de Brescia começou a trabalhar na Secretaria de Estado?

Quando jovem, meu ideal de sacerdote considerava só a vida pastoral, à qual me dediquei com muita satisfação nos primeiros doze anos, como vigário paroquial e diretor de um animado oratório na periferia de minha cidade e diocese, Brescia: catequese, grupos de jovens, esportes, acampamentos, atividades sem fim. Mas um encontro casual, em 1980, com o então Assessor da Secretaria de Estado, Dom Giovanni Battista Re, hoje Cardeal, determinou a minha convocação para o serviço direto da Santa Sé.IMAGEM

Por dezesseis anos dirigi a seção onde chega e é classificada toda a correspondência recebida do mundo inteiro pelo Santo Padre. Trata-se geralmente de dois ou três sacos diários de cartas e pequenos dons que podem ser enviados pelo correio. Foi comovente observar o carinho crescente e a devoção que uma infinidade de pessoas, crentes ou não, tributavam ao Servo de Deus João Paulo II. Nossa tarefa era assegurar uma resposta adequada a essas cartas, às vezes acompanhada pela oferta de um terço abençoado pelo Papa, sobretudo para as pessoas afetadas por um grande sofrimento ou aflição.

Poderia contar algum episódio que o tenha marcado de modo especial, nessa função?

Uma recordação entre muitas. Certa senhora idosa expressou ao Santo Padre o desejo de convidá-lo à sua modesta casa para um chá da tarde. Mas, bem consciente de ser um sonho irrealizável, enviou uma encomenda postal contendo uma caçarola, um saquinho de chá, um pacote de biscoitos e uma toalha bordada por ela. Tudo endereçado às religiosas que prestam serviço no apartamento papal, para que assim se realizasse pelo menos em parte o seu desejo, como de fato aconteceu.

Contudo, as cartas mais tocantes e espontâneas eram as das crianças. Lembro-me da de um menino que vivia numa fazenda isolada no campo e tinha como único companheiro de divertimentos o seu burrico, e este morreu de uma doença súbita. Em termos aflitos, pedia ele ao Santo Padre o milagre de restituir a vida ao seu “amiguinho”.

Uma emergência nesse trabalho aconteceu por ocasião do trágico atentado contra João Paulo II, em 1981. Durante alguns meses, multiplicaram-se os sacos de correspondência: a todos, em todo o mundo e em todas as línguas dos destinatários, mesmo as menos conhecidas, foi enviada uma resposta de agradecimento em nome do Santo Padre.

Vossa Reverendíssima é o atual responsável pelo Escritório Central de Estatísticas da Igreja. Como começou a desempenhar esse trabalho?

Depois de dezesseis anos lendo cartas e redigindo minutas para respostas, recebi de meus superiores esse encargo, sempre dentro da Secretaria de Estado. Julgava tratar-se de um trabalho árido, de recolhimento e armazenamento de números e dados estatísticos. Ao invés, essa tarefa revelou-me uma feição extraordinária da Igreja que eu não conhecia: a sua verdadeira universalidade, a complexa organização das circunscrições eclesiásticas no mundo, a riqueza das instituições culturais, educacionais e de solidariedade, o experiente organismo da Cúria Romana.

Guardam-se desde sempre nos arquivos do Vaticano os relatos dos missionários, com as estatísticas dos convertidos que, ao longo dos séculos, foram ampliando as fronteiras numéricas e geográficas da Igreja. Mas deve-se à clarividência do Papa Paulo VI a criação e organização, em bases científicas, da coleta dos dados que proporcionam e atualizam anualmente a “radiografia” da Igreja no mundo, em todos os seus componentes de números e de pessoas.

Como se desenvolve a coleta dos dados que constam no Anuário Pontifício e no Anuário Estatístico da Igreja?

O método, muito resumidamente, é simples: o envio de nove mil questionários impressos (mas já está em vigor o método de coleta por e-mail) através dos quais todas as dioceses reúnem e enviam os dados fornecidos pelas paróquias: número de católicos, batizados, crismas, casamentos, etc. Acrescentam-se a isto os dados de todas as congregações religiosas do mundo.

Poderia fornecer alguns dados mais significativos, extraídos dessas estatísticas?

Delas emerge, por exemplo, o dado negativo de um declínio substancial e persistente do número de religiosas de vida ativa, enquanto se mantém substancialmente o número das de vida contemplativa.

Em sentido contrário, um dado positivo é que desde o ano 2000 se caminha contra a corrente no tocante às vocações sacerdotais. Após uma crise de várias décadas, está em sensível ascensão o saldo entre o número de novos presbíteros ordenados, diocesanos e religiosos, e o dos que morreram ou abandonaram o exercício do sacerdócio. Em oito anos voltamos a crescer, com cerca de 4 mil unidades (de 405.178 para 409.166), com uma surpresa: em 2008 voltaram à ativa cerca de 400 sacerdotes que, por vários motivos, haviam sido suspensos a divinis.

Também o número de seminaristas aumentou significativamente nos últimos anos, embora não nas nações de longa tradição cristã, como as europeias e norte-americanas. Neste momento, o continente mais promissor no tocante ao número de candidatos ao sacerdócio é a Ásia, onde, paradoxalmente, é mais acentuada a perseguição contra os cristãos. Apesar da reduzidíssima porcentagem de católicos, há seminários florescentes na Índia, Vietnã, Coreia, até mesmo em Mianmar e, claro, nas Filipinas, único país asiático de maioria católica. Também a África e a América Latina continuam a ser um bom reservatório de vocações, ainda que de modo desigual. Uma curiosidade: a diocese do mundo que possui o maior número de vocações é a de Guadalajara, no México, com 654 seminaristas de filosofia e teologia (dados de 2008).

É bom deixar registrado: no Anuário 2010 foi incluída pela primeira vez a Sociedade Clerical Virgo Flos Carmeli, com os seguintes dados: 18 casas, 319 membros, dos quais 77 sacerdotes, que têm como finalidade “a evangelização e a santificação do mundo através da assistência espiritual e sacramental ao povo de Deus e fazendo resplandecer todos os atos da vida cotidiana”. Naturalmente, entrou também no Anuário o nome do Superior Geral dos Arautos do Evangelho, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, citado inclusive no longo índice de nomes do volume (cerca de 25 mil) na sua dignidade de Protonotário Apostólico como Cônego honorário da Basílica Papal Liberiana de Santa Maria Maior, em Roma.

E é belo constatar como a vitalidade da Igreja se enriquece constantemente com novos e fecundos rebentos da vida religiosa, em comparação com outros que, por diversas razões, estão em declínio.

Hoje os batizados na Igreja Católica constituem um percentual de 17,4% da população mundial. Com os irmãos ortodoxos, evangélicos e anglicanos, excluindo as seitas, o percentual dos que creem em Cristo é quase de 33%. O Cristianismo continua a ser, de longe, a religião com mais seguidores no mundo, em lento, mas constante e ininterrupto crescimento.

Poderia explicar o que são o Anuário Pontifício e o Anuário Estatístico da Igreja?

Todos os dados estatísticos relativos à estrutura organizativa eclesial, incluindo comparações com anos anteriores, podem ser lidos no Annuarium Statisticum Ecclesiæ, uma publicação com textos explicativos em latim, francês e inglês.

Mas o livro mais conhecido em todo o mundo é o Anuário Pontifício, “o grande livrinho vermelho”, como o definiu o diário francês La Croix. Em 2.550 páginas (e crescendo a cada ano!), fornece os dados estatísticos essenciais relativos às Dioceses, às Famílias religiosas, mas sobretudo o elenco de nomes e cargos de todos quantos têm na Igreja responsabilidade de governo e de serviço, com um documentado complemento de notas históricas. Após a impressão, o volume é apresentado antes de tudo ao Santo Padre — em alguns exemplares, os únicos em couro branco — e logo depois presenteado a todos os Chefes de Estado, Primeiros Ministros e Embaixadores das 178 nações que mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé. ?

Mons. Vittorio Formenti, nascido em Castrezzato (Brescia), Itália, em 29 de dezembro de 1944, foi ordenado sacerdote em agosto de 1968. É Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense, professor universitário, jornalista, escritor e poeta. Entre seus numerosos títulos honoríficos destacam-se os de Commendatore al merito della Repubblica Italiana e Prelado de Honra de Sua Santidade. Em 1980 começa a trabalhar como Oficial na Secretaria de Estado do Vaticano. Desde 1996, é responsável pelo Escritório Central de Estatísticas, tendo a seu cargo a edição do Anuário Pontifício e do Anuário Estatístico da Igreja. É também coadjutor do Capítulo Liberiano da Basílica Papal de Santa Maria Maior.